Enquanto Houver Razões (Concluído)

Capítulo 10

Quando decidiu construir sua casa, Khaled teve de tomar uma decisão difícil. Ele adorava o mar com toda sua intensidade. Mas queria também a balbúrdia silenciosa do deserto. As areias secas acabaram por vencer, e ele construiu seu lar no meio do deserto, a alguns quilômetros da cidade. Sem vizinhos, sem poluição sonora e quase sem visitas. Apenas seus melhores amigos e alguns de seus irmãos tinham permissão de aparecer.

O príncipe se orgulhava do lugar, havia decidido cada detalhe. Um de seus cômodos favoritos era um escritório,com paredes de vidro que tinha vista para o imenso lago artificial que cercava parte da casa. Era especialmente lindo a tarde, no pôr do sol que tingia tudo de vermelho.

Na última semana, Khaled fez questão de ver cada pôr do sol, principalmente porque do escritório podia ver Lynn sentada a beira do lago, assistindo aquele espetáculo. Se encantava cada vez mais com a determinação da moça em aproveitar cada sensação que a vida trazia, cada beleza que passava diante dela. Era tão bom ter a jovem por perto todos os dias, e todas as noites.

Encostado na mesa, ele aguardava por Said, e o relatório pelo qual aguardava há quinze dias. Sentia que precisava lutar para fechar as feridas de sua alma. Havia perdido muito da vida nos últimos quinze anos, enquanto odiou as pessoas que mais amou : Rashid e Yassemin bint Sayed.

Se lembrava ainda de quando viu Yassemin pela primeira vez. Ele era apenas um menininho e ela uma bebê de poucos meses. Seu tio Sayed pôs Yassemin em seu colo e lhe disse que um dia se casariam. Então tio Sayed colocou um colar em Khaled e outro idêntico em Yassemin.

Khaled nunca questionou aquele noivado arranjado. Passou a amar Yassemin desde aquele dia. Nunca pensou em amar outra pessoa. Mesmo quando Rashid e os primos descobriram as garotas ocidentais, ele não se envolveu com nenhuma delas.
Haviam muitas provocações, mas ele não se importava. Chegaria virgem ao casamento com Yassemin, porque ela seria a única mulher da sua vida.

Ele sentiu o gosto amargo daquelas lembranças. Sempre viu a prima como uma garota doce e frágil de quem ele cuidaria a vida toda. Nunca imaginou que ela o abandonaria para ficar com Rashid, apenas por ele ser o herdeiro do de Dubai.

Mas bastaram umas palavras de Sheikh Sayed para que ela se tornasse noiva do irmão mais velho de Khaled. Sabia que o pai nunca tinha afirmado o noivado estabelecido pelo tio. Mas ele sempre teve esperança de que todos o apoiariam no momento certo. Nunca pensou que seria Yassemin que desistiria do casamento.

Uma batida na porta o tirou de seus amargos pensamentos. Said entrou em seguida, sabia que Khaled o aguardava. O príncipe percebeu cansaço em seu rosto. Não se viam há 15 dias, a barba de Said estava mal feita, e claramente não dormira muito nos últimos dias. Khaled soube que ele estivera boa parte desses dias fora do país.

— Salam — Said colocou duas pastas sobre a mesa antes de receber dois beijos na face dados pelo príncipe.

— Ahlan wa Salam — Khaled respondeu. Ao olhar bem o rosto de Said, percebeu que além de cansado ele parecia muito infeliz. — Conseguiu as informações que eu pedi?

— Sim, Sheikh Khaled — Ele olhou para as pastas sobre a mesa com um olhar um pouco indeciso, mas algo se passou em sua mente e seu rosto transpareceu uma determinação que afastou a aparência de cansaço — Senhor, tomei a decisão de lhe trazer um pouco mais.

Khaled o olhou sem compreender. Deu a volta na mesa, sentou na cadeira e puxou as duas pastas para si. Percebeu que uma era consideravelmente mais grossa que a outra.

— Trouxe todas as informações sobre a vida de Yassemin bint Sayed bin al Zaman. — Said continuou — E também obtive informações que o senhor precisa conhecer sobre a vida de Lynn Isabela.

Khaled não levantou a cabeça, somente fechou os olhos e aspirou profundamente para conter a onda de raiva.

— Não pedi uma investigação sobre Lynn! Não me interesso pelo passado dela! — Khaled empurrou a pasta mais grossa em direção a Said. — Eu não me importo com o que ela fez como uma mulher ocidental, agora ela pertence a este mundo e a mim. E só o presente me importa.

— Não é o que ela fez Senhor! — Said sabia que estava ultrapassando limites e que haveria consequências — Mas há coisas que o senhor precisa saber!

— Ninguém deve saber o que você descobriu — Khaled falava de forma contida e controlada. Mas o ódio transparecia em suas palavras — Se algo ruim sobre ela se espalhar, vou considerar você pessoalmente culpado, Said.

— Sim, Sheikh. Mas o senhor precisa saber de coisas importantes...

— Chega! — Khaled se levantou e andou até a janela, enxergou Lynn à beira do lago. Allah! Será que ninguém entendia que amava aquela mulher? Era a segunda chance que a vida lhe dava de ser feliz no amor. Não iria desperdiçar —Não vou abrir mão dela,Said, não importa o que tenha descoberto. Na verdade, pretendo me casar com ela em breve.

— Eu fico feliz Senhor. Allah sabe que antes de tudo, o senhor é uma amigo amado. E é por isso que lhe trouxe a verdade. Por que ninguém pode ser feliz por muito tempo sem a verdade.

Khaled sentiu medo. O que Lynn poderia estar escondendo para fazer Said arriscar assim a amizade do príncipe o desafiando?

Como se escutasse seus pensamentos, Lynn virou em sua direção. Segundos depois levou uma mão à cabeça e desmaiou à beira da água.