Capítulo 9.

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Sarah.

"Você chamou o cara de sol." Ayla diz.
Alana não fala nada. Está com a mesma expressão há dois minutos.
"Lia. Você chamou ele de sol?" 
"Dá pra rir baixo? Eu estou no mercado!" Grito pro telefone. Várias pessoas me encaram e sorrio como quem diz "desculpa, não sou louca" e balanço o meu aparelho para que elas vejam que não estou falando sozinha e sim, com várias meninas escandalosas.
"Desculpa, mas isso é bom demais. Você chamou ele de sol e depois expulsou ele da sua casa!" Luna é quem esta rindo descontroladamente.
"Você chamou o cara de sol", Ayla repete. "Isso me desmotiva", ela completa.
Reviro os olhos.
"Depois de olhar para dois lugares falando das horas, quando não tinha relógio nenhum!" Luna repete o que eu disse, rindo ainda mais alto.

Pego um yogurt da prateleira e começo a olhar o rótulo, costume que peguei de Ayla, porque ela vivia nos dizendo que as coisas não são o que parecem ser. E com isso ela não quis dizer de pessoas, quis dizer de ingredientes. Ingredientes que parecem ser saudáveis e na verdade não são. Mas assim que começo a ler, minha mente vai longe.
Eu não estou um pouco frustrada, eu estou muito frustrada. Passei a noite passada inteira recapitulando todos os momentos que vivi com ele. Primeiro, ele aparece na minha porta com um balde de frango frito. Depois, nós dançamos High School Musical. O celular dele toca, o clima muda. Penso no Leonardo. Que merda, por que eu pensei no Leonardo? Depois, John lava a louça. Imagens das costas definidas dele se contraindo e dos braços musculosos segurando pratos e copos me vem a mente. Minha respiração vacila. Ok. Foco. Aí ele diz aquilo lá. Aquilo. De não perdoar traição. Do coração dele não ser mais da ex. Ele não disse nada sobre o coração dele ser de outra pessoa. Ele só disse que não era mais da ex. A gente se conhece há menos de uma semana. Não tem nada a ver. Realmente, não tem NADA a ver. Eu mal conheço o cara. Por que eu fiquei completamente em pânico com ele dizer que o coração não era mais da ex? Tipo, ele é bonito. Bem bonito. E as costas são grandes, bem grandes. E os braços são fortes, cheios de músculos e o bronzeado. Ele toma sol. Eu não sei quando nem onde, porque essa cidade é cinza. Mas tem as mãos também. E um monte de veia. Veia pra cá, veia pra lá. Dava para desenhar uma planta de um prédio com as veias dele. A veia norte, a veia sul, a veia imersa, a veia...

"Esse yogurt deve estar muito interessante", escuto alguém dizer.
Olho para o celular.
Minhas amigas estão olhando ao redor, confusas.
Junto as sobrancelhas como quem diz "não foram vocês?" elas balançam a cabeça com um "não", respondendo minha pergunta silenciosa.
Viro para a direita procurando a origem do som e nada.
180 graus e nada.

"Aqui", escuto novamente. Olho para trás.
Só pode ser brincadeira.
"Você", eu digo.
"Eu", ela sorri.
"Tudo bom com você?" estou me esforçando ao máximo para ser educada com essa mulher que foi tão mal educada comigo dias atrás.
"Tudo ótimo", ela mexe numa prateleira. Pega um queijo, vira o pacote e o devolve. Pega um pote de cream chease, repete o movimento e devolve. Cruzo os braços.
"Você quer alguma ajuda?" Pergunto.
"Sabe, os britânicos estudam demais", ela diz.
Suponho que essa conversa não vai ter nada a ver com os tipos de queijo da prateleira.
"E?" dessa vez não me preocupo em ser educada.
Ela mexe num pote de requeijão. Segura ele e o aponta pra mim.
"Você sabe a diferença entre eles?" aponta para o outros tipos de queijo que existem ao seu lado.
Assinto.
"Acho que ensinam isso no Brasil", ela diz entre os dentes.
Reviro os olhos. Essa mulher esta começando a me encher a paciência.
"Como eu ia dizendo, estudamos muito" e volta a brincar com o pote de requeijão. "Odiamos quando alguém pega o que é nosso, ainda mais não merecendo".

Ah, tá. Agora entendi.

"Você me odeia porque preenchi a vaga que supostamente era para ser sua, né?"
Seus olhos me fuzilam.
"Não é supostamente. Era para ser minha."
"Sei... Era tanto que no final, ficou comigo." Coloco o yogurt no meu carrinho e me movimento para sair de lá. Não tenho por que dar trela pra essa louca.
Mas ela segura a parte da frente dele e não consigo mexer.
"Olha aqui, brasileirinha" ela cospe a ultima palavra com desprezo. Sinto o sangue subir pelas minhas veias. Sinto o clima inteiro ficar tenso, principalmente porque ainda estou numa ligação de vídeo com outras cinco brasileirinhas. Que é claro, perceberam tudo que está acontecendo.
"Eu sei como funciona as coisas no Brasil. Bunda e peito, né? Carnaval. Sei como você conseguiu essa vaga. Eu tive que estudar muito para se quer estar entre as finalistas e da noite pro dia a vaga é sua?" ela aponta o dedo quase na minha cara. Cerro os punhos. Preciso de todo o autocontrole e paciência do mundo para não avançar nela. "Você pode ter conseguido a vaga. Mas eu vou infernizar a sua vida até você pedir pra sair. E você vai pedir pra sair, amor." Ela solta o carrinho. Me dando as costas, caminha para longe. Começo a tremer enquanto me apoio no carrinho. Deve ter fumaça saindo pelas minhas orelhas.
"Ah, amor?" ela diz por cima do ombro. "Você pode me chamar de Allison".

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