10º Capítulo

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Passei por entre algumas mesas até que cheguei perto da cliente que tinha acabado de entrar à alguns segundos atrás.

– Bom dia, o que vai desejar? – Perguntei.

– Hoje também é o costume. – Respondeu com um pequeno sorriso enquanto retirava o telemóvel da sua mala olhando-me logo em seguida.

– Lamento, eu não sei o que é o seu costume. – Respondi calmamente acabando por morder o interior do meu lábio. Será esta a senhora que esteve aqui ontem e me fez pensar aquelas coisas? O que é que ela tinha pedido mesmo?

– Como não se lembra? Já é a terceira vez que me atende e ainda não sabe que eu quero um café e um Hotteok. – Ela respondeu ríspida, fazendo-me recuar um passo e recompor a minha postura.

– Eu lament- – Quando me preparava para defender, alguém me interrompe.

– Minha senhora, eu peço desculpa por me estar a meter, mas ouvir esta conversa por três dias seguidos já me está a dar ânsia. Caso não tenha reparado, a empregada é nova aqui e caso também não saiba, estamos num café bastante conhecido, tem noção de quantas pessoas passam por aqui num só dia? Acha que a empregada vai decorar todos os pedidos que lhe fazem? Nem eu me lembro do que é que eu comi ontem ao jantar. Então seja um pouco mais tolerante.

Durante todo o discurso do rapaz eu mantive o meu olhar entre ambos os clientes. Eu não sabia quem era aquele rapaz que vestia umas calças pretas, justas com alguns rasgões, uma t-shirt dos Ramones e um casaco de cabedal também preto, mas agradeci mentalmente por me ter defendido, eu não sei o que eu poderia dizer para além de um "eu lamento" e amanhã repeti-lo novamente. Os cabelos dele eram loiros, e a pele bastante pálida. Olhos pequenos e lábios finos.

– Eu peço desculpa, a culpa é toda minha, eu- – Mais uma vez eu fui interrompida, mas desta vez pela senhora.

– Não, não, o menino está correto, eu deveria ter pensado antes de ser tão drástica consigo. Eu é que peço desculpa. – Ela lamenta-se enquanto curva ligeiramente o corpo.

Dou um ligeiro sorriso antes de me curvar também e vou preparar o pedido da senhora, entregando-lhe logo a seguir. Voltei para trás do balcão, onde começo a arrumar a loiça.

Levantei ligeiramente o olhar quando percebo que alguém se aproximou do balcão. Era o mesmo rapaz que me tinha defendido.

– Um obrigado? – Ele diz sentando-se num dos bancos juntos ao balcão. – E eu quero um milkshake de banana.

– Obrigada por me defenderes, não precisavas de o fazer, eu realmente merecia.

– Porque é que achas que merecias?

– Porque eu tenho essa estúpida doença que faz com que eu me esqueça de tudo, quando acordo eu nunca me lembro de nada sobre o dia anterior, nem do meu próprio namorado, e eu tenho que acordar duas horas mais cedo para ver vídeos que o meu namorado me preparou com informações sobre mim, sobre nós e sobre coisas básicas que eu devo saber. – Faço um pequeno resumo sobre a minha condição.

– E daí que a tua memória não funciona a cem por cento? Arranja um bloquinho de notas e aponta, mesa.. – Ele faz uma pequena pausa enquanto olha para trás, confirmando o lugar onde a senhora se sentava. – Encostada à parede junto ao quadro com foto de cavalos, uma senhora por volta das dez da manhã pede um café e um Hotteok.

– E se ela não se sentar naquela mesa?

– Faz uma breve descrição da senhora. O foco é, para qualquer problema, há sempre uma solução, e se não houver, nós iremos encontrar ou arranjar uma. Só não podes deixar que qualquer coisa te abale.

Vestígios de TiOnde histórias criam vida. Descubra agora