Depois de um bom tempo no duche e de me vestir, coloquei um pouco de máscara de pestanas para dar um pouco mas de vida a minha cara.
Desci as escadas e fui preparar o meu almoço. Os meus pais já tinham almoçado uma sopa que adoram, mas que eu detesto. Não percebo como é que um prato cheio de couves, batatas, feijões e muitas outras coisas, podem dar origem a uma refeição saborosa. Na minha cabeça isso não dá!
À uns tempos para cá, decidi que queria comer mais vezes refeições nutritivas e saudáveis, por isso, tiro uma alface do frigorífico, que já está preparada para a salada, um tomate e massa que o meu pai tinha preparado. Pego, ainda, em atum, cogumelos e cenoura. Misturo tudo dentro de uma taça e adiciono molho de iogurte. Eu sei, eu sei, que o molho de iogurte estraga um pouco esta "refeição saudável" mas comer esta salada sem nada, é como comer erva sem tempero.
Depois de comer, vou lavar os dentes e dou um toque final no meu cabelo, que tal como sempre, não colabora comigo. Desisto de ti.
-Pai, estou a tua espera no carro - grito ao abrir a porta da frente.
-Matilde, ele já está no carro há pelo menos quinze minutos - a minha mãe diz do sofá.
-Merda...-digo baixinho.
-O quê Mi? - a minha mãe pergunta.
-Nada mãe, nada! Até logo, gosto muito de ti.
-Tem um bom dia querida.Quando chego ao carro do meu pai percebo que ele não está com uma cara simpática. Culpa minha, certamente.
-Desculpa pai, desculpa.
-Ai Matilde! És sempre a mesma.
-Posso por a música eu hoje?- digo num meio sorriso.
-Estás muito feliz hoje, gosto de te ver assim.
-Nada disso, apenas correr de manhã fez-me bem - respondo enquanto conecto o meu telemóvel com o rádio. Escolho a "Us" do James Bay e aprecio a paisagem pela janela do carro. A chuva voltou, e o céu está escuro. As árvores balançam ao "som" do vento que lhes lança música pela ação do ar. Consigo ver o rapaz desta manhã a caminhar no passeio. Só posso estar doida. Agora também tenho visões dele? Abano a cabeça. Mas a silhueta do seu corpo não desaparece e continua a percorrer a rua. Ele está com os auscultadores nos ouvidos, com um casaco preto, cujo capucho está encarregue de cobrir a sua cabeça, as suas mãos descansam nos bolsos e carrega uma mochila consigo.
-Olha, está ali o Dinis- diz o meu pai.
-Quem?- pergunto incrédula.
-O Dinis, o filho do senhor Fernando.
-S. Fernando? Quem é que é esse homem?
-O S. Fernando é o novo sócio da loja. Já te tinha falado dele.
-Desculpa pai, devia de estar com a cabeça noutro lado. Enquanto lhe digo isto, o meu pai vai diminuindo a velocidade do carro e vai aproximando-se do desconhecido desta manhã que pelos vistos se chama Dinis e é filho do novo sócio do meu pai. Fantástico.-O quê que estás a fazer pai? - pergunto assustada.
-Ora essa, vou lhe dar boleia. É o filho do meu sócio! O nosso carro para perto dele. Depois de abrir o meu vidro o meu pai fala com ele.
-Então rapaz o quê que estás aqui a fazer?
-Oh... Olá S. Daniel. Vou agora ter com o meu pai a loja.
-Então anda, eu levo-te. Também vou para lá, só ia levar esta princesa há escola primeiro.
Nesse momento o Dinis olha para mim e eu para ele. O olhar dele é intenso. Indecifrável. E eu odeio isso.
-Dinis, esta é a minha filha Matilde.
-Para de me tratar como uma criança! - digo enquanto olho para o meu pai. Quanto volto a olhar envergonhada para o Dinis ele acena-me com a cabeça. Com certeza deve de me achar uma pita qualquer que não sabe nada da vida. Provavelmente porque somos diferentes. Bastante diferentes. Ele deve de ser daqueles que todas a semana muda de rapariga para passar as noites. E eu, nunca passei nenhuma noite com ninguém. Não porque não quisesse, mas porque o universo nunca me deixou. Quando falava com as pessoas a dizer que estava farta de estar sozinha, que queria viver um amor, elas diziam que tinha que esperar. Que cada pessoa corresponde a uma outra pessoa e que no fim, todos temos um complemento. Só saia merda mesmo da boca dessas pessoas. Eu bem que tentei. Apaixonei-me. Perdidamente. Amei loucamente. Fiquei completamente perdida no amor. Como se ele fosse droga e eu uma toxicodependente. Mais que uma vez. Mas não foi recíproco. E como eles dizem "são precisos dois lados para se construir uma ponte". Então comecei a achar que talvez fosse a minha culpa. Talvez, eu seja demasiado "pesada", romântica, sentimental. Em suma, sou uma pessoa demasiado fodida para ser amada. Era o que eles diziam. Porque segundo eles, já ninguém sabe amar nessas doses. Já ninguém quer percorrer maratonas para ver quem ama. Se uma dá trabalho, existem muitas outras na fila à espera. E o triste desta sociedade em que vivo é que já ninguém ama, já ninguém vê o sexo como um ato muito pessoal, especial e que nos marca para o resto da vida. Já não se ama. Come-se. Já não se faz amor. Come-se. Já ninguém vive um primeiro amor. Vive um primeiro come-se.-Então rapaz, não vais entrar? - o meu pai pergunta.
Dinis entra no carro e o meu pai prossegue a viagem. Durante todo o caminho senti-me inquieta. Nervosa. O meu pai e Dinis foram trocando algumas palavras que eu fui ouvindo atentamente mas sem intervir.Quando chegamos à escola, o meu pai pára o carro perto do portão principal.
