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Depois de algumas horas, os raios de Sol penetram o meu quarto, o que me faz acordar.
Hoje é domingo e tenho que ir ajudar o meu pai a preparar o almoço. A minha mãe costumava fazer frango assado no forno com ervas aromáticas em alguns dos almoços de domingo, mas agora sou eu e o meu pai que nos encarregamos disso. Ela precisa de descansar, a quimioterapia deixa-a muito fraca e vê-la assim deixa-me sem chão.
 

Ainda tenho algum tempo antes de me juntar ao meu pai na cozinha e decido ir correr por uns minutos. Pego num fato de treino, nas sapatilhas, num elástico para amarrar o cabelo e, claro, nos meus auscultadores. (Os fiéis amigos do momento) Saio de casa a apanhar o cabelo e escolho uma playlist com o nome de "workout" no Spotify.

Começo a correr pelas redondezas da minha casa como já é habitual. Ao passar por uma mata paro para respirar um pouco. Ao olhar por entre a vegetação apercebo-me que existe um caminho de terra que termina perto de uma estrutura branca. Parece-me ser uma tenda. Porém, continuo a correr desta vez de volta a casa.

Quando chego perto do edifício chamado de casa mas não de lar, vou diretamente para a banheira. Passo champô duas vezes pelo cabelo e enxaguo o meu corpo. Depois, hidrato o meu corpo com um creme e volto-me para o espelho. Pego na escova de dentes e lembro-me que ainda nem sequer tomei o pequeno almoço.
Desço as escadas e encontro o meu pai na cozinha. A minha relação com este homem nuca foi muito boa. O meu pai passava muito tempo fora, de dia trabalhava, de noite deixava-me a mim, a minha irmã e a minha mãe sozinhas em casa. Numa noite ouvi a minha mãe gritar com ele e o termo "amante" veio à tona. O meu pai sempre foi um bom homem, eu sei disso, mas nunca o consegui premiar com a frase "és o melhor pai do mundo". Porém o cancro da minha mãe aproximou-nos. Deve de ser a única coisa boa de todo este assombro, mas preferia manter a relação que tinha com ele do que saber que a minha mãe pode estar a morrer aos poucos.
-Bom dia - digo ao passar pela porta.
-Olá filha - responde-me ele com um pequeno sorriso. Apesar de tudo o que ele e a minha mãe passaram, eu sei que ele ainda se importa com ela.
-Dormiste bem?
-Não muito, tive um pesadelo -  confesso e sinto lágrimas ameaçar aparecer nos meus olhos .
-Oh filha...eu sei que tudo isto é muito difícil mas juntos vamos conseguir superar esta coisa. Temos de ser fortes - o meu pai tenta confortar-me enquanto me embala nos seus braços.
-É tão difícil tentar acreditar nisso - respondo entre os soluços do choro.
-Eu sei que sim mas não podemos desistir nem perder a esperança. É como a tua mãe diz. "O universo só atribui as tarefas mais difíceis aos que são capazes de as realizar com a cabeça erguida."

-Mas o quê que se está a passar aqui? Parece que alguém morreu! - a voz suave mas alegre da minha mãe interrompe a nossa bolha. - Vamos lá fazer uns sorrisinhos porque hoje o dia está lindo!

Odeio concordar com a minha mãe, tendo em conta as circunstâncias, mas tenho que admitir que hoje o dia está mesmo agradável. Choveu a semana toda e agora o sol brilha lá fora.
-E se fossemos ao rio? Podíamos comer numa daquelas mesas de pedra e passar a tarde a ver os barcos. Como fazíamos antes.
-Mãe, não sei se é uma boa ideia. Não estás enjoada hoje? Não te dói nada? Não te sentes fraca?- digo mais preocupada do que queria transparecer.
-Oh filha, eu estou mais que bem! Vá, vai ajudar o teu pai a procurar a cesta de piquenique que deve de estar algures pela confusão da garagem.
-Está bem, mas se te começares a sentir mal voltamos logo para casa!
-Sim senhora doutora Matilde Guedes- ela diz enquanto ergue os braços.

Deixo a minha mãe na cozinha e vou ter com o meu pai à garagem. Depois de alguns minutos a tentar encontrar o seu corpo no meio de tantas caixas cobertas de pó, o barulho de algumas ferramentas, que se encontravam numas caixa, denunciam a sua localização.
-Porra... -ele diz.
-Pai, está tudo bem? - pergunto.
-Sim filha, está - ele responde.
-Acho que a cesta está deste lado - aponto para os armários junto da máquina de lavar. Vou até eles e ao abrir uma das portas, lá está ela, a famosa cesta de piquenique que  acompanhou muitas das minhas tardes de infância.
-Pai? Encontrei-a. 
-Ah...- suspira - pois claro que a encontraste. Anda, vamos voltar lá para dentro antes que a tua mãe se lembre que, afinal de contas, quer marcar um safari em África em vez de almoçar no rio!
Rimos os dois às gargalhadas e entramos em casa.

Nas tuas asasOnde histórias criam vida. Descubra agora