CAPÍTULO TERCEIRO

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Corpo, mente e alma

Acordei cedo, empolgada, comi bastante e falei com minha mãe sobre treinar com o Ante. Foi difícil de convence-la. Beth ficou feliz com isso. Parece mesmo que elas já ficaram amigas, incrível. Saí pela descida quase pulando, até esqueci que estava com uma faixa gigante na minha cabeça, as pessoas perguntavam se eu estava bem, eu estava. É muito ruim enxergar com um só olho, tudo fica mais limitado, mas minha mãe disse que meu outro olho vai ficar bem com o tempo, então não me preocupei. Vi algumas crianças brincando, nem todas foram levadas.

Mais tarde, Ante realmente começou a me treinar, foi bem lento nesse dia, até porque eu ainda estava machucada. Ele me mostrou como segurar uma espada, bem, era um pedaço de pano enrolado até parecer uma espada, devia ser engraçado ver eu batendo no ar com aquilo. Tem que segurar como se o peso estivesse no meio da suposta espada, então os movimentos sempre redondos, como se estivesse presa num ponto do ar, difícil. Ante não tinha tanto tempo, então me deu a espada-pano para praticar, ou como ele disse: brincar.

No dia seguinte aprendi a me mover, os pés precisam estar distantes um do outro e virados para cada um dos sois, isso é muito divertido. Meu pai tentou me ensinar a usar um arco e um Vadursus, mas nunca consegui fazer ele fincar certo na árvore, tinha que jogar com a mão virada pra ele ficar preso quando bater em algo e servir de guia, espadas parecem mais fáceis. O garoto que me machucou, Morietur, passou por nós, olhou por um segundo pra mim e continuo seu caminho, idiota. Ante adorava falar coisas engraçadas quando eu fazia algo errado e me fazia perder toda a concentração e rir. Acho que eu estava me divertindo mais do que aprendendo.

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Foram dias assim, uma ou duas vezes por dia ele vinha e me ensinava alguma coisa: atacar, defender, até fugir tem a forma correta. Certa vez, ele me deixou segurar uma espada de verdade, era completamente diferente, mal conseguia fazer um movimento redondo por causa do peso. Acho que foi aí que notei que no fim ele não estava me ensinando para lutar de verdade, era só pra me deixar feliz. Mas não falei sobre isso, era tão legal que não importava, apesar de eu estar preocupada com a Soror. Como o Ante estava passando bastante tempo comigo, vi outros guerreiros chamando ele ou até olhando torto. Um dia um cara de cabelo bem preto, tinha espécies de uma franja, mas dividida no meio - parecia uma vasilha – parou na entrada da nossa pseud. casa na caverna e apenas ficou olhando, sem falar. Ante se endireitou rápido, fez sinal de continência e foi com ele. Imagino que seja um guerreiro de nível muito alto, até porque geralmente eles tem o cabelo raspado, então deve ser importante para poder usar o cabelo como quiser.


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Papai apareceu! Ele chegou de manhã, dessa vez não estava molhado, então deu um abraço bem bonito na mamãe. Ficou assustado quando me viu, ajoelho-se na minha frente e perguntou o que aconteceu, eu contei. Ele ficou bravo, não comigo, pelo menos acho que não, apenas ficou bravo. Conheceu a Beth e disse que já viu o filho dela e que todos estão se saindo bem, inclusive Soror e Codrim. Minha mãe ficou muito feliz ao ouvir isso. Ele não quis comer, tinha pouco tempo, como sempre. Mas trouxe alguns panos mais sofisticados para dormir, era melhor que em casa até. Então ele se despediu de novo, prometeu voltar uma semana depois e me disse pra tomar mais cuidado e não se meter com aqueles moleques, foi assim mesmo que ele disse: "aqueles moleques". Sentia saudade dele.

Mais tarde fui até o lugar em que Ante vigiava, como todos os dias, para treinar. Quando me viu chegando, afinou os lábios e arqueou as sobrancelhas, já imaginei o que poderia ser.

- Asi... Sinto muito, não posso mais te treinar. – Disse Ante com um pesar na voz.

- Foi o meu pai? – Respondi, abaixando os ombros.

- Olha, ele além de ser meu amigo, está acima de mim. Lembra da promessa que me fez? Eu tenho quase a mesma com ele, então, tenho que obedece-lo, você entende não é?

Olhei para o chão, respirando fundo. Nada que eu fizesse iria mudar isso, Ante já havia feito muito por mim. Ele continuou:

- Foi divertido, Asi, e acho que de certa forma você aprendeu bastante não é? Se precisar conversar, eu ainda vou estar aqui. – Concluiu com a mão no meu ombro. – Da próxima vez, você que tem que me ensinar!

Olhei confusa pra ele. Ele explicou:

- A prigritia, lembra? Disse que ia me ensinar a montar.

- Era sério? Achei que você estava brincando que não sabia. – Respondi feliz.

Ele apenas fez um "Shiii", com um sorriso.

Olhei para dentro do corredor de pedras que o Ante protegia, todos iam de um lugar para o outro sem parar. Bem no fundo, dava para ver mais pessoas ainda passando, sempre pareciam apressados e preocupados.

- Ante, posso te fazer uma pergunta?

- É claro Asi, manda! – Respondeu ele, animado.

Hesitei um pouco. Firmei minha sobrancelha, fitei meus olhos nos dele e perguntei:

- Soror, Codrim, todas as crianças, papai e até mesmo a prigritia. Nenhum deles está seguro, não é?

Ele mudou a expressão, permaneceu em silêncio e então se abaixou. Segurou minha mão, todo esse tempo sem nem mesmo piscar. Então fechou os olhos, virou a cabeça para baixo. Voltou o olhar a mim e respondeu:

- Nenhum de nós está.

ASINUS PRIMAOnde histórias criam vida. Descubra agora