Esta matéria é para você que escreve de caju em caju. Você mesmo que mosca enquanto espera a inspiração divina sorrir ocasionalmente. Você que aguarda a chuveirada milagrosa no seu banho iluminar sua mente. Você que acredita que a escrita é 100% inspiração e o restante é balela. E o melhor: você que acha que um escritor profissional é um ser iluminado das ideias que nunca tem um bloqueio criativo na vida, pois seu estoque de desfechos é infinito e estar inspirado é um estado permanente da alma dele.
Lá vai o primeiro balde de água fria: na vida real, inspiração é luxo, motivação é tão passageira quanto chuva de verão e aquela produtividade que lhe fará ficar sentado das 7 da manhã às 7 da noite em frente à tela de um computador provavelmente fará você implorar por férias no restante da semana.
Li uma frase meio autoajuda essa semana no Instagram (não faço ideia quem seja o autor), que era assim: "Nunca use a falta de motivação como desculpa. Na vida, muitas coisas têm que ser realizadas através do compromisso, e não da motivação". Isso casa perfeitamente com um vídeo que assisti mês passado¹ sobre a ação vir antes da motivação. Quantas vezes você pelejou para iniciar algo, procrastinou tanto para no final ser vencido pelo cansaço ou o medo das consequências² de não fazer tal coisa, e depois viu que aquilo não era um bicho de sete cabeças como você fez parecer? E mais: quantas vezes a tal da motivação, que agora chamarei de concentração, não apareceu no meio da bendita atividade e te impulsionou a finalizá-la?
Nem sempre um bloqueio criativo é de fato um bloqueio criativo.
A motivação/inspiração pode até fazer você iniciar um projeto novo, mas tenha em mente que ela irá lhe abandonar mais cedo ou mais tarde. E o que irá fazer com que você não desista do que está fazendo? A disciplina. E a boa disciplina sem sombra de dúvida é um bom hábito enraizado. Com certeza você deve conhecer alguém que faça algo religiosamente todos os dias (ou na maioria deles), talvez você mesmo tenha algo assim para contar. Pode ser uma coisa boa ou ruim. Uma mania, uma comida, um lugar... Algo que faça falta quando você termina o dia e não fez aquilo. Na maioria das vezes, essa tal coisa a pessoa, ou você mesmo, faz sem esforço algum, sai praticamente no automático. Quer um exemplo simples? Escovar os dentes. Você com certeza o faz diariamente, sem nem pensar.
Tenho um conhecido que conseguiu terminar um livro de 400 páginas em pouco mais de três meses. Óbvio que quando ele me disse que faria tal proeza lá no início eu não acreditei... Quem conseguiria isso estudando, estagiando e ainda tendo que dividir o tempo livre entre amigos, família, descanso e vida social? Ele conseguiu. E não abriu mão de nada para chegar lá. A mesma história se repete em novembro com várias pessoas, no desafio do NaNoWriMo, no qual o escritor deve escrever 50 mil palavras em um mês.
Quantas não batem a meta e ainda conseguem ultrapassá-la sem rodeios? Por que você mal consegue chegar a 10 mil? Eles têm o hábito da escrita; você, provavelmente não. Isso só piora se você também não tiver senso de organização algum. Aí, meu amigo, é quase um game over.
Mas afinal, como consigo esse bendito hábito?! Praticando diariamente sem falta.
Algumas pessoas dizem que é preciso apenas 21 dias para que algo vire um hábito. Já vi outras dizerem que o mínimo eram 40, e até rolou seis meses. Está claro que o tempo varia de pessoa para pessoa, da meta a ser conquistada, do quão interessado se está na recompensa... Uma série de fatores. Mas a unanimidade é que, uma hora, essa atividade se torna mais fácil de ser feita, pois o hábito nasceu dentro de si. E é aí que queremos chegar.
Criar um novo hábito não é só sentar e fazer. Há todo um processo por trás e, se não for bem bolado, você provavelmente estará frustrado (a) antes do final da primeira semana. De acordo com o livro O Poder do Hábito, de Charles Duhigg (recomendo muitíssimo!), para que um hábito dure, é preciso que haja a deixa, rotina e a recompensa. É o que ele chama de "Looping do Hábito".
A deixa nada mais é o que te faz iniciar o hábito, o gatilho inicial. A rotina é o que você faz para receber a recompensa, e a recompensa é o prêmio que você recebe no final do looping. Um belo exemplo disso é você que está tentando escrever a horas, mas até agora não passou de 100 palavras no Word. Você resolve fazer uma pausa para pesquisar algo (sua deixa). Então, encontra vários resultados no Google, abre diversas abas no navegador e começa a ler (rotina). A recompensa é a sensação imediata de prazer que você sente por não ter mais que se forçar a escrever, e pode enfim fazer "grandes nadas" como seu cérebro está implorando no momento.
Sabe essa sua vontade insaciável de procrastinar que você tem quando começa a fazer algo que exija um pouco mais de esforço da sua parte? Um hábito ruim que você adquiriu e precisa urgentemente desfazê-lo. E acredite: desfazer-se dele pode ser tão difícil quanto um viciado largar o cigarro ou parar de beber.
Duhigg diz que pode ser mais fácil você mudar um hábito já enraizado a criar um novo. Isso acontece quando você utiliza um looping existente do seu dia, modifica a deixa, a rotina ou a recompensa, e troca um dos três por algo novo. Depois é só testar, detectar se o hábito irá funcionar e continuar de olho no prêmio final, pois ele quem irá lhe mover para que chegue a algum lugar.
Antes que diga que não tem tempo de escrever todos os dias, isso é mentira. Você não passa 24 horas fazendo várias atividades seguidas. Obviamente, deve fazer pausas para comer, ir ao banheiro, se deslocar de um lugar a outro, na fila de algum estabelecimento ou o tempo que gasta respondendo alguém nas redes sociais e vendo a vida dos outros... Tempo você tem sim. Suas prioridades que devem ser outras, provavelmente.
Digo mais: escrever 50 ou 100 palavras por dia é melhor que não escrever nada, tá? É o que você precisa ter em mente na hora de criar um novo hábito/reciclar algum. Não queira escrever 2.000 ou 5.000 mil palavras por dia se seu tempo é realmente limitado. E mesmo que o tenha de sobra, não será todo dia que você estará disposto (a) a cumprir tal meta. Afinal, somos seres humanos, não máquinas, vivemos de altos e baixos. Estipular uma meta diária é legal sim, mas dentro da sua realidade.
Ainda que não bata a meta sempre, faça o que consegue. E se perceber que isso se repete com frequência, talvez deva diminuir o número de palavras estipulado inicialmente. Mas escreva, sério. Pense nos dias que estará tão empolgado (a) que produzirá acima da meta. A motivação pode ir embora em algum momento e você ter de viver com a realidade do esforço, porém, de vez em quando ela aparece para dar um "oi". O importante é não criar expectativas na sua chegada, mas ficar feliz quando ela resolve fazer uma visitinha surpresa.
Escritores profissionais não têm inspiração infinita, e sim, o hábito da escrita. Stephen King já disse em entrevistas que escreve diariamente cerca de 10 páginas por dia, o que dá mais ou menos 2.000 palavras. Em Sobre a Escrita, livro de sua autoria, ele explica mais como funciona o processo criativo dele. Vale a pena a leitura.
E você? Já alimentou seu hábito da escrita hoje?
Referências:
¹ Como se sentir motivado:
² TED: Dentro da mente de um mestre da procrastinação - Tim Urban.
Livro: "O Poder do Hábito", de Charles Duhigg.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Como Escrever um Livro
SaggisticaEste livro foi feito especialmente para você: contista, ficwriter, aspirante ou escritor, obter dicas e discutir sobre o universo da escrita criativa. A troca de experiência é a palavra de ordem por aqui!