Capítulo 6 SOMENTE 15 CAPÍTULOS POSTADOS - DISPONÍVEL NA AMAZON

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Se alguém entrasse no quarto de Letícia naquele momento, acharia que era uma criança pequena que dormia em cima da cama de solteiro, cheia dos seus ursos de pelúcias de diversos tamanhos e tonalidades, passando dos mais puído até alguns mais novos.

Contudo, o invasor levaria um susto ao perceber que o quarto do terceiro andar e que possuía uma grande janela no teto, de onde a luz do sol entrava pela manhã e a das estrelas à noite, não abrigava nenhuma criança e sim uma mulher encolhida de uma forma que nem a física conseguiria explicar.

Letícia dormia assim. Enrolada nela mesma, se abraçando completamente.

A luminosidade entrava no seu quarto, era um fator que ela gostava muito, só que não naquela manhã. Ela queria continuar no escuro. Isolada de tudo ao seu redor e abraçada em si mesmo. Não gostaria de abrir os olhos e encarar a realidade que a esperava. As decisões que ela precisava tomar com certa urgência e tudo mais que a esperava.

Todavia a vida não era nenhum pouco justa com ninguém, quem dirá com a esquecida e isolada Letícia. Em absolutamente momento algum ela foi agraciada por um pingo de sorte que fosse. Nem um respingo qualquer, quem dirá um momento além do escuto e os problemas que ela deveria enfrentar.

Mas o que assolava Letícia? Eram tantas coisas que ela não conseguia nem enumerar, mas tentaremos elencar os principais. Iniciando pelo início, é claro.

A mãe de Letícia foi uma jovem freira que morava em um convento isolado dos grandes centros. Devota e fiel aos seus ensinamentos, dedicou boa parte da sua vida à Igreja e todos os seus ensinamentos. E isso perdurou até o momento em que apareceu grávida em frente às madres superiores.

Um escândalo para o pequeno convento que nunca foi esclarecido da forma que ele merecia. Foi expulsa do convento sem falar uma palavra sobre o ocorrido e o que havia acontecido de verdade. Alguns meses depois, Letícia nasceu e foi o início dos seus problemas. Letícia e sua mãe se mudaram para a casa de três andares, de um tio de Letícia que ela quase não manteve contato durante a sua vida.

Sua infância foi uma mistura de gritos de sua mãe em sua direção, surras a cada coisa mínima que ela fazia errada e muitas orações. Todas elas para que Deus perdoasse Letícia da sua insignificante existência e como ela fazia tudo errado. Deus não deveria nem perder o seu tempo a escutando, por isso ela deveria pedir perdão e não pedir nada. Se Ele a perdoasse já seria uma grande benevolência de sua parte.

E foi o que ela fez. Durante anos Letícia orou, supervisionada por sua mãe. Rezou e pediu perdão por existir.

Todos aqueles anos em que as crianças da rua brincavam, corriam e eram felizes, Letícia passou dentro de casa em frente a um pequeno altar rezando e querendo sair dali.

Quando chegou à escola a sua vida não mudou absolutamente nada. Apenas a inclusão de tarefas para atrapalhar as suas orações e pedidos de perdão. E isso enfurecia a mãe de Letícia de uma forma que ela não conseguia compreender. Sair de casa? Só se for para ir à igreja. Tudo que ela queria era sair e brincar um pouco com outras crianças, mas não podia. Usar uma caneta colorida no seu caderno? Prender o cabelo de uma forma diferente da forma como a sua mãe fazia?

Absolutamente nada. Apenas rezar e não fazer absolutamente nada além disso. Ou apanhava para aprender que a sua razão de estar ali era para pedir perdão.

Ao terminar a escola, começou a trabalhar na secretaria da igreja. Ganhava o mínimo possível, mas não podia gastar com absolutamente nada. Não precisava de nada mesmo, nenhum tipo de enfeite, livro, revistas ou qualquer coisa desnecessária, segundo sua mãe. Todo dinheiro era guardado para se um dia precisasse, ele estaria ali.

E Letícia precisou.

Quando a mãe faleceu, Letícia percebeu que precisava fazer alguma coisa da sua vida, ou morreria sufocada pelas paredes da casa. E então se rebelou.

