A visão do espelho

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Já não me canso de olhar. Os espelhos refletem cores turvas e desbotadas, que chegam rasgando o fitar de olhos cansados e estufados. A luz briga e afaga, cegando por meio de queimaduras profundas, como garras ferozes ao estraçalhar a decadência de uma lebre vivente. Então sempre sente, uma dor inexplicável de fora para dentro, descendo aos confins do interior já ferido e não curado, que já não segue os passos apressados ditados por um destino que só vai e não volta.

E segue dizendo a mim que é pouco, nunca é suficiente. Você faz e não satisfaz. Corra mais, pule mais, ganhe mais, seja forte, bata e não se deixe abater. E assim a sanguessuga segue sugando cada gota do que um dia eu já fui, pegando uma taça ao entardecer, um calor para acalentar e um som para tilintar, enquanto o corpo rui. Máquina que anda, fala, sente, mas não vive. Soro que cura, enche, limpa, mas sempre acaba. Dia que clareia, expande, esquenta, mas passa. Pessoa que vive, sorri, desmonta, apanha, chora, sofre, ama e não é amado, respeita e não é respeitado, se perde, desiste e no final... Morre.

Palavras de um coração perdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora