O horário marcado para se iniciar as buscas era às 18 horas. E um pouco antes do horário, Carlos passou mais uma vez os detalhes do seu plano mentalmente. Era um plano bem simples, que dificilmente falharia, que consistia em esperar que Marcos e a mulher saíssem da casa, e com isso poderia entrar e tirar a Nádir dali, levando-a directamente à esquadra do bairro, no qual os policiais tomariam conta do resto.
Faltando apenas meia hora para as 18h00, Carlos saiu de casa a pé. A casa da Nádir ficava a poucos quarteirões da sua, não era necessário ir de carro. Em poucos minutos estava em frente à casa. Então apenas esperou.
As 17h50, Marcos e a esposa saíram de casa, provavelmente iriam para a frente da Faculdade, para organizarem as buscas. No momento em que o carro do casal desapareceu do estacionamento, Carlos atravessou a rua e seguiu tranquilamente até a porta da casa.
Em poucos minutos havia aberto a porta da casa e entrou, deu um golpe de vista em tudo o que estava a sua volta.
Tudo estava no mais completo silêncio e com o pôr do sol, aos poucos a casa entrava na mais completa escuridão. Mesmo com uma pequena quantidade de luz solar que ainda entrava pela janela, achou melhor ligar sua lanterna para não correr o risco de tropeçar em nada.
Caminhou devagar, foi até a sala. Novamente desencadeou uma taquicardia. Finalmente estava ali, prestes a salvar Nádir. Com muito cuidado, levantou o tapete velho, até que todo a cave ficou visível. Porém teve uma surpresa. Havia um grande cadeado na porta da cave, que não havia visto na noite em que esteve na casa e nem no dia anterior, quando visitou a casa.
Provavelmente, Marcos colocou o cadeado, para evitar que Nádir fugisse enquanto estavam fora.
Sem perder tempo, começou a tentar abrir o cadeado. Percebeu que infelizmente, abrir um cadeado era mais complicado que abrir uma porta, mas não desistiu. O suor descia pela sua testa, caindo algumas gotas sobre a madeira da cave. Em alguns minutos ouviu-se o barulho do cadeado a abrir-se e junto com o barulho foi possível ouvir outro, porém este vinha das suas costas. O Carlos tentou se virar, mas foi impedido por uma pancada forte, na nuca.
Carlos caiu no chão e tudo ficou escuro. Havia perdido a consciência...
A dor que sentia em sua cabeça era terrível e só aumentava à medida que retomava a consciência. Aos poucos percebeu que se movia
rapidamente e pode ouvir o barulho do motor de um carro, constatando que estava no banco de trás de um carro. Suas mãos estavam amarradas para trás e tentando se livrar viu que era impossível, devido o espaço ser bem limitado. Então simplesmente ficou imóvel, concentrado no barulho a sua volta. Não era possível ver quem conduzia o carro, uma vez que estava virado em direcção ao banco do carro e a única coisa que percebeu era que estavam em uma estrada de terra, devido aos movimentos bruscos realizados pelo carro.
Depois do que pareceu ser uma eternidade, o carro parou de se mover. O motor foi desligado e pode ouvir o barulho da porta do motorista sendo aberta. O silêncio novamente tomou conta do ambiente, sendo possível ouvir somente o barulho de grilos, que cantavam por todas as partes. Carlos permaneceu calmo, procurou controlar a respiração ofegante.
O som que se seguiu foi assustador, pois era o barulho feito por uma pá cavando um buraco, o que fez Carlos pensar que havia chegado o seu fim, pois com certeza aquela cova seria destinada a ele. Carlos nunca pensou em como seria a sua morte, mas com certeza nunca imaginou que seria daquela forma.
Os barulhos pararam e pode ouvir passos que vinham para perto do carro. A pessoa havia retornado para o porta-bagagem, mas agora retirava algo grande de seu interior, que caiu no chão. O objeto foi arrastado com muita dificuldade para longe, em direção ao local onde se cavou o buraco anteriormente.
