Capítulo 14.

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Sarah.

"... ir até o palácio."
"... precisamos falar com a criança mais velha. O juiz vai querer saber."
"... foi no quarto deles. Peter está ferrado."
"Sarah, você está me ouvindo?"

"Desculpa, o que?" pergunto, saindo do transe.
Allison suspira fundo.
"Já é difícil ter que trabalhar com você, ainda por cima você não presta atenção em nada. Qual o seu problema?" ela diz, frustrada.
Me ajeito na cadeira em que estou e tomo um gole de água. Depois de fazer um coque com o meu cabelo, respiro fundo e digo: "desculpa, estou prestando agora. Podemos recomeçar do início?"
Revirando os olhos, Allison pega um bloco de papel na mesa e o põe na minha frente.
"Precisamos investigar as acusações do Peter. Ele disse que a Olívia não cuida das crianças, não dá a menor atenção. Precisamos ir até o palácio e falar com o filho mais velho..."
Ela coloca uma mão no meu ombro.
"Você está bem? Está branca como papel", pergunta.
"Desculpa, que?" Digo novamente.
Allison bufa. "Certo, o que está acontecendo?"
Levanto os olhos para encará-la. "Você não vai querer saber", respondo.
"Não pense que me interesso pela sua vida, mas nesse momento" e aponta para o bloco de folhas "você está atrapalhando o andamento do caso, então desembucha pra que eu possa ajudar e a gente se concentre de novo no trabalho."
Olho desconfiada para ela, que afastou os papéis a minha frente e se sentou em cima da mesa, cruzando os braços. Não sei se posso confiar nela, ou melhor, sei que não posso confiar nela, porque ela acha que sou uma estrangeira interesseira que roubou sua tão sonhada vaga nessa empresa. Mas sinceramente, que outra opção eu tenho?
Jogo meu corpo para trás na cadeira e me sento em perna de índio. "Bom, tem esse cara que mora no meu prédio e ficamos bem próximos, apesar de só nos conhecermos há uma semana", começo dizendo. Paro e observo sua reação, para ver se continuo ou não. Para minha surpresa, ela está prestando atenção, então resolvo continuar. "Ele tem um passado complicado com a ex e recentemente disse estar gostando de mim", continuo. "Só que... eu também tenho um passado complicado com o meu ex, que por sinal, apareceu aqui do nada."
Ela levanta uma sobrancelha. "Apareceu aqui do nada onde?" pergunta.
"Na Inglaterra", respondo.
Ela arqueia as duas sobrancelhas. "Brasileiro?"
"Sim".
Allison junta as mãos e cruza as pernas na mesa. "Continua", pede.
"Esse meu ex chegou do nada, quando eu já estava bem resolvida com a situação do nosso término", não menciono que ele quem terminou porque me sinto... insegura com isso. Como se fosse uma fraqueza minha. "Dizendo que agora vai trabalhar aqui e que quer me reconquistar."
"Hm", ela me diz.
"Hm?" pergunto.
"Continua logo", manda.
"E aí, o cara do meu prédio ficou bêbado, falou que estava apaixonado por mim. Nós brigamos. Eu enchi a cara e dormi com o meu ex. O cara apareceu no meu apartamento do nada e viu. Agora não sei o que eu faço", finalizo. Encurtei a história porque não sei se quero que ela saiba de tudo. Ainda não sei a onde posso pisar com essa garota.
Allison me olha com dois olhos atentos, os cotovelos apoiados nas coxas, as mãos que estão cruzadas segurando seu queixo. Depois de longos segundos sem dizer nada, me mexo na cadeira, desconfortável com o silencio.
"E então...?" questiono.
Ela suspira.
"Em primeiro lugar, quem te disse que você estava bem resolvida com esse término?" ela pergunta.
Levo um susto. "Como assim?"
Ela ri. "Claramente você não está resolvida coisa nenhuma, se dormiu com ele de novo. Esse é o primeiro erro", e se levanta da mesa.
Fico observando enquanto a vejo ir até a cafeteira e encher duas canecas com café, e volta para me entregar uma.
"Você dormiu com ele e agora está sofrendo por ter dormido com o ex. Não tem nada de resolvido nisso. Como foi depois do término? Vocês esclareceram tudo? Terminaram numa boa? Dentro dos limites permitidos para um término, óbvio", e da um gole no café.
Fico pensando nas suas perguntas por alguns segundos. Allison ainda está me encarando. Dessa vez, não vejo rispidez em suas palavras, não parece a garota má que falou comigo semana passada e no mercado. Ambas as versões da Allison a minha frente me assustam.
"Bom... não exatamente. Não conversamos, não" levo o copo a boca. "Eu mudei de país, não nos falamos desde então."
"Faz quanto tempo?"
"Dois meses e pouco."
"É recente."
Afirmo com a cabeça.
"Então vocês terminaram e você resolveu mudar de país? Você não veio para cá só pra fugir dele, né?" ela questiona, uma das sobrancelhas levantada.
Paro para pensar na pergunta. Foi a mesma pergunta que minhas amigas fizeram há alguns meses. Foi a mesma pergunta que minha mãe me fez, ainda no aeroporto quando eu estava para embarcar. Sei que os planos de vir a Inglaterra são antigos, o que significa que uma hora ou outra eu acabaria vindo de qualquer jeito; mas também sei que... a situação com o Leonardo fez com que eu quisesse me mudar no dia seguinte. E meio que, foi exatamente isso que fiz.
Suspiro. "Acho que sim. Vim para cá para fugir dele", assumo.
Ela arregala os olhos. Eu também. Nunca assumi isso em voz alta, mesmo que no fundo eu soubesse da verdade.
"E agora que ele está aqui você se sente encurralada, porque não tem pra onde fugir", ela bebe do café. "Vocês precisam conversar. Conversar de verdade." Conclui.
Passo a mão pelo meu cabelo, ao mesmo tempo que me sinto desconfortável, essa conversa clareia minha mente. É bom conversar com alguém que não seja do meu círculo de amizade, porque Allison está vendo de fora da bolha. As pessoas que conhecem um casal tendem a escolher um lado, ainda mais quando esse casal termina e, bem, não existe neutralidade. Depois dessa conversa, sinto minha mente mais clara. Estou agradecida, mesmo que tenha sido com Allison.
Até que ela não foi tão ruim.
"Podemos terminar esse relatório agora?" ela me pergunta.
Faço que sim e me ajeito na cadeira pela terceira vez; para trabalhar pesado e sem pausa pelas próximas quatros horas que se seguiram.

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