Jon

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Um covarde pode ser tão bravo como qualquer homem quando não há nada a temer. E todos cumprimos o nosso dever quando ele não tem um preço. Como parece fácil então seguir o caminho da honra. Mas, cedo ou tarde, na vida de todos os homens chega um dia em que não é fácil, um dia em que ele tem de escolher.
(Maester Aemon - Jon, A guerra dos Tronos)

     Os olhos dele eram azuis, quase brancos e exibiam o tenebroso presságio da realidade que se aproximava a cada minuto deixado para trás. Aquele azul parecia humano, pelo menos. Faltava um pouco de cor para que  parecessem doentios como os olhos de um Vagante Branco, mas ainda assim perturbaram a frágil camada que era paz de Jon, como se a qualquer momento o homem morto, a sua frente, fosse piscar seus olhos estranhos e começar a se contorcer.

    A boca dele estava aberta, metade do rosto tinha sido cortado deixando a mandíbula solta até a orelha, o sangue tinha se coagulado ao redor e uma punção esverdeada e fedorenta inchou-se por cima. A punção significava que ele tinha estado vivo, por horas sofrendo antes de morrer definitivamente.

    Quando Catto estendeu o manto escuro sobre o chão, Jon enrolou o corpo do homem sobre ele. Não gostava da imagem, mas sabia que tinha que olhar para que o homem tivesse paz. Essa era a crença dos antigos deuses, embora soubesse que no pós a morte só havia escuridão.

    Os dois carregaram o corpo para a carroça onde uma pilha com outros incontáveis homens se aglomeravam. Não cabia mais nenhum e o cheiro de carne podre era insuportável, moscas rodeavam o ar ao redor deles. Jon podia sentir as patas molhadas dos insetos tocando o seu rosto e deixando pequenos pontos de sangue no local. Zoro jogou uma lona sobre a carroça e pulou para fora fazendo sinal para que Castel a levasse.

    — Era o último desta parte da cidade. Ainda tem mais corpos lá em cima — ele apontava para a colina de Rhaenys, onde ficava o Fosso dos Dragões.

    Estavam em frente a muralha da cidade, parte dela estava destroçada, partes enegrecidas, queimadas como braza. Não demoraram muito para que recolhessem todos os corpos. Daenerys tinha concentrado quase todo o seu exército nessa missão assim que a manhã se fez presente. Jon sentia-se fatigado. Pouco dormira a noite, tinha ajudado Tyrion na repartição das rações e corrido atrás de Daenerys a noite. Se não fosse por Rhaegal talvez sequer a tivesse encontrado.

    — Devemos ir até lá? — foi Catto quem perguntou a Jon.

    — Não. Reúna todos e voltem para a Fortaleza Vermelha. A Rainha encarregou Theon Greyjoy da outra parte da cidade.

    — E você?

    Jon olhou para cima como se respondesse e Catto seguiu o olhar dele em direção ao céu, exatamente onde Rhaegal se aproximava debatendo suas asas verdes contra o vento e rugindo feito uma gralha. Não era intenção de Jon chamá-lo, mas acontecia com frequência ultimamente. Quando pensava no Dragão, ele aparecia de repente como se tivesse sido invocado.

    No início, Viserion o seguia, com o passar do tempo então passou a vir sozinho. Agitando as asas pelo ar e rugindo como se para anunciar sua presença. Era um rugido diferente, fraco e agudo como um corvo, ou uma gralha. A segunda opção era a mais provável.

    Rhaegal jogou-se sobre o chão. A poeira acumulou-se ao redor dos homens diante da força provocada pelo atrito das garras dele com o chão. Aos poucos aproximou-se de Jon, andando desengonçado por causa do tamanho e do peso do corpo sobre as pernas magras. Movia a cabeça para o lado lentamente e abria a enorme boca algumas vezes soltando um rugido fino como um sussurro. Jon quase podia falar com ele, e se perguntou se Daenerys podia entendê-lo também.

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