Carlos conseguiu escutar claramente quando o objeto foi atirado dentro do buraco, o que mostrou tratar-se de um corpo. Carlos entrou em pânico. Aquela pessoa que bateu em sua cabeça havia matado alguém e estava enterrando o corpo. Sem perder tempo começou a chutar a porta com os pés. Suas mãos estavam bem presas e não conseguia liberta-las. O desespero o havia dominado, tudo que queria era fugir dali, sem olhar para trás.
Lágrimas começaram a descer pelo seu rosto, de início devagar, mas que pareciam uma cascata em pouco tempo. Aquilo não podia estar a acontecer, só podia ser mais uma visão, bem real, que estava tendo, mas no fundo sabia que não era uma visão, era real. O cheiro do banco do carro em que estava, o calor emitido
pelas lágrimas que desciam pelo seu rosto, a dor em sua nuca, o barulho do corpo sendo arrastado e atirado ao buraco, tudo era real. Simplesmente, real.
Atraído pelo barulho feito pelo ataque de histeria de Carlos, os passos se aproximaram novamente do carro.
Imediatamente a porta de trás se abriu e o Carlos sentiu seu corpo ser puxado por uma mão forte para fora do veículo. Seu corpo foi atirado com toda força no chão e a dor o atingiu, quando a pele do rosto entrou em contato com os pedras que haviam no chão, fez um corte em seu braço. O sangue escorreu pelo braço todo.
Carlos, com muita dificuldade, conseguiu se virar e observar a pessoa que estava parada em pé ao seu lado. Era Marcos Ronin. O padrasto da Nádir exibia um sorriso no rosto enquanto o observava friamente. A luz do luar revelava um Marcos sujo de areia e suado, com uma camisa da Berry preta e calças jeans.
− Finalmente a bela adormecida acordou − disse Marcos com um tom sarcástico.
− O que você está fazendo? Me desamarre! – gritou Carlos enquanto se debatia, tentando desatar o nó da corda que prendia seu braço.
Marcos se agachou próximo ao Carlos e ainda olhando-o com um olhar fixo, disse:
− Me desculpe, mas você sabe que eu não posso te soltar.
Eu aconselho você a ficar bem quieto, se não as coisas podem se complicar− disse Marcos, de seguida sacou uma arma que estava na sua cintura.
− Você é um louco! Por que está fazendo isso? Por que está mantendo a Nádir naquela cave? − Enquanto falava, Carlos sentiu que sua voz falhava e um grande aperto na garganta o impediu de dizer algo mais.
Marcos levantou-se novamente e olhou para a direcção onde havia um grande buraco, no qual cavou com uma pá, que ainda se encontrava cravada em um monte de terra.
− Por que vocês sempre tem que se meterem nos assuntos dos outros? E depois reclamam quando ocorre algo de errado. Você não sabe de nada. Eu não prendi a Nádir para lhe fazer mal. Eu a prendi para protege-la. − À medida que falava, Marcos se exaltava cada vez mais.
− Protege-la de que?
− Você não entenderia. Aliás, ninguém pode entender. O mundo é perigoso, ainda mais para a Nádir, que é tão linda − disse Marcos caminhava de um lado para outro.
− Você não passa de um... um psicopata – a raiva aumentou dentro de Carlos, que não suportava ouvir aquelas palavras asquerosas.
− Olha, a formiguinha já tem catarro. Então deixa eu te contar um segredinho... Quando eu conheci a mãe da Nádir, eu realmente me apaixonei por ela, e como não se apaixonar?
Ela era uma mulher linda, inteligente e divertida. Porém, os anos foram passando e o casamento caiu na mesmice. Chegou a um ponto em que eu queria gritar, mas não podia. Brigas após brigas eu só queria sair daquela casa e ficar o mais longe possível daquela mulher. Mas foi então que eu comecei a reparar na Nádir, que agora não é mais uma menininha e sim uma mulher feita, linda, diga-se de passagem.
− Cala a boca! Cala essa maldita boca! − gritou Carlos, que em um acesso de raiva conseguiu se levantar, mas foi impedido por um pontapé em suas pernas dado por Marcos. Novamente voltou ao chão e sentiu uma dor excruciante nas pernas.
− Agora que você sabe a minha história, eu gostaria de saber da sua. Como você descobriu? Como você soube que Nádir estava na Cave? − perguntou Marcos, atento para o caso de precisar reagir novamente.
