Capítulo XXXI

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    Os céus choravam tanto quanto eu. Me vi de volta à minha adolescência, a manhã escura e chuvosa para mim era condizente aos meus sentimentos. Todos estavam presentes: amigos, família, até minha mãe veio, e eu nem sei quem a chamou. A família Uchiha se ofereceu a custear tudo, e eu não tive cabeça para recusar, não conseguiria cuidar de burocracias nesse momento.

    Respirei fundo e pela primeira vez me encorajei a aproximar da caixa a minha frente. Os cabelos ruivos estavam soltos, ela usava seu vestido favorito, a maquiagem tentava disfarçar a palidez, mas ela não tinha mais cor, não tinha mais brilho e nem um sorriso contagiante. Mesmo assim, estava linda, e tudo que consegui fazer foi segurar sua fria mão.

    –Você a deu tudo que ela sempre quis, a vida dela foi perfeita ao seu lado, sinta-se feliz em ter feito de seus últimos dias a vida dos sonhos. – minha mãe disse colocando a mão em meu ombro e encarando o rostinho angelical a nossa frente.

    –Ela me ensinou um amor que nunca havia sentido antes, deu sentido e uma razão para me manter viva, por ela eu tinha que voltar para casa todos os dias. Como eu vou seguir agora? – falei baixo e com a voz embargada. Minha mãe secou uma lágrima no canto de seu olho.

    –Olha Sakura, ela sempre estará no seu coração, sempre será sua menininha. Viva por ela, por todas as vezes que ela te mostrou o amor, mostre a ela que você aprendeu. – e me abraçou. Não recuei nem retribui, apenas senti o calor dos braços de Mebuki a minha volta. Um dos pedidos de Moegi foi que eu não ficasse brigada com minha mãe, e assim o farei.

    Ela logo se afastou me deixando novamente sozinha ao lado do caixão. Kakashi estava por perto mas não se aproximava, provavelmente tinha algo a dizer mas agora não era hora. Sasuke havia ido comprar algo para me forçar a comer, então aproveitei esse momento para ficar sozinha com o corpo.

    Tantas lembranças, tantos sentimentos, uma angústia que parecia não ter fim. Me lembrei da garotinha assustada quando a peguei para mim depois da morte de seus pais, melancólica, nos primeiros dias Moegi mal falava. Aos poucos fui tomando mais e mais sua confiança, sempre a conheci mas me mantinha afastada por causa dos negócios, ela não estava habituada a mim e mesmo assim me amou como uma filha. Lembrei de seu enorme sorriso ao ver seu quartinho de princesa, com uma cama enorme que parecia um castelo e vários brinquedos, ela nunca teve muito com o que brincar, minha irmã escolheu dar a ela uma vida humilde quando fugiu.

    –Você gosta de donuts? – Sasuke me perguntou entregando uma pequena caixa de donuts.

    –Eu não estou com fome.

    –Mas você vai comer. – respirei fundo, me inclinei para dar um beijo na testa fria de Moegi e me afastei com Sasuke para comer. 

    Sentamos em um banquinho afastado da capela em que o corpo estava sendo velado e abri a caixinha de donuts, um de chocolate e um de baunilha.

    –Nenhum de morango? – perguntei pegando a Coca-Cola que só então ele me entregou.

    –Eu sei que não gosta.

    –E sabe como? – perguntei realmente curiosa

    –Moegi e eu fizemos uma lista de tudo que sabíamos que você gosta e o que não gosta. – ele falou esfregando os olhos e a voz um pouco embargada, e eu dei um sorriso fraco.

    –Ela me salvou em todos os sentidos, até o último instante. 

    –Ela salvou a todos nós. – uma lágrima escorreu de seus olhos e pude ver que Sasuke correspondia verdadeiramente o carinho que ela tinha por ele. 

    –Não sei se consigo voltar à Califórnia... – comecei a falar mas fui interrompida por Sasuke.

    –Nós não vamos voltar por agora, não dá. Minha casa não será a mesma, vou levar um tempo para conseguir voltar sem ela por lá, jamais pediria isso para você também. – não respondi, apenas o abracei. Ficamos ali em silêncio apenas sentindo a dor um do outro e tentando acalmar. Ino veio nos procurar dizendo que iria enterrar agora. Concordei e segurei a mão de Sasuke, buscando forças.

    O caixão menor que os normais foi acompanhado por meus amigos, que choravam muito, alguns entes da família, Mikoto e Fugaku, e atrás eu e Sasuke de mãos dadas. A caixa de madeira foi colocada ao fundo da cova, todos jogaram flores lindas e mal se aguentavam de emoção, o clima era pesado, Moegi era muito querida por todos. Eu fui a última, me ajoelhei perto e sussurrei enquanto jogava sua flor favorita, o lírio cor de rosa, "agora é por você, Moegi, eu te amo". 

    Fiquei até o último grão de terra cobrir todo aquele buraco frio em que meu grande amor estava enterrado, sentindo um terrível vazio. Em meio as nuvens o sol brilhou, incomum em Seattle, olhei para o céu e uma gota caiu em meu rosto, se misturando com minhas lágrimas. Era para eu ter sido atingida, o tiro não me mataria, tudo estaria certo, ela estaria aqui comigo, viva, e eu estaria mais viva do que me sinto agora.

    Kakashi parou ao meu lado e ficou em silêncio.

    –E Sasuke?

    –O convenci a ir com seus pais de volta ao hotel.

    –Ótimo. E então, o que foi?

    –Tenho que te levar em um lugar, mas quero saber se está pronta.

    –E o filho da puta, o que aconteceu com ele? Simplesmente fugiu?

    –Ele estava ferido, Itachi o socorreu e por isso eu preciso te levar a um lugar.

    –Então vamos.

    –Mas antes... – ele deu uma pausa me estendendo uma arma cromada, era de Sasori, eu a reconhecia de longe. Suspirei e a peguei. – Agora podemos ir.

     Meu vestido branco estava sujo, meu rosto limpo de maquiagem, vermelho e inchado, eu estava um caco. O ódio tomou o lugar da dor, sequei os olhos e a passos firmes segui Kakashi até o carro, já prevendo o que estava por vir.

Hellraiser - Aceite a escuridão ou lute contra elaOnde histórias criam vida. Descubra agora