Munida com o dinheiro que juntou e mais o que a mãe havia economizado, reformou o térreo da casa e converteu em um salão de beleza com tudo que estava disponível e que ela pudesse aprender. Com um computador velho, que comprou de segunda ou terceira mão, e uma internet péssima, Letícia usou todo o tempo disponível, que não era pouco, para aprender tudo que conseguia. Fez alguns cursos presenciais em projetos sociais da cidade e mais alguns pagos.

Abriu o seu salão e se virava como podia. Atendia uma grande freguesia e estava feliz com o movimento que estava tendo no seu pequeno salão, principalmente com o contato com outras pessoas. Letícia nunca tinha convivido com muitas pessoas e atender estranhos foi o maior e mais delicioso desafio que ela havia vencido.

Era óbvio que nem tudo era mil maravilhas. Algumas contas atrasadas, mas não esquecidas. Um aperto de um lado, outro mais adiante e assim ia conseguindo viver cada dia, cada mês e cada ano que se apresentava a sua frente. Até que ela recebeu uma carta.

Carta. Quem ainda mandava carta nos dias de hoje? Talvez só a antiquada família de Letícia, aquela que ela nunca teve contato.

Seu conteúdo era simples: seu tio, vulgo irmão de sua mãe, estava ansioso para rever Letícia e passar a casa para o nome do seu marido.

Marido.

Letícia quase desmaiou ao ver aquela palavra e a justificativa de seu tio.

Mulheres não tinham condições de ter uma casa, em seu nome. Mulher era para criar os filhos e cuidar do marido. O homem que era o fornecedor de todas as necessidades da família e nada mais justo de ele ficar com a casa. E se caso Letícia não fosse casada, ele deixaria a casa para o seu filho mais velho, que estava para se casar e precisava de uma casa para morar.

Letícia não sabia se ria ou se chorava com aquela situação.

Marido? Ela nem chegava perto de homens, quem dirá um dia ter a intimidade de casar com um. E a casa? O que ela iria fazer sem uma casa para morar e um salão para trabalhar?

Não havia mais dinheiro para ela recomeçar. Havia gasto até o último centavo do que tinha juntado com o da mãe e o seu. Como ela iria se virar quando o tio viesse a expulsar de casa e dar o móvel ao seu filho mais velho?

Como alguém ainda tinha um pensamento daqueles em pleno o ano em que eles viviam? Letícia achava que o pensamento era da Idade Média, e logo lembrou de como a mãe vivia para saber que realmente eles ainda pensavam que a época era aquela.

Não tinha outra escapatória. Letícia teria que abandonar tudo que ela havia feito. Sua casa, que apesar de ter passado poucas e boas ali, ainda era o seu lar. Seu salão, o seu pulo de independência que ela ficou tão feliz em construir e trabalhar nele, e também o seu quarto. Aquele que ela deitava sob as luzes das estrelas e acordava com o sol entrando de mansinho.

Abriu os olhos ao notar que o seu telefone estava tocando. O sol a machucou, ao invés de agracia-la, como sempre. Saiu da sua posição fetal e colocou o travesseiro por cima da sua cabeça. Queria voltar à dormir. Ficar naquele lugar quente e aconchegante em que estava. Era o único lugar em que Letícia não tinha problemas. Não tinha um tio querendo tirar a única casa que ela conhecia se não casasse imediatamente. Não tinha preocupação em conseguir dinheiro para recomeçar tudo. E muito menos o medo de simplesmente não conseguir se reerguer quando tudo acontecesse.

Percebeu que não conseguiria voltar a dormir e tirou o travesseiro da cabeça, resolveu olhar o telefone, vá que fosse uma cliente que precisava de algum atendimento de urgência. Letícia atenderia com prazer, mesmo sendo um domingo. Pelo menos trabalhando ela não pensava no seu futuro incerto.

Pegou o telefone e a mensagem não era realmente o que ela esperava e sim mais um problema para Letícia pensar enquanto estivesse acordada. Será que algum dia Letícia acordaria sem mais um problema para ela resolver?  

Sob a luz das estrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora