— Lúcia. — Pedro sussurra, balançando meu ombro — Levanta antes que a sua irmã ou a sua tia venham te procurar aqui.
Assim que eu ouço "tia", abro os olhos tão rápido que pensei que não conseguiria fechá-los de novo. Sensação estranha, enfim. Dormimos no quarto dele. NA CAMA DELE? Caramba. Isso que é intimidade.
Enquanto me ajeito pra ir embora, me lembro dos detalhes da noite passada. Foi tão divertido que chegou ao nível da minha festa não-festa de aniversário.
Foi a revanche.
Minha cabeça não tá doendo. Que bom, já que quase sempre isso acontece quando eu bebo muito.
— Quer levar o copo? — Pedro me estende o copo de um litro pra mim, assim que eu estou pronta pra sair.
— Pode ficar. Quem sabe assim a sua casa fica mais colorida, titio. — brinco, e ele revira os olhos.
Esqueci de falar que o copo é amarelo. Isso é importante? Não. Mas deixa a tia Lúcia.
Pedro me leva até a porta, e nós nos abraçamos. Até aí tudo bem, tudo joia, tudo nice, tudo great. Porém, sempre tem um porém, né? Nunca pode ser só isso e fim, todos foram felizes.
Porém, quando estávamos no fim do abraço, eu me inclinei pra dar um beijo na bochecha dele, e aparentemente *ou obviamente ele queria fazer o mesmo e...
Ainda to tentando me recuperar, mas vocês já imaginam o que aconteceu, né? Eu e ele nos inclinamos ao mesmo tempo, e quase nos beijamos na boca.
Nos afastamos a tempo, e eu coloquei minha mão na boca, tipo em choque. Ele riu, e depois o clima ficou meio constrangedor. Ele parecia pensativo também enquanto nos despedíamos, mas eu ignorei.
Por fim, dei "tchau" e saí saltitando *sem zoeira pelo corredor.
Que merda, hein? Isso não foi engraçado, foi decepcionante. Odeio quando as coisas desandam por causa de um pequeno detalhe. Tá que foi só um QUASE BEIJO, mas ah sei lá, por que eu to opinando se eu não sei justificar coisas normalmente?
I LOVE WHEN YOU CALL ME "SEÑORITA"
não sei o resto e lalaricha...Lembrei dessa música quando fechei a porta de entrada de casa e ouvi uns barulhos vindos da cozinha.
Meu deus, elas já levantaram. Espero que não tenham percebido que eu não passei a noite em casa. Mas se perceberam, FODA-SE, eu tenho 20 anos e fiquei bêbada ontem.
Não são 18, não são 19, são 20. Mesmo que as outras duas idades que eu citei sejam de maior também.
Ajeitei a postura e fui até a cozinha, confiante *já vi essa história antes.
— Até que enfim acordou, né? — Mary Kay resmunga, antes de tomar um gole de sua xícara de café.
Eu dou de ombros e vou até a cafeteira, no canto do balcão.
— Nossa Lúcia, mas você dormiu com a mesma roupa que usou ontem? — tia Martinha diz, fazendo uma voz enojada.
Faço uma careta digna de assustar crianças, mas permaneço quietinha preparando meu café.
— Ô garota. — Natura estala os dedos pra mim — A tia Martinha tá falando com você. Não responde, não?
Junto as sobrancelhas.
— Eu vou responder o que depois dela dizer o óbvio? — eu pergunto, sarcástica.
Ah, mas eu to pedindo uma chinelada na bunda.
Tia Martinha bufa, aparentemente perdendo as esperanças na minha educação com ela. Triste.
— Aff. Você é uma grossa. — Boticário resmunga, se afastando de mim.
— "Muito". — digo sorrindo, me lembrando de coisas.
Quem pegou, pegou. Quem não pegou, vai comer o cu de quem tá lendo.
Tomo meu café ali mesmo, pronta pra fazer mais piadas.
— Hoje eu fui lá no jardim do prédio dar uma caminhada, e tinham duas meninas, acho que de 14 ou 15 anos, falando sobre esse negócio de bv, bvl, sei lá o que. Que presepada é essa, hein? — tia Martinha pergunta, indignada.
Eu quase me engasgo com o café, e as duas me olham surpresas. Comecei a rir feito uma condenada. Ela agora vai querer dar opinião na boca dos outros? Então tá, né.
— Tia, a senhora convive com suas vizinhas adolescentes e não sabe o que é bv ou bvl? — Jaqueline pergunta, sem graça.
— Eu sei o que significa, mas não entendo. Isso é uma falta de noção e respeito tremenda! Meninas dessa idade tem que se preocupar em estudar e servir à Deus e somente Ele. — tia Martinha estende as mãos pro alto.
— Sim, claro tia, mas é que-
— Essas coisas de hoje em dia só acabam com a cabeça dos jovens. É por isso que essa daí tá assim agora: malcriada. — tia Martinha aponta pra mim, e eu junto as sobrancelhas.
Jaqueline Avon não consegue contrariar a própria tia. Mas eu consigo.
— Nossa velho, pra que esse drama todo? Tem meninas de 10, 11 anos que já transam. — eu digo, naturalmente.
Jaqueline arregala os olhos, e tia Martinha segura seu crucifixo que carrega pra todo canto.
— Retire o que disse agora, Lúcia. Você é uma moça e não é bonito ficar falando essas coisas inapropriadas. — tia Martinha aumenta o tom de voz pra mim, e eu reviro os olhos.
— Jaqueline, me diz que tem algum pacote pra entregar. — eu suplico desesperada, olhando pra minha irmã.
— Tem. — ela vai até o microondas e retira dois pacotes — A tia Martinha vai te ajudar a entregar.
— Caralho. — resmungo baixinho, enquanto pego um dos pacotes.
— Mas antes vai tomar um banho e colocar uma roupa mais longa. — tia Martinha diz, apontando para minha roupa.
Ah, desgraçada. Drama da porra.
Como eu queria ser um mosquito pra sugar o sangue dela e fazer ela se coçar por 10 minutos seguidos. Sem interrupções.
— No que está pensando? — ela pergunta, irritada.
— Em Deus. — respondo a primeira coisa que surge à minha cabeça.