Capítulo Quatro - Perguntas

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        Emma faltou o dia seguinte no trabalho, o depois desse também. Faltaria no próximo mas seu gerente advertiu-a de que, se ela faltasse de novo, seria mandada para rua. Provavelmente não era verdade, não eram muitas pessoas que se ofereciam para trabalhar na Starbucks. Grande parte do povo da cidade baixa estava ganhando a vida roubando dos outros ou roubando daqueles que roubam dos outros, o que normalmente resultava em guerra de gangues. As ruas ficavam desertas nesses dias.

        A garota ainda estava traumatizada com acontecimento de algumas noites atrás, ela trabalhava com a mente distraída, tentando não pensar nos rapazes ensanguentados. Será que eles morreram? Eu fiz aquilo?

        As coisas estranhas não paravam de acontecer, ao contrário, estavam cada vez piores. Na volta para casa, Emma passava próximo ao lugar onde o rapaz loiro tinha roubado sua bolsa e as luzes simplesmente se apagavam. Uma frigideira cheia de óleo borbulhante virou contra a garota, mas de algum modo, era óleo frio quando caiu sobre ela. Emma não sabia se devia contar a irmã sobre os acontecimentos, não queria preocupa-la, muito menos, assustar a pequena.

        Em uma quarta-feira, uma semana depois do assalto, dois policiais foram até a cafeteria atrás de Emma. Ela não esperava por isso, dificilmente algum crime chamava a atenção dos tiras para a zona baixa. Os dois homens, um negro de meia idade e um rapaz encorpado, a esperavam na entrada do café.

        - Emily Grace Stewart? – perguntou o homem mais velho.

        - Sim? – Emma retirou seu avental. O policial vestia um sobretudo bege escuro e gotículas de água brilhavam em seu cabelo curto e sobre o tecido de sua roupa.

        - Nós precisamos lhe fazer algumas perguntas acerca de um homicídio na última quarta-feira. Testemunhas disseram ter lhe visto perto do local onde ocorreu o crime. Poderia nos acompanhar até a delegacia?

        Emma receou por um momento. E se eu for a culpada pela morte dos rapazes?

        - Eu... – ela hesitou por um instante – tenho uma irmã menor me esperando em casa...

        O rapaz abriu a porta da viatura para Emma.

        - Já providenciamos isso. Temos uma viatura em frente a sua moradia. – Ele deu espaço para ela entrar no veículo – Por favor?

         A delegacia ficava em uma das poucas construções antigas de Ohio. Ela datava de, aproximadamente, 2016, quando os policiais americanos começaram a imigrar para a China. Lá dentro, haviam poucos policiais, e a maioria descansava os pés sobre suas mesas e a cabeça sobre o encosto de suas cadeiras. Emma reparou que os computadores dali eram antigos, tinham monitores de LED e teclados físicos, assim como todo o resto do equipamento. Aqueles policiais não trabalhavam de verdade a havia muito tempo. Os homens levaram a garota para uma sala de interrogação e mandaram-na esperar ali.

        Alguns minutos depois, o homem negro de meia idade entrou na sala junto do rapaz de cabelos castanhos que, aparentemente, era seu assistente estagiário.

        - O detetive que deveria fazer essa interrogação não vai poder vir para a delegacia tão cedo – começou o homem ligando uma câmera antiga sobre um tripé mais antigo ainda – por isso, eu mesmo farei as perguntas. – Ele sentou-se sobre uma cadeira a frente de Emma. – Detetive Chris Nolan. Aquele ali – o rapaz estava encostado próximo a porta pela qual eles entraram –  é o meu assistente, Cole Jordan. Antes de começarmos, gostaria de chamar alguém em sua defesa?

        Emma negou com a cabeça.

        - Foi o que imaginei. Então, Srta. Stewart...

        - Emma, por favor.

        - Como quiser, Emma. Na última quarta-feira, próximo a sua moradia, ocorreu o roubo da bolsa de uma adolescente de cabelos negros e, segundo a testemunha, bagunçados. Essa garota era você?

        - Sim, senhor.

        - Nós encontramos em um beco o corpo de um garoto loiro sobre um latão de lixo e outros dois sob custódia no hospital com ferimentos graves. – Ele lançou algumas fotos para Emma. A garota repudiou as imagens. - Esses dois garotos afirmaram que você estava lá momentos antes de algo – ele fez sinal de aspas com as mãos – ‘’ lança-los’’ contra as paredes do beco. Você afirma que estava lá e que os rapazes foram lançados contra as paredes?

        A lâmpada que iluminava a sala piscou freneticamente.

        - Sim – Emma hesitou – senhor.

        Cole checou a câmera e deu uns tapas nela.

        - Está desligada, senhor.

        Nolan levantou-se afim de ver o que acontecera com o aparelho.

        - Vamos continuar assim mesmo... – disse. – Minha mulher comprou vinho tinto e fez um jantar maravilhoso. Não tenho a noite toda, Jordan. – Ele sentou-se novamente – Você poderia nos descrever o que você se lembra daquela noite, Emma? – O detetive retirou um pequeno gravador de áudio de seu sobretudo e pressionou o botão de gravação.

        A garota levou um tempo para organizar as memórias em sua mente. E se fui mesmo eu? Eu serei presa! Droga. Eles saberão se eu estiver mentindo.

        - Eu... – a lâmpada voltou a falhar – eu estava voltando do trabalho quando o garoto esbarrou em mim e fez minha bolsa cair. Depois disso... – ela pausou para formular uma frase – ele pegou-a e saiu correndo. Eu corri atrás dele até a gente chegar naquele beco... – a mesa a qual Emma descansava suas mãos tremeu por alguns instantes – o menino disse que devolveria minha bolsa, mas vieram os outros dois e me jogaram no chão – Emma começou a chorar e não falou mais nada por alguns minutos.

        - Tudo bem, Emily. Pode continuar, nada disso será exposto publicamente, ok? – disse o detetive.

        Ela limpou seu rosto e continuou:

        - Eles começaram a me agredir – a mesa tremia levemente – e então um deles tirou sua calça, foi quando eu fechei os olhos e gritei e então – a lâmpada sobre eles estourou deixando-os no escuro – quando abri-os novamente, eles estavam longe de mim. – Emma colocou as mãos sobre seu rosto. – Eu sei que parece invenção, mas foi exatamente isso que aconteceu, eu juro!

        Os dois homens olhavam-na em dúvida – ou talvez tentavam enxergar alguma coisa naquela escuridão. Eles precisam urgente de uma atualização de equipamentos por aqui.

        - Acalme-se, Emma. Curiosamente, os rapazes descreveram quase a mesma coisa, com a exceção de que eles acrescentaram que foram ‘’ arremessados’’ contra as paredes.

        O celular do detetive tocou.

        - Detetive Nolan. – Atendeu – Sim. Não, ela está aqui ainda. Sim. Ah... Está bem, estou indo agora mesmo. – Ele desligou o telefone – É, Cole... Parece que minha mulher não vai ter seu jantar hoje. Emma, você pode ir hoje, contatamos você amanhã, tudo bem?

        Ela se sentiu aliviada por não quer que falar mais nada. Sentia que seu corpo fosse explodir se continuasse se lembrando do corpo morto do garoto loiro que roubara sua bolsa.

        - Claro, detetive.

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