Capítulo 12.

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Sarah.

Sabe a pior coisa de fazer merda? Que agora você tem que lidar com a merda. O problema da vida adulta? É que não existe depois. Ou você lida agora, ou lida agora. Cartas na mesa. Preto no branco. É, Sarah. Você se lascou, garota. Boa sorte com essa.

O aquecedor está fazendo um barulho estranho, como se tivesse uma peça solta dentro dele que batesse na parede a cada dois segundos. Minha cama parece extremamente desconfortável, com tantos travesseiros no chão e metade da fronha para cima. Que merda eu fiz? Ou melhor, por que eu fiz? Bufo. Dou um tapa na testa. Pelo? Não, eu tirei o buço ontem cedo. Por que sinto pelo? Me remexo na cama até encostar na cabeceira e seguro com os dedos o que encontrei eu meu rosto. Acendendo a luz do abajur ao meu lado, observo que é uma pena. Pena? Tipo, pena de ave? Uma ruga de frustração surge em meio as minhas sobrancelhas. De onde vem essa pena?

Colocando a em cima do aparador ao meu lado, observo as horas no pequeno relógio de mesa. 6:45 da manhã. Certo. Vou levantar e lavar o rosto. Acho que preciso fazer xixi, sinto um aperto na bexiga. Escuto um barulho. E comer também. Estou com fome. Retiro o cobertor e coloco as pernas para baixo, meus pés procurando os chinelos que sempre ficam no mesmo lugar. Não os acho. Ué, a onde coloquei meus chinelos? Olho para baixo. Mais penas. Agora estou preocupada. É sério, da onde veio tanta pena? Olho ao redor: tem muito mais penas espalhas por todo o chão. Levanto da cama. Tem penas no sofá do meu quarto, ao lado do meu armário, na beirada da cama, em cima da cama, tem pena até no aquecedor. Mas que porra é essa?

Minha cabeça está doendo. Merda. Por que não me lembro dessas penas? O que aconteceu aqui? Não consigo me lembrar de nada. Eu sai ontem a noite? Como eu cheguei em casa? Ou melhor, a onde eu estava? Merda. Minha cabeça está latejando. Corro a mão pelo abajur e apago a luz. Sento na cama e cruzo minhas pernas. Estou pensando muito. Sempre penso demais quando fico de ressaca. Ressaca. É isso. Dou um tapa na minha testa. Eu bebi ontem? Bem, isso explicaria a amnésia. Certo. Vou fechar os olhos. Respira fundo, Sarah. 1, 2, 3, 4, 5...

"Bom dia! Que bom que você já acordou." Alguém diz.

Alguém não.
Nem fudendo.
Abro um olho só.
Nem fudendo mesmo.

Descruzo as pernas.
"Espero que você tenha uma boa explicação para estar saindo do meu banheiro", digo.
Silencio.
"Bem, eu precisava de um banho. Não posso ir trabalhar todo sujo. Você me sujou inteiro ontem".
Levo um susto.
Abro os dois olhos e pulo da cama.
"Eu o que?" pergunto para o homem na minha frente.
"Me sujou inteiro. Olha" e estende uma blusa para mim. Tem uma mancha marrom nela. Levanto uma sobrancelha, sem entender. Ele da uma risada. "É chocolate", explica. "E essa?" estende a calça. Continuo com a mesma expressão. "Isso é chantilly". E ri.
"Por que tem chantilly nas suas calças?" pergunto.
"Porque você disse que nunca tinha chupado alguém com chantilly e que estava com vontade de experimentar coisas novas."

Plim, plim, plim.
A chavinha virou na minha cabeça.
Puta que pariu três vezes. Três não, mil vezes.
Flashs da noite passada começam a aparecer na minha mente.

Eu na calçada conversando com um John bêbado.
John dizendo que não queria estar apaixonado por mim. Meu peito doendo.
Eu levando John para o apartamento dele. Brigamos no elevador.
Pausa. Perco o folego. A memória veio forte demais.

A noite passada.
"O seu problema é que você deixa um cara que terminou com você e te deixou na merda tomar todas as rédeas da sua vida de novo, Sarah." Lembro John dizer. Senti uma pontada funda no peito essa hora. Ele está certo. É exatamente isso que eu fiz, quando me permiti me abalar pelo Leonardo mesmo depois de tudo. Mas isso não dá o direito do John falar o que quer pra mim, só porque está bêbado e magoado. Alias, magoado com o que? Eu não devia nada para ele.
E foi exatamente isso que eu disse naquele elevador.
"Não me deve nada?!" ele socou o painel de controle. Apertou três botões diferentes. "Quer saber, não deve mesmo! Volta para aquele idiota igual um cachorrinho indo atrás de comida."
Não acreditei quando essas palavras saíram da boca de John, que é sempre tão amoroso e carinhoso, e acreditei menos ainda quando ele deu um segundo soco no painel de controle e apertou no botão de emergência. O que significa que automaticamente o elevador parou. Um alarme tocou. A equipe de segurança do prédio foi acionada e ficamos presos lá, um com o outro, sem ter para onde escapar. Por três horas. Três.
Até que ele, bêbado igual um gambá, teve a ideia de abrir a porta do elevador e sair por conta própria. Eu ri da cara dele, é claro. Falei que isso só funcionava em filmes. Ele respondeu com um: "quer ver?" e eu rebati com um "vai em frente".
E ele foi.
Fiquei estupefata quando observei aquele garoto abrir uma porta do elevador com um canivete, fazendo força com os braços. Fiquei mais estupefata ainda porque, nossa. Que braços.
Mas o elevador estava parado entre um andar e outro, conseguia ver o vão cheio de cabos, a escuridão e o chão de um andar. Tinha uns trinta centímetros de abertura no vão. Mal tinha espaço para passar. Ou melhor, tinha o suficiente para um corpo deitado passar. Mesmo assim, a pessoa teria que subir na corda e se ralar inteira. Ele foi. Mas não tentou me ajudar a ir também. Murmurou algo como "você da conta de esperar o resgate, né?" e eu só balancei a cabeça. Foda-se. Nem ligo.

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