09 - Engano

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Era fim de semana e o dia acabara de raiar. Eric, infelizmente, não conseguia acordar tarde no fim de semana, sempre fora acostumado a acordar cedo. Aliás, talvez isso não fosse problema para ele, já que acordar mais tarde significaria perder horas de atividades diárias.

O garoto de traços meigos, pele fina, braços e pernas pequenos agora estava de cócoras no chão. O sol iluminava sua pele, que parecia não estar acostumada a esse contato de forma constante. Ele vestia, ainda, seu pijama azul bebê e suas meias brancas, o que era um pouco incomum já que, no meio da semana, tirar tais vestes seria sempre o primeiro ato depois de levantar-se.

As pálidas e pequenas mãos do menino moviam lento e cuidadosamente alguns objetos engraçados que estavam um pouco empoeirados, já que não tinha tido tempo de limpá-los antes. Era uma pequena coleção de gibis antigos e algumas conchas, artificialmente coloridas por ele, que haviam sido guardadas tão afetuosamente de lembrança dos dias que havia finalmente visitado a praia. Ele nunca fora de sentir-se bem em ambientes com muitas pessoas, em sair para lugares exóticos (e com exótico eu quero dizer tudo que não seja o quarto dele), mas naquele dia foi diferente.

Ele lembrou-se do sorriso de sua mãe, Helena, ao erguer a toalha de banho estando ela de chapéu e óculos escuros sobre uma grande rocha. Ela sorriu e ele sentiu como se alguém o tivesse injetado uma dose de vontade de viver.

Fechou uma de suas conchas na pequena e branca mão e sorriu colocando-a de volta no lugar anterior.

Eric adorava alinhar, limpar e arrumar as coisas desde que era pequeno. Esse foi um dos seus primeiros traços que despertou atenção de seus pais em relação ao seu autismo, embora eles já soubessem que ele teria a síndrome. Pouco tempo depois, descobriram que essa estereotipia seria bastante presente na vida do garoto. Ele parecia sentir real prazer em empilhar, alinhar e organizar coisas.

ㅡ Eric! ㅡ Uma voz feminina ressoou do andar de baixo, subindo as escadas e o encontrando.

ㅡ Estou indo. ㅡ O garoto deu um sorriso mesmo que a mulher que o chamava não o pudesse ver. Ele ajeitou um último livro em um espaço vazio e levantou-se para despir-se.

Retirou a camisa e a colocou para lavar de imediato com seu pequeno short azul.

Entrou no banheiro com rapidez, não conseguia começar o dia sem um banho, mas não queria demorar.

Tratou logo de banhar-se e vestir um traje casual descente.

A rua já estava movimentada. Motos, carros e pessoas. Era fim de semana, mas o instinto humano da correria não parou para dormir até mais tarde. Talvez estivesse ansioso para aproveitar as poucas horas livres da sociedade do cansaço. Talvez fosse isso mesmo.

Um garoto de cabelos cacheados subia a calçada de sua rua a pé, com seu tênis branco e seu, sempre presente cap. Ele tinha um andar solto, ora desengonçado, ora malandro.


Porém, do outro lado da rua avistou algo...digo, alguém.

Um par de pernas fez ele estreitar os olhos para reconhecer a dona dos torneados membros. Ora, não era a loira?

Karina caminhava sobre a calçada lentamente, os mesmos acessórios de sempre: O salto, a bolsa, o óculos escuros, algumas gramas de deboche, uma pitada de sarcasmo e duas colheres de sopa de vilania.

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