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Quando saí da casa de banho, já estava mais calma, mas ainda tinha a certeza que odiava aquele ser humano com todas as partes do meu corpo. Ou então apenas com algumas delas. "É só por mais algumas horas" era o que eu dizia a mim mesma enquanto passava pelo corredor novamente, mas desta vez em direção à sala de jantar.

Quando lá cheguei, todos já estavam sentados, provavelmente à minha espera. 

-Matilde, querida, podes sentar-te aí. Junto da tua mãe. - disse Bárbara ao ver-me chegar. 

Sento-me e encontro Dinis à minha frente. Ótimo. Quando é que esta noite vai acabar? Ele também olha para mim e desvia o olhar. Sem qualquer reação. Eu juro que não o percebo. Num minuto está a provocar-me e no outro já está de mau humor. Pois bem Dinis olha, eu é que estou de mau humor! Eu sim, é que tenho razões para isso! 

Depois do jantar ter sido servido, os meus pais foram conversado com Bárbara e Fernando, enquanto eu evitava olhar Dinis e ele tentava esquecer que eu lá estava. Tínhamos todos acabado de jantar quando se fez um silêncio.

-Dinis, porquê que não vais mostrar à Matilde os jardins? - disse o seu pai.

Nesse momento estava a beber água e entalei-me com o pedido de Fernando. 

-Então filha? Estás bem? - perguntou a minha mãe enquanto me passava uma mão pelas costas.

-Sim mãe... não foi nada...- disse enquanto me recompunha. Ao olhar para cima, em busca de um pouco mais de ar, Dinis estava a olhar para mim com os olhos arregalados. Preocupado até?.. Sim claro Matilde, se ele se preocupasse contigo, não teria feito o que fez a uma hora atrás. Ele levantou-se apressadamente e veio ter comigo. (Bem, por esta não estava à espera)

-Estás bem? - perguntou-me ainda com os olhos arregalados.

-Sim...sou só eu a ser desajeitada. - respondi com essa desculpa, mas com vontade de o mandar à merda, só não mandei porque tinha muito público. 

-Anda. - ele disse enquanto esperava que me levantasse.

-Onde? - perguntei.

-Não me pediram para te mostrar os jardins? Então é isso que vou fazer.

Levantei-me e segui-o para uma porta de vidro que dava acesso aos jardins. Ele abriu-a e deixou-me passar. Olhei para ele e revirei os olhos.

-O quê que foi?

-O quê que foi?? -gritei- Ainda perguntas?

-O quê? Não me digas que estás chateada por não te ter levado para a cama? - disse ele com um sorriso.

-Eu juro que não te percebo! O quê que queres de mim?

Ele olhou para o chão por uns minutos. Depois, dirigiu-se para um baloiço de madeira com luzes e eras à volta e sentou-se. Eu fui ter com ele. 

-Não respondeste à minha pergunta.- disse.

-O quê que queres que te diga? Que te quero levar para a cama e fazer coisas contigo que nem sequer te passam pela cabeça? Tu não estás preparada para isso. Posso sentir uma virgem ao longe. E sei que tu o és. Por muito que te deseje, sei que não sou feito para ti, nem tu tens a capacidade de me dar tudo o que preciso.

Fiquei a olhar para ele. Perplexa. Sem nada dizer. Imóvel.

-Deveríamos de voltar para dentro. Vai começar a chover - Dinis disse depois de algum tempo.

Como não respondi, ele tocou-me no braço. No mesmo momento, retirei-o da sua mão como se tivesse levado um choque.

-Não me toques. Nunca mais me toques. Não tens esse direito. 

Virei-lhe as costas e voltei para dentro de casa. Os meus olhos pediam para chorar, mas eu tentava empurrar as lágrimas para dentro com todas as forças que já não tinha. 

-Mi, está tudo bem? - disse o meu pai assim que me viu ficar parada por uns momentos em frente da porta da sala de estar, onde todos estavam à exeção de mim e Dinis, mas que não notaram a minha presença.

-Sim pai... só...só estou cansada e amanhã tenho aulas. 

-Tudo bem filha, a tua mãe e eu também já estamos a ficar cansados, é melhor ir embora - virou-se para Bárbara e para Fernando - muito obrigado pelo convite mas acho que está a ficar na nossa hora. O jantar estava delicioso, e a companhia foi incrível. Obrigado por tudo.

Depois de todas as despedidas, o meu pai finamente arrancou com o carro em direção a casa. A chuva começou a cair, e a minha também. Como é que ele pode dizer-me aquilo? Ele não me conhece. Não sabe o que passei. O quanto batalhei para estar onde estou agora. O quanto ainda luto todos os dias para me transformar num pouco mais inteira depois de o Pedro me ter deixado em pedaços. Prometi que nunca mais me abriria a ninguém, que iria construir um escudo tão forte que não permitiria ninguém entrar, que nunca deixaria que mais nenhum rapaz me quebrasse. E ainda assim, a vida transforma-se numa filha da puta que nos prende na mente alguém que nós pensamos que poderia ser tudo, mas que na verdade transforma o nosso tudo a cinzas. Mesmo que o discurso de Dinis tenha sido construído por poucas palavras, cada uma delas espetou-se em mim com se fossem pequenos pedaços de vidro. 

Porquê que tinhas de ser tão cruel para mim vida? 

Nas tuas asasOnde histórias criam vida. Descubra agora