Entre a revolução e a fuga

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   O capitão não podia simplesmente ir embora, não daquela forma.

   Talvez o coronel não soubesse tanto sobre o que os dois sentiam, mas eles sabiam, e embora Luccino tivesse negado esses sentimentos a Otávio, dizer que não os tinha seria a mais fajuta de suas mentiras. Entre sentimentos e perguntas, Luccino não dormiu a noite, pois sua mente se ocupava em pensar nele, em seu capitão.

  Ele se dava a arrogância de chamar Otávio de seu, mas nem mesmo o possuía, já que o havia rejeitado. Mas ele pensava, em tudo, em como ir embora, pra onde iriam, o que seria deles...E de repente, a idéia de uma vida com Otávio — e apenas com Otávio — lhe acariciava o rosto e as idéias. Mas se agora ele queria essa batalha, precisava que Otávio também lutasse.

  E foi com gotas de coragem que ele se moveu até o quartel, onde Otávio já arrumava suas coisas, de tanta pressa que tinha, queria se ver o mais longe possível daquele maldito Vale do Café. Com ou sem Luccino, ali ele não ficaria.

Roupas dobradas e colocadas na mala com rudeza faziam um barulho que intimidou Luccino, que estava a porta do dormitório de Otávio, que ele dividia com algum outro colega de farda.

— Vejo que não perdeu a mania de querer fugir de mim. — Luccino adentrou o quarto, indo sem defesas em direção a Otávio, que não virou-se para ver o italiano, apenas levantou a cabeça e se manteve de costas, em defesa de si.

— O que faz aqui ? Deveria estar na oficina. — Disse, seco e áspero.

— Eu vim me entregar. — Luccino se aproximou mais, mesmo que Otávio não percebesse. O italiano se frustou com a frieza do Capitão, mesmo sabendo que a merecia, mas ele não estava pronto pra ela. Do mesmo modo que ele tomou sua ferramenta no dia anterior, Luccino tomou o quepe de sua mão, o fazendo virar para si.

— Se entregar pelo quê ? Não temos nada. — Otávio tentou feri-lo, mas a verdadeira ferida estava em seus olhos, que não suportavam a imagem de Luccino a sua frente.

— Que eu lembre, eu tinha deflagrado uma revolução dentro de você, fui convidado a enfrentar junto uma batalha, mas vejo que o senhor foge dela como foge de mim. — Luccino segurava o quepe na mão bem ao lado e sua cabeça, Otávio agarrou o objeto e fitou Luccino com rancor.

— É muito atrevimento você vir aqui dizer que eu estou fugindo de você, sendo que quando eu quis ficar perto, foi você que me mandou embora. — As palavras do Capitão eram ferinas e Luccino sentia que merecia todas elas.

— Você está certo, eu fugi de você e então você fugiu de mim. — Luccino se aproximou de cabeça baixa. — Mas eu estava com medo, nada disso nunca aconteceu comigo.

— Nada disso o quê ? — Otávio baixou a guarda e olhou para Luccino.

— Ninguém nunca gostou de mim antes. — Luccino encarou Otávio. — Ninguém nunca se interessou por mim e nem mesmo pensou em sacrificar qualquer coisa por mim antes, e você querendo abandonar tudo isso por minha causa, eu...eu me assustei.  — O italiano se explicou, na esperança de que pudesse recuperar as graças de Otávio. — Eu não queria que você deixasse tudo que tem pra viver algo incerto comigo.

— Pois de nada me vale permanecer aqui se não for pra ter sua companhia, para te ver na rua e não poder falar com você. — Otávio tentava manter sua voz firme e rancorosa, mas não conseguiria resistir aos olhares puros de Luccino. Eles o deixavam vulnerável a qualquer coisa que quisesse, se Luccino usasse aqueles olhos para pedir-lhe que incendiasse o quartel, ele o faria.

— Eu sei, também não suportaria viver tão perto de você depois de tudo que conversamos. — Luccino se aproximou mais um passo, ficando cada vez mais próximo do Capitão. — Mas eu também não posso viver longe de você. — E sem ao menos controlar, Otávio sorriu, o rosto esquentando ao ver as bochechas de Luccino coradas pelo que havia dito.

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