A (Falta de) Diversidade nos Personagens

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Primeiramente, quero contextualizar vocês e dizer que esse texto é uma espécie de desabafo informativo. Atualmente, estou reescrevendo um livro antigo chamado "O Enigma dos Schneider", e me deparei com algumas questões na minha escrita que gostaria de discutir com vocês. O tema é o título da matéria.

Enigma não tinha diversidade alguma e hoje sinto muita vergonha disso. Todo mundo era branco, hétero, magro, alto... Um cast saído diretamente de um desfile de moda. Eu poderia me defender e dizer que em 2010, esse assunto mal era discutido na sociedade, mas estamos em 2019 e qualquer coisa que eu me preste a escrever de agora em diante, algo assim é inaceitável. Então, lá fui eu articular no processo da reescrita como incluir diversidade no meu roteiro, e que não parecesse militância forçada ou simplesmente uma cota.

No final, descobri que meu erro foi justamente esse. Encarar a diversidade como cota ao invés de uma realidade como inserir personagens brancos, héteros e cis no livro. Quantas linhas você perde os descrevendo dessa forma? Acredito que nenhuma, não é mesmo? Os leitores simplesmente sabem que eles são assim e por meio de suas ações, as características se tornam ainda mais claras. Por que com personagem diverso você tem que colocar uma placa neon na cabeça do coitado para dizer que ele está ali?

Não faz sentido algum e no final soa até preconceituoso da sua parte.

Eu penei porque não sabia quem seria preto ou quem seria homossexual. Eu, como branca, posso criar um protagonista negro? Será que estou roubando o lugar de fala de alguém? O melhor amigo negro é ofensivo? Um vilão negro é estereotipado assim como o melhor amigo afeminado...? Eu quase surtei e quis chutar o livro para longe, e não foi rara as vezes. Se você já teve interesse em fazer essa inclusão no seu livro e se prestou ao papel de buscar matérias sobre o assunto, deve saber exatamente o que estou dizendo.

Respirei e decidi: estou criando personagens e vou dar a eles características. Como escritora, meu trabalho é construir personagens densos, interessantes e com propósito. Se meu personagem tiver um bom papel, ele não será uma cota, será um ser humano. Independentemente de ser o protagonista ou o figurante. Não dá para todo mundo brilhar igualmente, mas dá para todos serem úteis de alguma forma (e que isso não gire somente ao redor dos protagonistas).

No primeiro capítulo que reescrevi, me peguei afoita e cometendo o erro da placa de neon. "Eu tenho que dizer que esse personagem é gordo, que aquele é negro e o outro ali é bi... E, ó lá a branquela calada que em nenhum momento senti necessidade em descrevê-la". Não ache que percebi isso sozinha, não. Precisei que alguém apontasse para mim, uma das minhas betas readers, para me dar conta que mesmo depois de tanto conhecimento, no inconsciente eu reproduzia os mesmos erros.

Respirei fundo novamente. Apaguei e pensei: nos pequenos gestos, nos pequenos detalhes. Tenha calma. Mostrar é melhor que falar. Para que dizer que tal personagem é gordo se ele pode te mostrar como é, e que talvez não se incomode com isso? Ou que seu personagem gay não vive para correr atrás de machos e, uau, ele também tem sonhos, metas e uma VIDA? São estereótipos que a gente simplesmente reproduz no automático que, para nós que estamos dentro da curva, parece bobo e irrelevante, mas para quem sofre na pele diariamente não o é. E são essas pessoas que você deve buscar quando quiser escrever sobre elas.

Não seus amigos padrõezinhos.

Ou até mesmo você, sendo um.

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