A baronesa não recebera ainda a carta anunciada pela cartomante e andava inquieta, doente. Glória voltava radiante todas as segundas-feiras das visitas paternas e não tinha na boca senão o nome de d. Alice.
Aquilo fazia recrudescer o desespero da pobre senhora.– D. Alice! d. Alice! não falas senão da tal d. Alice! que personagem!
– Eu gosto dela...Prendendo as mãos da neta, puxando-a para si, a avó perguntava entre suplicante e imperativa:
– Mas que te faz essa mulher para lhe quereres assim?
– Nada... passeia comigo... conversa...
– Tenho medo dessas conversas... É a tal história dos sapatinhos de ferro!
– Da vaquinha Victória?
– Sim... Que te diz ela?
– Tantas coisas... Ontem fomos ao Jardim Zoológico. Vovó há de crer? Ela contou-me a vida daqueles bichos todos!
– Mentiras... Que pode ela saber!
– Eu contei a papai e ele afirmou que era verdade!– Ah! tu contas a teu pai tudo que ela te diz? Bem disse eu! É a tal história dos sapatinhos de ferro... Um dia há de enterrar-te como a madrasta fez à outra.
– Mas ela não é minha madrasta! Nem diz nada de mal... Vovó pergunte só ao padre Assunção. Ele também gosta de conversar com ela. Ontem estavam muito tristes...
– Ambos?!
– Ambos.A baronesa riu-se.
– De que se ri, vovó?
– De nada... achei graça! Ia bem vestida a tua d. Alice?
– Assim... assim... ela anda quase sempre com o mesmo vestido, quando sai. É pobre...
– Ela usa anéis?... tem alguma joia?...A neta admirou-se de ver a avó tão corada de repente; e, antes de responder à pergunta, exclamou:
– Nunca vi vovó tão vermelha! – e depois, naturalmente: – Não usa anéis... também não usa joias.
– Nunca te falou da família?...
– Nunca... Papai me recomendou que eu nunca lhe perguntasse por isso!
– Ah! teu pai recomendou!...
– Por que seria, vovó?
– Porque geralmente mulheres assim não têm família.
– Coitadas! Mas assim como? D. Alice é como as outras!
– Talvez mais bonita...
– Não... Ontem então ela estava com os olhos tão pisados!
– Pobre infeliz!
– Eu queria que vovó gostasse dela!
– Para quê? Estamos muito bem assim... Cada um no seu lugar!
– Já tenho aprendido muita coisa com ela...
– Deus queira que não aprendas tudo!
– Papai gosta que ela me ensine!
– Ah...– Padre Assunção também... Ele ontem assistiu à minha primeira lição de desenho. Uma lição só por semana é pouco... Vovó deixa d. Alice vir cá de vez em quando dar-me outra lição?
– Nunca!
Glória recuou espantada; a velha conteve-se, e depois:
– Os retratos de tua mãe ainda estão nos mesmos lugares?
– Estão... um em cima do piano... outro no escritório... outro no quarto de papai...
– Já tiraram o do quarto de toalete?!
– Ah! é verdade! e outro no quarto de toalete! Como vovó se lembra!
– Minha pobre filha!
– O do quarto do papai está ficando branco...
– Até desaparecer! É que a imagem de Maria está sumindo ao mesmo tempo da memória e do papel! – disse a baronesa abafando um suspiro.– Da memória de quem?!
– Vai brincar, minha Glória; corre, faze das tuas brutalidades antigas... quero ouvir os teus gritos, as tuas risadas... Onde está a tua cabrinha? Já nem fazes caso dela!
– Como não?! D. Alice até me prometeu uma coleira para ela!
– Já me tardava...
As mãos da avó afrouxaram. Glória fugiu para o quintal.

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A Intrusa
RomanceNo Rio de Janeiro do século XIX, Argemiro Cláudio, um rico advogado, coloca um anúncio no jornal, visando contratar uma governanta que pudesse trazer ordem à sua casa e ajudar na educação de sua filha, Maria da Glória. A única pessoa que responde ao...