Lia.
Não lembro a última vez que me diverti tanto. Faz horas que estou comendo frango frito porque John comprou o suficiente para um batalhão. Contamos histórias um para o outro sobre nossa infância e ele me disse que nunca assistiu High School Musical. É claro que me espantei, ri da cara dele - de nervoso - e o obriguei a dançar todas as músicas. Também lembrei do dia em que uma amiga assumiu não ter assistido todos os filmes essenciais da Disney. As meninas e eu –depois do choque total – fizemos uma lista sobre os principais filmes que essa menina precisava assistir. Fizemos até uma playlist com todas as músicas essenciais e eu a enviei pra ela decorar. Lembro como se fosse ontem quando ela mandou no gupo "meu Deus, o Buzz e o Woody vão conseguir escapar?" e nós morremos de rir da reação dela. Depois de uma aula completa sobre Disney, mudamos de assunto, mas toda vez que essa informação volta para a minha cabeça, eu caçoo dela por isso. Quem nunca viu Toy Story?
Nenhum de nós pegou no celular desde que ele chegou aqui. Quero dizer, até agora, quando ele retira o aparelho do bolso e sua feição muda completamente. Antes ele estava calmo e sereno, dando risada de tudo o que conversávamos; mas agora parece que está sendo atormentado por algo que não quer enfrentar.
"Está tudo bem?" pergunto genuinamente preocupada.
Seus olhos pousam no meu e ele estica as pernas gigantes para frente. Com um sorriso triste, balança a cabeça fazendo que sim.Não acredito.
"Quem está mandando mensagem?" E então, a ideia passa pela minha cabeça. A vergonha toma conta de mim e desvio o olhar, incapaz de continuar olhando para seu rosto.
"O que foi?" John pergunta, preocupado.
"É alguma namorada?"
John esboça uma expressão assustada que, primeiro, me deixa em pânico. Ai não, o cara namora. Logo em seguida, ele ri, me deixando confusa.
"Não", ele diz entre o riso. "Estou solteiro, graças a Deus." E põe os braços atrás da cabeça.
"Então quem é?" Minha curiosidade não me deixa mudar de assunto e a forma como ele reagiu ao encarar o telefone, ainda me preocupa.Ele suspira.
"Ex", revira os olhos "ex namorada".
Suspiro fundo. Certo. Ele tem uma ex. Ele tinha me dito de uma ex, mas não sabia que era tão ex assim. É uma ex recente. Uma ex que pelo visto é bem atual, ou então ele ainda tem sentimentos por ela. Tudo bem ter sentimentos pelo ex, porque é normal. Tipo assim, a gente viveu um monte de coisa. E tem horas que surge uma lembrança na cabeça sobre risadas no fim da noite, sentados no sofá e comendo macarrão. Ou pizza. Ou pizza e macarrão. E os domingos de manhã, ah... Os domingos de manhã sempre foram meus dias favoritos da vida! Porque Leo me acordava com calma, café na cama, beijos pelo corpo e...
"Terra chamando Lia!" John balança uma mão na frente do meu rosto sem parar. "Nossa, para onde você foi?" Pergunta, cruzando as pernas.
Saindo do transe do passado, sinto a vergonha subir pelas minhas bochechas. Merda. Fazia tempo que eu não pensava no Leonardo, por que isso veio a tona agora? Só porque eu ouvi a palavra "ex"?Cruzo os braços. Estou frustrada.
"Desculpa. Você falou de ex e eu acabei lembrando do meu." Assumo.
John levanta uma sobrancelha. Algo passa pelo seu rosto, mas não consigo identificar o que.
"Quer conversar sobre isso?"
"Na verdade, não. Mas quero conversar sobre isso" aponto para seu celular, que está com a tela acesa porque recebeu outra mensagem.Olhando para o aparelho, John revira os olhos.
"Ela é incansável. Acha que se ficar mandando quinhentas mensagens por dia, eu vou perdoar e do nada, tudo vai estar bem e nos trilhos de novo. Não sei mais quantas vezes preciso dizer não."
E se levanta.
Pega os dois baldes de frango agora vazios, os copos que usamos, os guardanapos e vai em direção a cozinha. Escuto o barulho do lixo abrindo, depois fechando. A torneira foi aberta, porque tem barulho de água caindo na pia. Depois de uns segundos, não escuto mais nada.
Paciência é uma virtude que tenho. Sou calma, tranquila e paciente no máximo. As meninas vivem dizendo isso. Consigo olhar pra uma situação preocupante e simplesmente dizer: vai dar certo. Não é como se eu soubesse de tudo e tenha certeza absoluta de que vai dar certo. Mas porque eu sei que, de alguma forma ou outra, vai dar. É a vida, certo? Tem que dar.
