Capítulo 3

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Zapeio os canais de TV, tentando algo para assistir enquanto como o sorvete de flocos.

Minhau está enroscada em minha perna, dormindo tranquilamente. Sim, para quem ainda não entendeu, a minha gata se chama Minhau. É, não sou muito criativo com nomes. Isso sem contar que ela é o primeiro animal que tive. A trouxe para morar comigo logo após a morte do meu pai, já que a casa estava vazia e eu me sentia extremamente solitário. Enquanto passava por uma feira na cidade, acabei vendo alguns animais para adoção e Minhau estava entre eles, com aqueles olhos de Garfield quando vê lasanha. Não me contive e a trouxe para casa.

Passo as mãos pelo seu corpinho gordo e ela ronrona.

Estou entediado e frustrado. Passei a manhã inteira na rua procurando um emprego, mas os donos dos estúdios nem ao menos olharam meu portfólio. Todos alegavam estar com gente demais.

Desisto de tentar encontrar algo para assistir e vou até o meu estúdio. O lugar é cheio de quadros nas paredes que eu mesmo desenhei, rascunhos inacabados e um cheiro de tinta que me traz uma sensação reconfortante.

Eu amo o que faço! Seja desenhar na pele, ou na tela, o prazer de ver as cores ganhando vida, e os desenhos em forma, é indescritível. Quando decidi estudar artes nem tinha em mente ser tatuador. Sonhava em ser uma artista como Romero Brito, que, através das cores vibrantes, conseguia transmitir alegria. Mas cada vez que ia ao estúdio para fazer uma nova tatuagem e levava os meus próprios desenhos para alguém reproduzir na minha pele, saia de lá querendo trabalhar com aquilo, ansioso em marcar a vida das pessoas com o que elas amam, que tenham significado para elas. Ver o rosto de felicidade e satisfação de cada pessoa não tem preço.

Durante esse tempo, já peguei muitos casos que me emocionam e isso faz todo o trabalho valer a pena. Certo dia, por exemplo, uma mulher veio até mim e sentou-se na minha frente com as mãos trêmulas. Com o rosto banhado em lágrimas, me pediu para que escrevesse na parte superior do seio dela a frase: "Live in me". Quando conseguiu se acalmar, ela me contou que estava doente e precisava de um coração novo ou morreria. Estava na fila de espera há meses, já sem esperanças de conseguir. Até que o esposo, o homem que ela escolheu para passar o resto dos dias, sofreu um acidente de carro. Ele teve paralisia celebral e, como era doador de órgãos, fizeram um teste para ver a compatibilidade. Assim foi feita uma doação direta, permitindo que, desde então, aquela mulher sem esperanças passasse a viver... Com o coração do homem que amava.

Essa triste e trágica história de amor me emocionou de tal forma que precisei de alguns segundos para me recompor e começar os trabalhos.

Ele foi o fôlego de vida para ela...

Presenciar ela sorrir em meios às lágrimas ao terminar de fazer a tatuagem foi... Inexprimível.

Por isso não posso desistir, preciso continuar fazendo o que amo.

O mais importante para mim nunca foi apenas marcar a pele de alguém com tintas, traços e desenhos, mas sim exprimir aquilo que existe dentro do coração de cada um. Isso move o meu mundo.

Pego uma tela em branco e a coloco no cavalete. Lembrar-me da história daquela mulher me deixou melancólico, e isso sempre me inspira, por mais mórbido que possa parecer. Plugo o aparelho celular na Dock Station e coloco a música Warrior, da Aurora. Olho para tela e deixo que a inspiração flua livremente.

I can't recall last time I opened my eyes to see the world as beautiful
(Não me lembro da última vez que eu abri meus olhos para ver o mundo tão bonito)
And I built a cage to hide in
(E eu construí uma gaiola para me esconder)
I'm hiding, I'm trying to battle the nigth
(Eu estou escondendo, eu estou tentando combater a noite)

Odiável Vizinho. {kth+jjk} {taekook/vkook} Onde histórias criam vida. Descubra agora