CAPÍTULO QUINTO

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Tormento em fuga

D-E-U-S, não podia acreditar, Ante... morreu? Como conseguimos fugir daquele jeito? É como se eu tivesse acordado só quando tudo já acabou, o melhor amigo do papai... Papai... Não sei o que aconteceu com ele. As coisas começaram a voltar à minha mente: O choro das crianças, os movimentos da prigrita, lentos e desalinhados, o vento gelado no meu rosto. Não, não era o vento que estava gelado, eram as lágrimas, sentia elas até no olho coberto e machucado, ardendo. Fechei meus olhos, tentando me fazer acreditar que aquilo aconteceu. O que... o que vamos fazer? Eu perdi tudo, não... As crianças... elas perderam mais, eu falei ao vento:

- Vai ficar tudo bem!

Nem podia acreditar nas palavras chorosas que saíam da minha boca, mas era a única coisa que eu poderia fazer enquanto galopávamos para lugar nenhum.

O céu ficara claro, o sol ofuscava minha visão limitada, então tirei os panos do olho direito, soltei os trapos ao vento, com raiva, então abri meu olho. Doía muito, como se estivesse despregando a pele, mas conseguia enxergar, um pouco distorcido ainda. Cavalgávamos o mais rápido possível, mas eu sabia que teríamos que parar a qualquer momento, prigritia estava machucada e as crianças chorando. O terreno amarelo e azul que saíamos se transformou em verde e branco, a terra era clara a ponto de refletir o sol, o gramado, úmido, mas parecia fofo.

Quando não conseguia mais ver a domum ao longe, paramos. Soror ajudou Codrim a descer, a prigritia deitou, cansada. Eu deitei no gramado, mesmo parecendo molhado, não estava. Quase não havia nuvens no céu, poucas montanhas ao fundo, pequenas arvores, com galhos brancos e folhagem bem viva. Hoje sei que deitada naquela grama, eufórica e chorando, desisti de tudo, pedindo aos céus que nada daquilo fosse verdade, mas aprendi com o tempo que essa dor é o único sentimento real, por isso é tão diferente e difícil de aguentar. Mas não podia desistir, não era sobre mim.

Depois de descansar, procurei por água e puxei algumas folhas do gramado para ajudar a prigritia. Ela ficou cheirando o machucado na perna direita, chorou quando coloquei a água, as crianças ficaram acariciando ela, consegui amarrar e então ela deitou e dormiu. Podia ser perigoso ficar num campo aberto assim, mas o terreno que paramos era mais alto, dava pra ver tudo em volta, caso pessoas ruins aparecessem daria tempo de fugir. Jamais esquecerei o olhar do Codrim e da Soror. O choro parara, suas pupilas pareciam menores, com o olhar vazio, rostos brancos e lábios secos. Ver alguém morrendo na sua frente, nem posso imaginar o que isso causou neles. Agora, só têm a mim, que nem sei o que fazer, preciso mudar isso.

Abrir a saca que Ante havia me dado me fez voltar a chorar, ele pegou a espada de pano que me ensinou a usar. Além disso, também tinha comidas e vasilhas, pude encher com água das pequenas poças mais perto, limpas e claras. Dava pra ver o céu refletindo nitidamente. Vi meu rosto no reflexo, ficou uma cicatriz na bochecha até a testa, e meu olho estava com um corte branco distorcendo o verde. A última vez que eu me vi, estava com Ante, acho que foi só nesse momento que comecei a encarar a verdade, além dele, não sei o que aconteceu com o meu pai, nem o que vai acontecer com minha mãe e a Beth, não tinha ideia como dizer isso ao Codrim.

Soror sentou ao meu lado, em frente à poça.

- O que aconteceu com seu olho? – Perguntou ela preocupada.

Movi a cabeça como um sinal de "não" e respondi:

- Foi culpa minha.

- Eu machuquei o braço. – Soror arriou a manga e mostrou um corte, estava cicatrizando.

- Soror! Nossa, o que aconteceu lá? Vocês tiveram que lutar? – Só nesse momento me toquei que não sabia o que eles passaram todos esses dias.

ASINUS PRIMAOnde histórias criam vida. Descubra agora