VI

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Desde que fora entregue aos avós, era a primeira vez que Maria da Glória dormia fora de casa. A baronesa morria de impaciência por vê-la voltar; à tristeza da ausência juntava-se um cuidado que a punha doente. Que teria sucedido à sua netinha, longe do seu carinho e da sua vigilância? Se ela chegasse com febre! Que idéia maldita a de tirarem a criança dali, para a meterem na cidade, por uma noite inteira!

Mas a Maria chegou alegre. Saltou do carro sobraçando um grande embrulho de pastéis.
A baronesa estendeu-lhe os braços, com os olhos luzindo de alegria.

– Vem, meu amor! Eu estava com tantas saudades! Coitadinha...
– Coitadinha por quê, vovó?! Eu estou boa. Gostei muito!
– Ah, gostaste muito... Então não tiveste saudades minhas...
– Tive, mas gostei. Tome estes pastéis, são muito bons!
– Eu também tenho um doce guardado para ti.
– Onde está?
– Depois... escuta, conta-me o que fizeste.
– Passeei com papai, toquei, brinquei... já disse: gostei muito!
– E...
– E... e o quê?!
– A tal... a tal mulher, como a achaste?
– D. Alice? É tão boa! sabe? ontem ela me ensinou a fazer crochê e deu-me depois a agulha e o novelo de lã!
– Ora, que prenda, crochê! Eu não aprecio isso. Ela é bonita ou feia?
– É bonita!
– Ah...
Maria percebia bem que a avó não estava contente; mas continuava a açular o seu ciúme, com maldade.
– Tomaste banho hoje?...
– Tomei. Foi d. Alice quem me penteou. Sábado voltarei para lá, sim, vovó?
– Já?! mal chegaste já pensas em voltar!
– D. Alice pediu...
– Ora, d. Alice!

A baronesa retinha a neta a custo entre os braços. Maria tinha pressa de ir ver os coelhos e verificar se lhe tinham apanhado uma bela manga rosa que ela trazia de olho havia dias...

– Sossega, menina! Olha para mim!
– Estou com pressa...
– Deixa-me tirar a faixa... como este laço vem mal dado... não hás de ir com este vestido para o quintal! Que penteado! Logo se vê que a tal mulher não tem jeito para tratar de crianças!
– Como não tem?! É tão delicada...
– Dize-me cá: em que quarto está dormindo?
– No quarto azul...
– Da sala de jantar?!
– Não. Em cima, aquele do terracinho.
– O gabinete de trabalho de Maria! Será possível? Para uma empregada, um quarto tão bonito... E tu, onde dormiste?
– Ao pé dela.
– Na mesma cama?!
– Não; mas no mesmo quarto...

A baronesa suspirou. Ela não pudera conciliar o sono, em frente à cama vazia da neta! E a criança ingrata, ao lado da inimiga, nem pensara nela!
O trabalho da baronesa seria agora afastar Maria quanto possível da idéia de voltar à cidade.
Disputá-la-ia à outra, a ferro e fogo. A verdade é que Maria exagerava a sua simpatia por Alice, por perceber o desgosto da avó, assim como se comprazia em torturar Alice na ausência da baronesa...
No meio dessa semana o Feliciano foi, a mandado de Argemiro, levar uma carta à chácara dos velhos.
Glória corria pela chácara; o barão lia sob o alpendre e a baronesa, a seu lado, cerzia meias, sossegadamente. O negro, todo emproado e bem vestido, entregou a carta à velha, que foi a mais pronta em estender a mão.

– Então, Feliciano, como vai tudo por lá?

O negro sorriu, meneou a cabeça e calou-se.

– Que temos? – indagou o barão.
– Uma carta do Argemiro; pede-me que não me esqueça de mandar Maria no sábado!
– Pois lá a levarei.
– Não pode ser. Vou no domingo com ela à Tijuca; já está isso decidido.
– Tijuca! Que idéia é essa?
– É uma idéia como outra qualquer! Estou sempre como os caracóis metida em casa, e quando falo em sair lá vem tudo abaixo!
– Estimo que saias; mas que diabo! Vai noutro dia à Tijuca e deixa a pequena ir ver o pai no sábado, como se combinou.
– Há muitos sábados; neste ela não poderá ir. Ele que venha jantar conosco no domingo. Eu vou jantar à Tijuca com a minha neta e voltarei às quatro horas para casa. É uma promessa.
– O Argemiro pode ficar sentido...
– Que fique. Eu preciso mais da neta que ele da filha. Lá tem outras consolações...

A IntrusaOnde histórias criam vida. Descubra agora