08 - Segredos

202 18 11
                                    


Uma mulher de pele avermelhada mexia em algumas panelas no fogão um pouco apressada, parecia estar sempre correndo. A mulher abaixa-se com um pouco de dificuldade para olhar o conteúdo de uma imensa travessa de algo que já exalava aroma por toda a cozinha da mansão vazia.


Ela protegeu as mãos com um pano de prato e abriu a porta do forno abanando um pouco de vapor que vinha ao seu rosto. Foi quando ouviu o barulho da porta se fechar com força e passos secos ecoarem na sala da casa.

A mulher, então, jogou o pano de prato e retirou o avental já sujo do corpo lançando-o sobre o balcão negro e lustroso da cozinha. Ela correu em direção à sala com seus passos pequenos e travados, mas agoniados.

ㅡ Doutor Frâncio? Ah, é o senhor! ㅡ Ela pareceu respirar aliviada passando a mão no rosto.

ㅡ Jandira, onde é que está Karina? ㅡ O homem ignorou qualquer outra palavra da mulher e proferiu objetivamente com ar preocupado e irritado, as sobrancelhas cerradas e gotas de suor descendo pela sua testa.

Ele jogou a pasta de couro marrom sobre a mesa e puxou a grande cadeira de madeira sentando-se com pesar.

A mulher fez cara de surpresa e olhou para o homem que ainda estava com o mesmo terno que vestira naquela manhā.

ㅡ Não vi, não senhor! Mas deve de tá lá em cima doutor Frâncio, o senhor não olhou não? ㅡ Ela falou tentando reduzir a preocupação do velho.

ㅡ Já olhei lá em cima, já fui no quintal... ㅡEle disse um pouco irritado.

ㅡ E ligar? O senhor já tentou ligar pro telefone dela? ㅡ Continou a mulher um pouco agoniada.

ㅡ Já liguei pra ela mas nem sinal! ㅡ Ela disse batendo os dedos magros na pedra da mesa.

ㅡ Adolescente é assim mesmo, doutor Frâncio! Vai ver que o celular descarregou! Ela disse ainda tentando passar calma ao outro.

ㅡ Que descarregado o que, Jandira? ㅡ Ele levanta-se da mesa de uma vez. ㅡ Karina disse esta manhā que iria divulgar um evento e não sei mais o que...essas coisas de influencer...ㅡ Ele diz com certo deboche. ㅡ ...Que ela faz!

A mulher olhou o homem que voltou a sentar-se, e agora não a encarava mais, tendo seu rosto banhado em suor e vermelhidão.

ㅡ O-o jantar tá pronto doutor Frâncio... ㅡ A mulher falou rapidamente tentando desviar do assunto anterior. ㅡ O senhor quer que eu sirva? Olha eu garanto que tá uma delícia, cê quer que eu...

ㅡ Deixe Jandira! ㅡ O velho levantou-se de uma vez agarrando a velha pasta de couro marrom que, há poucos instantes, havia jogado à pedra da mesa com furor. ㅡ ...Eu vou subir e tomar um banho... ㅡ Ele olhou para ela com o olhar agora ameno e cansado.

Frâncio virou as costas para a empregada sem esperar uma resposta da mesma. Ele deu passos cansados até a escadaria, subindo os degrais com certa dificuldade enquanto suspirava fundo vez ou outra.

A mulher de baixa estatura continuou a observar o homem de cabelos brancos a subir triste as escadas. Ela, porém, com toda a compaixão, só poderia ficar alí na mesma postura que sempre estava...com as mãos cruzadas e o corpo reto como um ato de disciplina e reverência ao velho patrão. Afinal, é isso que empregadas fazem.

O homem, entretanto, parou no sétimo degrau, ainda com dificuldade, e fez-se silêncio por alguns segundos até que sua àspera e grave voz proferiu, sem que o mesmo tivesse o esforço de voltar-se à direção da mulher avermelhada... - Boa noite...Jandira. - Ele disse.

ㅡ Boa noite...doutor Frâncio. ㅡ Ela respondeu ainda estática.

E cada um foi para o seu devido lugar.

Querido DiárioOnde histórias criam vida. Descubra agora