-Até logo filha, tem um bom dia.
-Até logo pai - digo enquanto lhe dou um beijo de despedida.
-Boas aulas Matilde - ouço a voz de Dinis enquanto abro a porta do carro.
-Um...obrigada... - digo um bocado constrangida. Odeio que ele me deixe assim!Assim que chego, vejo a Carolina do outro lado da rua. Sorrio para ela, e ela abre um sorriso ainda maior do que tinha antes de os meus olhos encontrarem os dela. Gostava de ser como ela. Não molda a sua vida por alguém, não se entrega a ninguém, foca-se apenas em si e no seu futuro. Pena que eu tenho a minha mente tão fodida que necessito sempre de ter alguém que me prometa amor e amar. Não sei ser só um corpo. Sinto que parte de mim está perdida algures, e eu só vou ser completa quando a encontrar.
-Ei, Matilde! - ouço a voz da Lília, que se encontra atrás de mim - Bom dia!
Nesse momento, a Carolina alcança-nos e ficamos as três parada em frente ao portão.
-Olá gaja! - a Carolina diz enquanto passa um dos braços pelo meu corpo, numa espécie de abraço.
-Olá - digo.
-Olá para ti também! - interrompe Lília.
-Desculpa lá sim. Recomeçando, olá namorada do Luís!
Eu e a Carolina damos tantas gargalhadas naquele momento com a cara de Lília. É bom sentir isto.
A Lília contou me à umas semanas todos os pormenores de como Luís a pedira em namoro. Ela estava ansiosa por esse momento. Ficou à espera dele assim que viu um cabelo loiro e uns olhos castanhos entrar pela primeira vez na aula de Biologia e sem se aperceber, também no seu coração. Lília não é uma rapariga que ame qualquer um, ela apenas namora e espera que se fartem da sua companhia. Está habituada a que assim seja. Nunca ninguém tivera a força e a coragem de a prender nos seus braços, de lhe prometer finais felizes. Tal como eu, ela sabe o que é viver num lar em ruínas. Onde a tristeza toma o lugar da felicidade. Por motivos diferentes fomos obrigadas a crescer rápido demais. Mas nunca vi a Lília deste modo. Tão apaixonada, tão entregue a algo como é agora. Deixou algumas memórias entregues ao passado e agora finalmente encontrou o amor que pensou que nunca existisse. Transformou-se por ele. Pena que o amor que sentimos por alguém às vezes não chega para transformar o quebrado em sólido.
- Vou fazer de conta que não ouvi isto! - a apaixonada diz entre as nossas gargalhadas.
-Eu desisto de vocês a sério - diz a Lília enquanto tenta esconder um sorriso.
Simão, o rapaz mais carinhoso e humilde que conheço, e, que acaso é o meu melhor amigo, aparece por entre as nossas gargalhadas.
-Olá, bom dia - diz educadamente.
-Olá - respondo enquanto sorrio.
-Desculpa não te ter respondido, só vi a mensagem agora de manhã. O meu primo esteve lá em casa e quis que fosse jogar Xbox com ele, e...
-Calma Simão! Está tudo bem não precisas de te justificar. Eu nem acabei por os fazer. Tive um fim de semana muito ocupado e agitado.
-Espero que a matéria não seja sempre assim agora. É uma seca! - ele diz depois de algum tempo para tentar mudar de assunto. Não preciso de dizer o que se passou. Ele já sabe sem uma única palavra.
-Maldita sejas trigonometria - digo enquanto sorrimos um para o outro.
O som da campainha interrompe-nos e como era de esperar a professora de matemática já é a primeira de todas na fila para entrar pela porta do edifício.
Faço uma careta para Lília e ela retribui.
Entramos na sala e sinto lentamente o aborrecimento a chegar. Eu gostava de matemática, quando a percebia. Na verdade, com tudo o que tem acontecido com a minha mãe, não consigo acompanhar tão bem a matéria como dantes. As minhas notas desceram e a entrada na faculdade pode estar em risco. Mas sinceramente não quero saber nada disso? Para quê pensar no futuro, se a minha mãe pode já não fazer parte dele?
Tiro os meus livros e sento-me na minha cadeira ao lado de Lília.
-Arrr! - ouço-a dizer.
-O que se passa?
-Esqueci-me de pedir à minha mãe para me assinar o teste outra vez. Já estou a sentir a falta que vou levar desta mulher irritante.
Sorrio-lhe e abano a cabeça.
-O que foi? - ela questiona abanando as mãos no ar.
-Nada.
-Matilde!! - ela grita.
-Silêncio! - grita a velha.
-Desculpe professora - diz Lília mas eu sei que neste momento está mandar a mulher à merda interiormente.
-Matilde? - chama por mim agora num tom mais baixo.
-Se não estivesses tão distraída ultimamente, não te esquecias de pedir a tua mãe para te assinar o teste pela terceira vez.
"Se tivesse tirado um dezassete como a Carolina em vez de um cinco virgula seis eu até lhe dava de prenda de Natal para assinar".
-És incrível - tento esconder o meu sorriso da professora Júlia.
-Não, tu é que és horrível! Quem é que tira um dezassete a matemática A no décimo segundo ano? Pois, ninguém. A Carolina é uma exceção.Depois de cinquenta minutos, que mais parecem cinco horas, a aula acaba.
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Nas tuas asas
Romance"Nas tuas asas" somos transportados para o universo de Matilde e de Dinis, que encontraram um no outro a cura para as doenças das suas almas feridas. Porque depois de todas as tempestades, alguns ninhos resistem. Porque o amor acaba sempre por nos e...