Então, não me irrito com a demora de John para explicar a situação que tanto o incomoda. Na verdade, não sei se ele vai, apesar de querer que ele explique porque aí, ele vai estar demonstrando que confia em mim o suficiente para me contar o que está sentindo.
Não sei porque a ideia de precisar que ele confie em mim vem a tona. Nós nos conhecemos há 2 dias. Esse sentimento de pertencimento e urgência, são duas sensações que não estou acostumada a sentir.
Sei que homens não são de falar muito sobre seus sentimentos. Não sei por que quero tanto que esse menino confie em mim, mas sinto uma vontade absurda de estar aqui por ele.Vou até a cozinha, pisando calmamente para não assusta-lo. Ele está parado de frente para a pia, olhando pela janela. Acho que viu meu reflexo, porque suspirou. Deu a volta e encostou as costas, o pano de prato no ombro. Encosto minha cabeça na porta, o corpo encostado nela e o observo. Cruzando os braços, ele diz:
"Eu já te contei a história. Namorávamos há quase quatro anos e ela me traiu. Com o meu melhor amigo."
Assinto.
"E agora ela quer porque quer que eu a perdoe e que a gente esqueça isso."
Assinto novamente.
"A questão é que eu jamais perdoaria traição. Primeiro porque nada justifica, segundo porque foi com o meu melhor amigo, porra. Terceiro porque sinto que meu coração não é mais dela."E aí minhas pernas falham e quase caio de cabeça no móvel de frente a porta.
John ameaça sair de onde está para vir me ajudar mas eu levanto uma mão em sua direção demonstrando que estou bem.
"Você esta bem?" Ele pergunta preocupado.
Gaguejo.
"ÓTIMA!" vejo que minha voz saiu mais alta que o esperando e tusso tentando fazer com que ela volte ao normal. "Ótima", repito. "Mas olha que coisa, as horas!" e aponto para a parede. A parede da cozinha. Aquela que não tem relógio nenhum.
John acompanha meu olhar e, depois de observar a parede que não tem relógio nenhum, se volta para mim. Sua sobrancelha está levantada e ele repete o que eu disse.
"As horas", assente.
"As horas, elas voam" e olho para o meu punho. Que por sinal, adivinha. Também está sem relógio.
Merda.E aí, olho para a janela.
"Olha como está escuro, com toda essa falta de luz e tudo mais." Digo rápido.
Ele olha para trás, para poder encontrar a janela e solta uma risada baixa. Ele entendeu, não é burro.
"A falta de luz que o sol deixa quando vai embora, né?" Pergunta, divertido.
Balanço a cabeça que nem maluca concordando.
"Uma loucura. Sempre disse. O sol vai embora e puf, escuridão total. Uma coisa." Falo desenfreadamente, minha característica de quando estou nervosa.
"Certo", ele responde.
"Então", eu digo.
"Então", ele repete.Suspiro.
"A gente se vê outro dia", finalmente falo, indo até a mesa da sala e pegando suas coisas. E por suas coisas eu me refiro há uma chave e um celular. O cara veio só com isso e meio quilo de frango frito.
John parece não querer insistir, como se soubesse que não vamos sair disso que estamos no momento. Olha para a minha mão estendida com seus objetos e depois olha para mim. Uma risada escapa de seus lábios e então ele pega suas coisas.
"Boa noite, senhora-boa-educação" e beija minha bochecha. Rio do apelido.
"Boa noite, sol" escapa da minha boca, antes que eu tenha a chance de segurar. Assim que escuto o que eu digo, arregalo os olhos e encaro-o, porque não sei o que mais eu poderia fazer no momento.
"Sol, é?" ele repete, sorrindo.Engulo em seco. Tento disfarçar o olhar, olhando para qualquer outro lugar.
Muitos segundos de silêncio.
Eu acabei de chamar o cara de sol?
Se eu arregalar mais os olhos, vou distender os músculos da cara. Da pra distender os músculos dos olhos? Os olhos tem músculos?
Ele continua sorrindo pra mim. Ele tá se divertindo um monte.
Merda."Então! Tchau!" o empurro até a porta.
Ele até tenta se virar e devolver o meu "tchau", mas eu bato a porta na cara dele.
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Todas as estações depois.
Romance"'O amor é vendaval, Lia.' Essa frase não saia da minha cabeça. Só não contava que esse vendaval acabasse comigo." Quando sua vida desmorona da noite para o dia, Lia precisa lutar com todas as forças para se manter de pé. Uma perda irreparável faz...