11 de Abril de 2019
Dias depois
Água. Muita água. Uma mulher com o corpo curvado e de aparência cansada aparece ao longe. Mas no mesmo instante que olho para a minha mãe o seu corpo começa a afundar. "Não! Por favor mãe não desistas!" Tento chegar até ela mas não consigo alcança-la. Algo me puxa para baixo. Não me deixa mover. A minha mãe não ouve os meus gritos e continua a afundar-se. O seu corpo fica cada vez mais pequeno e desaparece lentamente na escuridão do fundo do oceano. "Mãe! Mãe!"
Dou um salto na cama quando finalmente acordo. Preciso de ar! Preciso de respirar! Preciso de sair deste quarto!
Abro a janela perto da secretária e percebo que ainda é de noite. A brisa da madrugada embate no meu rosto e faz os meus cabelos voar. O céu está apenas iluminado por uma pequena estrela. Fico a olhar para ela. Aquela estrela parece simbolizar a minha alma. Ela está lá, presente no escuro, mas o negro dos céus é tão intenso que parece que nem está lá nada.O tempo passou desde que pela primeira vez, o meu planeta deixou de girar. Que o meu coração passou a ser de pedra, depois de tanto chorar por a poder perder.
As lágrimas não foram brotadas dos seus olhos, mas o negro que os circundava expressava as horas que tinha passado a chorar. "Matilde, a mãe tem cancro da mama..."
Fiquei a olhar fixamente para ela. "O quê mãe..!?...Não, não! Isto?...A nós?.... A ti!? Não é possível. Não! Não!! Eu não consigo! Eu não posso perder-te!". E a partir desses minutos, dentro de mim, só senti tempestades a serem formadas. Os meus olhos nunca mais secaram por entre as noites e por entre os dias. Porém, eu tento não chorar a frente dela. Sei que isto é uma batalha difícil e para a combatermos, temos que ter forças. E quem as combate, precisa de uma fonte de forças, não de fontes de tristeza.
Tem sido muito difícil, e sem dúvida que agora vejo a vida de um modo diferente. Viver tudo isto é duro mas não sou a única pessoa que foi arrastada para a avalanche do cancro. Todas as vezes que passo pelas portas do IPO, sou transportada para outra local na Terra que poucos tem acesso. Pessoas pálidas, carecas, fracas, sem quaisquer forças depois de todas as horas em que ficam sentados com agulhas espetadas nas veias à espera que a quimioterapia, que lhes é inundada pelo corpo, lhes traga um pouco mais de vida. Aqui o dinheiro, a fama, as roupas, e, em suma as futilidades, não importam. Os doentes não pedem por isso. Eles pedem por tempo. Mais tempo para viver. Mais tempo para poder amar mais um pouco. Mais tempo porque ainda lhes faltam tantos sonhos para serem realizados, objetivos para serem compridos, memórias para um dia mais tarde poderem ser recordadas e os medos que tem de ser superados. E todos correm sem força pela vida. Festejam mais um dia e temem que o fim esteja próximo. Crescer é pouco para o que tenho sentido nos últimos meses. Dor é uma palavra demasiado branda para expressar como tenho vivido.
Quando dou por mim, estou a chorar novamente. (o meu rosto não tem conhecido sorrisos ultimamente) Corro para a casa de banho e lavo o rosto. A minha cara traz consigo todos os demónios que tenho carregado nos últimos tempos. A escuridão que contorna os meus olhos já fez em mim casa. Já não sei quem sou. Pareço apenas uma sobra de tudo aquilo que um dia fui.
Saio da casa de banho e volto para a cama. Pego nos auscultadores e enfio-os nos meus ouvidos. O som de Darlingside invade-me a alma. "Hold your head up high" transmite em cada palavra tudo o que eu preciso. Fecho os olhos enquanto a música vai a meio. Ouvir música antes de dormir tem me ajudado a adormecer depois de todas as assombrações voltarem.

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Nas tuas asas
Romansa"Nas tuas asas" somos transportados para o universo de Matilde e de Dinis, que encontraram um no outro a cura para as doenças das suas almas feridas. Porque depois de todas as tempestades, alguns ninhos resistem. Porque o amor acaba sempre por nos e...