Capítulo 4 - editando

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Inglaterra, um mês depois.

"Você tem se alimentado?" Minha mãe pergunta quando finalmente atendo o telefone depois de quatro semanas de silêncio.
"Sim, mãe. É óbvio que eu tenho me alimentado" eu respondo, tentando equilibrar o celular entre meu ombro e o ouvido, enquanto retiro uma saia do cabide e coloco na frente do espelho para ver se combina. Por fim decido colocar o celular na estante para conseguir ter as duas mãos livres.
"E por que só me atendeu agora? Tirando sua mensagem de 'já estou em Londres e está tudo bem', eu não tive nenhuma notícia sua", ela reclama.

A verdade é que eu precisava de um tempo, mas ninguém conseguiu respeitar isso. Então, optei por não interagir com as pessoas pelo mundo virtual, simples assim. Depois do meu vexame assim que cheguei no país alcoolizada, decidi dar um tempo de tudo e todos, colocar a cabeça no lugar e tentar, de fato, recomeçar a vida por aqui. Mandei algumas mensagens para meus amigos mas foram curtas e não forneci nenhuma das informações que elas queriam. Ignorei completamente as mensagens de "como você está?" que mandaram todos os dias, os "tem dormido?" "você está comendo?". Sei que me entendem, entendem minha necessidade de silêncio, de ter um tempo só para mim, para acalmar meu coração e minha mente. Mas agora, um mês depois, sinto que se eu não começar a aparecer elas logo vão colocar a INTERPOL atrás de mim.

A primeira semana foi horrível, sinceramente. Eu só chorava. Só sai da cama para ir ao mercado comprar comida e ir a farmácia comprar remédios de dor de cabeça, ocasionada pelo choro. Toda vez que eu tomava um Advil, a imagem da Ayla com uma feição de julgamento me vinha na cabeça e eu demorava a tomar - mas no fim sempre engolia o remédio.

Na segunda semana, as coisas começaram a melhorar um pouco. Eu tomei banho, desempacotei minhas coisas e comecei um livro novo: "A Menina Que Roubava Livros". É muito bonito e triste ao mesmo tempo, perfeito para a situação em que eu me encontrava.

Na terceira semana eu saí algumas vezes. Numa delas fui até um parque grande e bonito que tem aqui perto. Observei as crianças brincando, os pais tomando conta delas e tive uma cacetada de lembranças que eu não queria, o que me fez voltar para o meu apartamento chorando e sem vontade de sair pelos próximos dias.

Graças a Deus eu sempre fui muito econômica, porque estou vivendo das minhas reservas de dinheiro; reserva essa que me deu o privilégio de não me preocupar com trabalho logo de cara. Isso não vai durar muito, o dinheiro vai acabar e, eu gosto de trabalhar, então estou começando a procurar vagas.

A quarta semana é essa.

Consegui uma entrevista para um escritório de advocacia que fica há duas ruas daqui. Foi por conta dessa entrevista que escolhi esse apartamento, pensando em não ter que fazer uso de condução para ir e voltar do trabalho. Estou nervosa. Apesar de advogar há algum tempo, sinto que aqui tenho que provar o meu valor, tenho que fazer por merecer mais do que nunca e tenho receio de não atingir esse objetivo.
Estou olhando para o meu reflexo no espelho: saia midi vermelha, scarpin preto, blusa preta e uma bolsa preta com detalhes em vermelho. Última ajeitada no cabelo e passo um gloss labial, só para dar um tcham.

"Quem te viu e quem te vê, hein, dona Lia?" Eu digo para mim mesma. "Nem parece que saiu correndo de uma farmácia e vomitou na rua por causa do ex", completo tentando ser engraçadinha, mas a lembrança do último encontro que tive com o Leonardo faz com que arrepios percorram meu corpo.
"Não, sem Leonardo por hoje. Hoje não é sobre ele, hoje é sobre mim. Você vai ver", eu aponto para o espelho "você vai ver. Todos os dias daqui em diante serão sobre você. Se não você vai se ver comigo", gesticulo para frente e para trás, apontando para meu peito e depois para meu reflexo.

Peguei esse hábito de falar com o espelho por morar sozinha e não ter mais ninguém para conversar o tempo todo. Às vezes me sinto louca, mas quando comentei disso com as meninas, comentários sobre "super normal" e "Freud já dizia que todos nós somos um pouco loucos" fizeram meu coração se tranquilizar.

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