O barulho de algo a cair no chão faz-me acordar. Abro os olhos e vejo livros caídos da estante. A porta da casa de banho está aberta e ouço barulhos vindos lá de dentro. Porra! Corro até a divisão e, como já suspeitava, a minha mãe está curvada na sanita a vomitar sem parar.
-Mãe?
-Sai Matilde, sai daqui - ela diz com alguma dificuldade.
-Nem penses mãe! Não vou deixar-te aqui sozinha. Vou esperar que acabe e vai ficar tudo bem - respondo mas o seu vómito interrompe as minhas falas.Mais ou menos cinco minutos depois, a minha mãe já não está a vomitar. Ela tenta levantar-se mas não consegue. Está tonta. Pálida. Branca como mármore. Eu coloco um dos seus braços em volta do meu pescoço e tento leva-la de volta para o sofá. Quando finalmente chegamos ao maldito sofá, sento-a lentamente nele.
-Vou buscar um copo com água.
Dirijo-me à cozinha e tiro um copo do armário. Calma. Calma. Não penses no pior. Ela precisa de ti agora. Afasto todos os pensamentos cruéis e concentro-me em tentar fazer com que a minha mãe se sinta melhor. Encho o copo com água e volto para a sala.
Ela está com os olhos fechados e com uma mão na testa. A boca está entreaberta e a sua pele continua pálida. Eu sabia que ela não devia de ter comido pizza ontem à noite. Não é aconselhável para quem faz quimioterapia. Merda! Eu devia de a ter impedido, o que tinha na cabeça?
Entrego-lhe o copo com água mas as suas mãos não têm forças para o agarrar. Volto à cozinha e pego numa palheta de plástico. Coloco-a no copo e aproximo-a dos seus lábios. Ela bebe lentamente. Será esta a sessão de sentir o mundo a desabar?
Segundos depois ela abana a cabeça, demonstrando que não quer mais. Pouso o copo em cima da mesa de vidro e olho para a minha mãe? Como é que tiveram a ousadia e coragem de a transformar nisto que vejo? Como conseguirem sugar-lhe quase todos os pingos de vida?
-Eu estou bem Mi. Não fiques assim. Isto já passa.- ela diz depois de alguns minutos que mais parecem horas.
-Não fales mãe, descansa.- é tudo o que lhe consigo dizer. Coloco uma almofada atrás das suas costas com o objetivo de a fazer sentir melhor.
Ela aconchega-se nelas e fecha os olhos.
Sento-me perto dela e espero que adormeça.Quando ouço a sua respiração mais lenta lágrimas enchem os meus olhos. Não quero que ela acorde com os meus soluços. Subo até ao meu quarto. Fecho a porta e sento-me no chão de um canto.
Como é que podes ser tão cruel universo? Como é que me consegues torturar cada dia mais que o outro? Quando é que te vais lembrar que eu não vim ao mundo só para sofrer? Vais acabar com isto ou vou ser eu que vou ter que acabar com toda a dor?
Choro durante toda a madrugada e lanço mais e mais perguntas a tudo o que se chama karma, universo, e a tudo que me faz sentir como se estivesse dentro de um furacão. Começo a achar que a felicidade não foi feita para em mim morar.Sentada no chão do meu quarto, com os joelhos juntos do peito, com os meus braços a envolve-los, com a minha cabeça repousada neles, com as lágrimas a escorrer por todo o meu corpo, com todos os soluços, com toda a tristeza, com toda a revolta e com a alma presa nas trevas, fecho os olhos que já estão cansados demais para encarar a vida.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Nas tuas asas
Romance"Nas tuas asas" somos transportados para o universo de Matilde e de Dinis, que encontraram um no outro a cura para as doenças das suas almas feridas. Porque depois de todas as tempestades, alguns ninhos resistem. Porque o amor acaba sempre por nos e...