Capítulo 01

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Khaled já tinha tentado entrar no carro três vezes. Mas alguém sempre o chamava e ele voltava para trás. Câmeras e jornalistas o cercavam, enquanto ele tentava prestar atenção às pessoas. Dezenas de celulares gravavam seus movimentos. A multidão não ousava apertá- lo, ninguém tocava sem permissão no príncipe herdeiro. Mas toda essa atenção tornava as aparições públicas cansativas.

Durante toda a tarde, havia assistido as corridas de camelos, numa pista construída fora da cidade. Os homens ali presentes eram pessoas simples do povo, muitos eram idosos. Um dos motivos da família al Zaman estar no poder há mais de 200 anos era a acessibilidade. Em muitas ocasiões o povo encontrava os membros da família real entre eles.

O homem idoso a sua frente recitava um poema, contendo votos de que sua vida fosse longa, e seu reinado fosse próspero.

Khaled agradeceu e beijou a face do homem, sentiu- se realmente grato pelo carinho das pessoas. Depois de dizer aos repórteres algumas palavras sobre o poema, ele finalmente conseguiu entrar no carro. Said Hilal, seu guarda costas, deu a partida e o carro deixou rapidamente o local.

A agenda do príncipe tinha sido intensa nas últimas doze semanas. Havia feito uma viagem por vários países árabes, representando o governo de Dubai, firmando alguns acordos políticos e reforçando outros. Ele e toda a sua equipe se sentiam cansados e um tanto estressados. Mas os próximos quinze dias seriam de folga para todos eles, e o príncipe mal via a hora de entrar em seu avião particular e se isolar no Uzbequistão, para uma relaxante temporada de caça.

Quando mais jovem, tinha adorado passar tempo em cidades badaladas, como Londres e Nova York, mas agora aos trinta e seis anos, preferia passar o tempo livre em lugares isolados. Adorava fotografar a natureza e estar em contato com ela.

Nader Hasnawi tem ligado bastante. — ouviu a voz de seu secretário no banco de trás. — Ele quer muito que você conheça a filha dele.

Khaled suspirou. Estar solteiro aos trinta e seis anos estava se tornando um problema. Sentia que uma corrida pelo prêmio estava se formando ao seu redor. Mas estava decidido a não se casar apenas para cumprir uma etapa na vida. Queria se interessar de verdade pela mulher que fosse se tornar sua companheira na vida. Infelizmente, há muito tempo não conhecia ninguém interessante. A filha de Nader tinha apenas dezessete anos, apesar da beleza, a diferença de idade tornaria a conexão dificil.

Não quero conhecê -la. — Foi claro. Agora o secretário teria de dar um jeito de desiludir o pobre Nader Hasnawi.

Sentiu um leve desapontamento no assistente. Ele também se preocupava com o fato de o príncipe não ter se casado, e que ainda não tinha nenhum filho. O tempo se encarrega de resolver isso , Insha'Allah, não adiantava tentar fazer as coisas acontecerem antes da hora.
Olhou para o banco de trás pelo espelho retrovisor, e viu o rostinho de Maj, um menino de oito anos que estava sentado no meio. Atrás de Khaled estava Aj, pai do menino e um dos melhores amigos do príncipe, e do outro lado Ismaeil, seu secretário. Procurou o celular no bolso da dishdasha branca, e abriu o aplicativo do instagram. Deu uma olhada no feed e se deparou com uma foto de sua sobrinha Fátima. O sorriso da menininha era uma de suas paixões. Curtiu uma foto do pai discursando numa conferência no dia anterior.

O carro seguia rápido pela rodovia enquanto o sol estava se pondo, tornando a paisagem laranja—avermelhada. Estavam fora da cidade, o deserto cercando a estrada, criando um cenário lindo. Decidiu fazer uma selfie com os amigos ali no carro.

Sorriam — falou enquanto posicionava o celular para enquadrar todos.

Aj, Ismaeil e Maj se juntaram no espaço entre os bancos da frente. Said Hilal tentava se concentrar na estrada e sair na foto ao mesmo tempo. A primeira tentativa resultou em muitas risadas, por causa da cara engraçada de Said na foto. O guarda costas se esforçou em olhar para a câmera na segunda tentativa, todos sorriram e Khaled conseguiu a selfie que queria.

Não! Cuidado! — O grito de Maj fez Khaled abaixar o celular em tempo de ver a mulher parada no meio da estrada tentando fazer uma foto do pôr do sol. Said pisou no freio, o príncipe ouvia o barulho dos pneus queimando contra o asfalto. A mulher parecia não perceber o carro. A velocidade estava diminuindo, mas se ela não saísse da frente iriam atingi-la. Em câmera lenta ele viu a mulher se virar com um olhar assustado, segundos antes de ser jogada para frente com o impacto do carro.

O príncipe pulou para fora do veículo e correu em direção ao corpo jogado no canto da pista.

Mantenham Maj longe! Não quero que veja algo ruim — gritou por cima do ombro.

Quando a alcançou, confirmou as suspeitas de que se tratava de uma estrangeira. Ela estava respirando e não havia nenhuma fratura evidente.
Percebeu sangue e areia misturados aos cabelos castanhos. Tinha sofrido um corte na testa. O rosto era delicado e parecia mais que ela estava dormindo.

Um acidente na rodovia al Meydan — ouviu a voz de Ismaeil ligando para a emergência — Uma mulher foi atropelada... Não, ela está inconsciente.

Não parecia ter mais de vinte anos. Mas o que ela fazia ali sozinha? Não havia nenhum veículo estacionado por ali. Também não haviam pessoas ao redor que pudessem estar acompanhando ela. Dubai se orgulhava de ser um lugar seguro para mulheres, mas ainda assim, era preciso ter cuidado. Haviam muitos estrangeiros por ali. Homens árabes nunca permitiriam que uma mulher de sua família andasse sozinha por um lugar deserto como aquele.

Viu uns dois metros adiante uma bolsa jogada na areia. Pediu a Said Hilal que a pegasse. O guarda costas estava muito nervoso, mas Khaled não queria se afastar da jovem. Quando recebeu a bolsa, abriu e procurou por algum documento. Quando o encontrou descobriu que ela se chamava Lynn Isabella Silva Davis. Reconheceu Davis como um sobrenome em inglês, mas não fazia ideia da origem do outro. A aparência dela o havia enganado, na verdade ela tinha 28 anos.

Ficou satisfeito quando ouviu a sirene da viatura médica, que não levou dez minutos para chegar ao local do acidente. Tinham um excelente sistema de saúde, e haviam acabado de testar sua eficiência. A polícia chegou logo em seguida. Gostava de saber que seu país funcionava bem. A garota foi atendida rapidamente. Quando ela foi colocada na ambulância, decidiu ir com ela para o hospital. Said e Ismaeil poderiam conversar com a polícia e prestar os esclarecimentos. Caso fosse preciso ele iria à delegacia depois. Não queria deixar aquela jovem sozinha.

Antes de entrar na ambulância, acenou e sorriu para Maj, que permanecia à distância em companhia do pai.

Enquanto Houver Razões (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora