Prólogo

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A Paciente

A medibruxa observou os olhos parados, olhando o teto sem mais. Vendo que, como nos anteriores dias, ela sequer se movia - seguia deitada, sem reagir às visitas, aos abraços dos filhos, ao sussurro encarecido do marido ou ao pranto de seus pais. Ela apenas coexistia, respirando suavemente sem fazer som algum.

Mediu a temperatura da enferma, notando a normalidade que atingia seu corpo. Os médicos estavam preocupados. Fazia quase uma semana que a paciente caíra nesse estado cataléptico, só movendo os olhos e as pálpebras, languidamente.

Haviam tentado de tudo e mais um pouco, até medicina trouxa. Alguns especialistas murmuraram pelos corredores que era alguma doença hereditária, ou coisa assim, mas era difícil acreditar.

Primeiro, uma seção de desmaios que ao final lhe levaram a um estado de coma durante dois dias, depois, ao despertar, a amnésia que a assustara de tal maneira que gritara com todos os medibruxos, enfermeiras e curandeiros. Então o susto, o medo e a solidão - o vazio que devia sentir ao ver-se sem passado e recordações, sem sonhos ou aspirações - a fez calar-se, primeiro não falando com ninguém e não querendo receber visitas. E, por último, essa catalepsia sem motivos aparentes.

- Acho que está em choque - murmurou a doutora ao outro médico, lhe haviam chamado para ver se conseguia algo, um mero diagnóstico - Se levamos em consideração os dados que nos forneceram os familiares e amigos, a paciente tinha um comportamento perfeccionista. Tinha suas regras, organizações, planos, seguia uma agenda rotineira. A desaparição de recordações e coordenadas foi o suficiente para que seu cérebro não soubesse como lidar com esse novo panorama.

- Mas...

- Doutor, uma pessoa cheia de esquemas não sabe viver no vazio, crê-me.

A mulher lhe olhava séria. Suas olheiras leves sobre os olhos, seu cansaço de vinte anos de trabalho no St. Mungus, seus quarenta anos sobre suas costas.

- Gostaria de ficar a sós com ela. Vou tentar algumas técnicas, se me permite.

- Claro, Doutora, nos vemos amanhã, já é muito tarde.

E era, passava da meia-noite. O turno de médicos mudava e ela ainda estava ali, passara todo o dia ali. Lendo o caso, observando a enferma, juntando pequenas peças em tudo aquilo.

Sentou-se na poltrona confortável, deixando a prancheta do caso na mesinha de cabeceira, aproximou a poltrona do leito, olhando os lençóis brancos e a camisola branca, e os cabelos castanhos, com alguns fios prateados, um ou outro, perdidos naquela cabeleira dispersa pelo travesseiro. Os olhos agora semicerrados, quase adormecidos.

- O que te parece se te conto uma história? - murmurou a médica, acercando sua mão e ajeitando o travesseiro, percebendo que os olhos se haviam aberto de novo e que buscaram sem muito nexo a sua voz - Vou contar a minha história preferida.

Sua voz quase sussurrada fez a outra piscar, mas manter-se desperta, atenta, ainda sem olhar a médica.

- É um pouco triste, mas talvez você goste dela também...

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