Prólogo.

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Fevereiro, 2022, Inglaterra.

"O amor é vendaval, Lia."

Essa frase ecoava na minha cabeça sem parar há três semanas.

Faz três semanas que o fim chegou.
Acredito que Deus fez a gente com a capacidade de sentir dentro dos nossos poros quando alguma coisa está errada. Nós sentimos, ouvimos, pensamos.

Sabemos quando chegamos num lugar e nós éramos o assunto; fica na atmosfera, é quase palpável. Nós sabemos quando uma pessoa ama a gente; também sabemos quando a mesma pessoa deixa de amar. É por esse motivo que não consigo entender porque eu quis, por livre e espontânea vontade, ignorar todos os sinais.
Eu temia esse fim há algum tempo. Sabia que as coisas não estavam bem entre nós, mas, como eu disse, eu ignorei todos os sinais. Olhei para a minha intuição e disse: "não vou dar ouvidos a você."

Até que o fim veio.

Ah, o inverno europeu. Eu estou extremamente mal agasalhada para andar na rua com esse frio. Acabei de me mudar para a Inglaterra, há exatas duas semanas e três dias. Sempre foi o plano, desde que terminei a faculdade, só não achei que seria tão rápido. Porém, depois do que aconteceu, peguei todas as minhas economias, juntei todas as minhas coisas e vim – inacreditavelmente – em uma semana. Desde então estou aqui sozinha. 

Estou parada na frente de um parque grande e bonito. Nem acredito que estou aqui. Assim, tão longe dele, faz parecer que tudo é mais fácil. Dou uma risada ao lembrar que desde pequena sempre fui assim: quando eu tinha uma desilusão amorosa, eu mudava alguma coisa. A cor de cabelo, as roupas, de bairro. Quando eu tinha 16 anos, terminei com um quase namorado que tive e fui passar dois meses na praia com minhas amigas. Acredito que a mudança é perpendicular ao trauma.

Eu cruzei o oceano, porra.
A merda do oceano inteiro, dessa vez.

Tem um parquinho para crianças dentro do parque e algumas delas estão correndo para cá e para lá, jogando areia na cara uma da outra. Observo atentamente os pais que estão a sua volta, alguns deles parecem ter saído diretamente de O Morro Dos Ventos Uivantes, tamanha finesa e chapéus grandes que estão vestindo para uma simples ida ao parque.
"Só mais cinco minutos, ok, filho? Você não quer que sua mãe faça um caso no meio do parque, quer?" Escuto um deles falar e, nessa hora, a minha mente me trai, me fazendo voltar para aquela tarde.

Três semanas atrás.

"Lia, qual o teu problema? Me dá essa merda aqui. Para de fazer caso por porra nenhuma." Ele puxa da minha mão o celular.
"Leonardo." Eu bufo. "Não sou eu que estou fazendo caso. Eu simplesmente queria saber que horas são", digo, colocando a toalha de prato em cima do ombro e o prato no armário. Me viro para ele e coloco as mãos na cintura, minha pose clássica pré discussão. "Se você não quer que eu mexa no teu celular, não deixe ele tão a mostra por aí. E outra, não puxa mais nada da minha mão, entendeu? Vai se foder." Devolvo.  Dou dois passos em sua direção. "Eu tenho motivo para olhar seu celular, Leonardo?" digo semicerrando os olhos.
"Que motivo que eu te dei? Você tá louca, juro por Deus. Não aguento mais, isso aqui não vai dar certo" ele levanta a mão e gesticula para mim e de volta para ele.
"Cinco anos de relacionamento e não-vai-dar-certo?" Dou uma risada.
"Vai ver isso já foi longe demais", ele se limita a dizer, abrindo a porta da cozinha.
"A onde você vai?" Digo, me perguntando o que raios acabou de acontecer. Como assim "longe demais"?
"Não sei. Preciso de um tempo, um espaço, qualquer coisa. Preciso ficar um pouco longe daqui, de tudo isso e de você." Ele diz no final, batendo a porta da sala de casa na minha cara.


Minha mente volta ao parque quando escuto o choro de uma criança que caiu e ralou os joelhos, fazendo com que o sangue escorresse pelas suas perninhas.
Dou meia volta e continuo caminhando. Estou de saco cheio, de verdade. Fico repassando momentos na minha cabeça, conversas, situações e tudo mais para tentar entender o que raios deu de errado na nossa relação. Leonardo e eu nos conhecemos a vida toda, fomos amigos na escola, estudamos na mesma faculdade apesar de não no mesmo curso. Eu fiz direito e ele fez arquitetura. Na verdade, o sonho dele era fazer psicologia, mas os pais não apoiaram então ele escolheu outro curso. Ficamos mais de cinco anos juntos. O que aconteceu?

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