XVIII

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A pouco e pouco, autorizada pela ausência do genro, a baronesa tomara posse da casa.
O marido intervinha às vezes, aconselhando que deixasse à outra todas as determinações, ao que ela respondia - se valera a pena ter saído da chácara para se pôr à tutela da inimiga!

- Não, meu velho, tem paciência, eu estou de sentinela à última vontade de minha filha. Ele jurou: terá de cumprir o juramento. Esta mulher é mais perigosa do que eu pensei, porque é também hipócrita e sabe conquistar pelo jeito toda a gente. Menos a mim! Glória pertence-lhe. Já me tem feito chorar, a filha da minha filha, por quem tanto me desvelei sempre! Até parece que já lhe vou perdendo o amor... Não percebes o cálculo?

- Não percebo nada. A rapariga trata como pode de ganhar a sua vida. O que tu fazes, filha, não é digno de ti. Inventaste uma paixão, onde talvez não exista nem simpatia, e vives a debater-te diante de fantasmas. A moça é fina; não é do estofo comum das governantas, isso é certo... Mas sabes lá, tu que tens vivido sem necessidades, a que sacrifícios obriga a pobreza?

- Não faltam ofícios!

- Mas sobejam concorrentes... Eu sei o que vai por aí! Olha: vou apontar-te um exemplo: o dr. Teobaldo Ribas. Lembras-te? Um engenheiro distinto! Está com um emprego secundário numa companhia de empreitadas; a família habita numa casinhola de porta e janela na Cidade Nova e pode-se adivinhar o que se passa lá dentro, entre oito crianças fracas e o casal sem recursos... Eu, francamente, não sei mesmo como esta pobre moça ainda te atura. Pelas desfeitas que lhe tens feito, se fosse outra...

- Ter-se-ia ido embora. É o que eu digo. Não tem brio. Mas o meu partido está tomado; custe o que custar e seja como for hei de pô-la fora daqui.

- Não faças isso!

- Ora essa! Por que não?

- Não estás em tua casa!

- Estou na casa de minha filha.

- Para o que te deu! Tua filha só existe na tua imaginação. Capacita-te disso, pelo amor de Deus! É um caso de obstinação incompreensível, em ti, que foste sempre tão criteriosa. Acalma-te... e voltemos para a nossa chácara. Eu estou farto de cidade até aqui! - e apontava para a calva.

- Voltaremos... deixa estar... eu também já não posso mais... A minha vida é um inferno... Todos esquecem, todos gozam, só eu vivo acorrentada ao passado, e revendo a todos os instantes a cena horrível da morte de Maria! Está aqui tudo, tudo, estampado em meus olhos, enterrado no meu peito. A minha vida parou naquela hora! Não vejo, não ouço, não sei de mais nada. Os anos e os meses têm corrido para mim ignorados. A minha existência é a existência da minha filha. O coração dela ficou dentro do meu. É o que eu sinto! Hei de defendê-lo até o último extremo! Às vezes, também eu acredito na loucura... Ao princípio, enquanto Glória era só minha, sentia até certa suavidade em conviver assim com a minha morta... Nota que já não digo: a nossa! Mas agora, agora que a inimiga, a intrusa, me rouba também o amor da minha neta, sinto dentro de mim um clamor de choro que não posso sufocar, por mais que me esforce! Sou uma abandonada.

- Glória adora-te como sempre...

- Foge-me... esquiva-se... acha a minha companhia monótona... A outra conta-lhe histórias, mostra-lhe gravuras, saracoteia-se com ela pelas ruas, até já a surpreendi pulando na corda com a menina, como se fossem duas colegas da mesma idade! As crianças gostam de alegria. É natural que a minha Glória a prefira a mim! Tenho ciúmes dela, sim, tenho muitos ciúmes... E ainda queres que a poupe e que me deixe roubar sem um protesto. Nunca!

- Consulta um médico... a tua excitação é doentia...

- Já me tardava! Um médico, e água de flor de laranjeira! A outra também te conquistou a ti. Se te mandar dançar sobre a sepultura de Maria... tu dançarás?

A IntrusaOnde histórias criam vida. Descubra agora