Daenerys

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A luz da meia-lua transformou o cabelo loiro-mel de Val em prata-claro e deixou seu rosto tão branco quanto a neve. Ela respirou profundamente: – O ar tem gosto doce. (Jon; A Dança dos Dragões, pág 441)

    Os Dothraki chegaram primeiro. Estavam enfileirados um atrás do outro, montados sobre seus cavalos ferozes de pêlo marrom escuro. Parecia um exército civilizado após  algumas tentativas mal sucedidas de discipliná-los para que não estuprassem ou saqueassem as vilas por todo caminho até a Fortaleza Vermelha. Eles tinham se comportado bem, no entanto. Os Imaculados estavam enfileirados ao lado oposto deles, mas eram poucos, a maioria guarnecia a escadaria do castelo com suas convencionais armaduras de couro, escudo e lanças nas mãos. Por causa do frio, usavam o gibão acolchoado por baixo da armadura e luvas de couro escuro, assim como as luva de Jon… Não, ela não queria pensar nele. Não naquele instante. Se pudesse talvez nunca, ainda que seu íntimo gritasse que seria impossível não fazê-lo.

    Viu a quantidade exorbitante de pessoas comuns reunidas entre os seus exércitos, somente com os Segundos Filhos entre eles, os separando, em um cerco humano, a visão a faz esquecer Jon. As pessoas estavam quietas, pareciam acuadas, mesmo quando Drogon se aproximou, eles apenas olharam para cima, sem ruídos de medo ou excitação.

    Dany sentiu os pés formigarem e erigerecem; o coração quase saltou pela boca quando, subitamente. Drogon desceu entre eles, sem o seu consentimento. Ele firmou-se no chão, onde havia uma menor concentração de pessoas e virou o dorso para que ela escorregasse. Foi jogada de lado, cercada por centenas de olhos desconfiados, e o dragão, que ela chamava de seu filho, abandonou-a. Bateu suas asas e sem sequer olhá-la uma segunda vez, voou até desaparecer por trás das muralhas cinzentas que agora tinham metade do seu tamanho original. Havia uma tensão inusitada no ar, porém. Uma sensação indescritível ao estar entre iguais.

    Eles não abraçaram ou gritaram seu nome, também não a ignoraram ou tentaram feri-la. Abriram caminho para que ela passasse, e em seus olhos Daenerys não pôde ver nada além de curiosidade e insegurança. Eles não tem medo seus lábios formaram a sombra de um sorriso quando a constatação a atingiu.

    Pôde ver as cinzas se mesclarem ao vento, como uma chuva de neve, quase tudo estava coberto de branco e resquícios de ferro retorcidos das balistas queimadas. Então ela começou a andar sozinha, sem a proteção de soldados ou de seus dragões.

    Fez questão de olhar para o rosto de cada um por quem passava. Viu um velho enrugado de olhos tristes ao lado uma mulher de roupa vermelha e lenço pardo que escondeu o rosto ao vê-la se aproximar. Viu uma mãe balançando uma criança em seu colo que berrava, magricela, quase sem roupas para vestir. Viu também crianças menores, algumas com olhar inocente e outras, para a sua surpresa, nem tanto. Pessoas que se pareciam com ela, a cor da pele ou a cor dos olhos. Algumas que eram completamente diferentes, a cor dos cabelos a cor da pele e a cor dos olhos, e mesmo assim reconhecia a si mesma em todos eles. Até em um homem cujo o tom de pele era mestiço, dourado, um pouco branco, um pouco marrom, como só tinha visto em Essos. Havia algo no olhar deles que soava-lhe familiar e inquietante.

    Não familiar como Viserys, era mais que isso. Ela não seguia colocar em palavras. Viserys era seu irmão. Indiscutivelmente sua família. Aquelas pessoas eram o seu povo. Parte de sua existência. Parte da Dinastia Targaryen. Tudo o que havia restado dela, para que ela protegesse. Se perguntou se alguma vez, algum governante de Westeros sentira tamanha emoção ou empatia por eles. E duvidou tivesse havido algum nos últimos cem anos, pelo menos. Talvez a emoção de estar no topo do poder acima da cabeça de sete lordes arrogantes, ou a emoção de calar as pessoas com ameaças. Mas não a emoção que ela sentia com o simples pensamento de poder melhorar a vida daqueles que estavam ao seu redor, como àquela mãe cujo filho não parava de chorar de fome.

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