− Não te interessa. − respondeu Carlos.
− Eu posso estar enganado, mas acho que me interessa sim.
− Eu contei tudo o que sei sobre a Nádir para o investigador Fábio. Você não vai conseguir fugir imune. Pode ter certeza disso − Carlos assumiu um ar de vitória sobre, mas que logo passou, quando este começou a rir descontroladamente.
− Desculpe por estoirar o seu balão, mas acho que o Fábio não poderá fazer muita coisa, pelo menos não do jeito que ele está agora.
Carlos não conseguiu entender o que acabou de ser dito. O que significavam aquelas palavras. Marcos vendo a expressão de confusão estampada no rosto de Carlos, disse:
− Você é muito lento.
Marcos perdeu a paciência, levantou Carlos do chão com muita violência e o levou até o grande buraco que foi cavado, o obrigou a baixar diante da enorme abertura no chão.
Foi a pior visão que o Carlos já tivera. Dentro do buraco estava o corpo sem vida do Investigador Fábio. Fábio estava quase irreconhecível, coberto por sangue. Porém, não haviam dúvidas que era ele por causa do seu porte físico e tipo de roupa. Carlos não podia suportar olhar mais para o corpo sem vida a sua frente, então rapidamente olhou para o lado, tentando evitar aquela visão. Marcos, percebendo o quanto a cena afectava o pobre Carlos, segurou a força sua cabeça e direcionou novamente para o túmulo e disse:
− OLHE! O seu grande salvador! O que você achou disso? Acho que acabei com suas esperanças, não é mesmo?
− Eu vou acabar com você... Eu juro que vou acabar com você. − disse Carlos, olhou fixamente para Marcos.
− Não se ameaça os mais velhos. Eu realmente pensei
que seus pais haviam te dado educação.
− Não fale dos meus pais, seu f... − Carlos sentiu uma raiva que nunca sentiu antes. Se suas mãos estivessem livres, nem podia imaginar o que faria com aquele homem parado ao seu lado.
− Tudo bem. Você está muito nervoso... Então... Vamos
mudar de assunto? − disse Marcos enquanto arrastava o Carlos para longe do túmulo − Vamos falar da primeira vez que eu te vi?
− Você está maluco? Eu nunca te vi pessoalmente na vida.
− Você nunca me viu, mas eu já te vi − disse Marcos que atirou Carlos no chão próximo ao carro − Depois de ocorrer todo o desentendimento com nosso amigo Fábio, combinei com minha mulher que a levaria para a porta da Faculdade para ajudar nas buscas e voltaria para me livrar do corpo e logo depois você foi a minha casa e conversou com minha querida esposa. E posso te contar algo? Se você tivesse chegado meia hora antes teria visto o meu taco de baseball em acção. Eu tinha acabado de subir com o corpo para cima, quando a campainha tocou. Eu realmente fiquei com medo de ser a polícia atrás do Fábio. Mas foi possível escutar toda sua conversa com minha mulher e fiquei interessado quando você perguntou por mim. Eu desci um pouco as escadas e pude ver você levantando o tapete. Fiquei realmente tentado a descer e te fazer uma surpresa com meu taco de baseball, mas quando eu fui ao quarto busca-lo, você se despediu e saiu. Mas eu sabia que você voltaria e o que eu encontro hoje quando chego em casa? Isso mesmo: Você! E aqui estamos nós. O destino realmente sabe das coisas, não é mesmo? Pena que a pancada que eu te dei não fez um estrago maior.
Carlos estava completamente atordoado. A Sra. Mayer havia dito que Marcos havia ido ao mercado, quando na verdade estava em casa escondendo o corpo. Carlos sentiu-se culpado pela morte do investigador. Se ele não tivesse contado tudo o que sabia, talvez ele ainda estivesse vivo e com certeza iria achar um jeito de solucionar aquele caso. Agora não havia mais esperanças. As únicas pessoas que sabiam onde estava Nádir, se encontravam ali, uma morta e a outra prestes a morrer.
− Bem, foi uma boa conversa. Mas ainda não terminei de tapar o túmulo do nosso querido amigo e ainda tenho que cavar uma para você, então... Não me leve a mal, mas temos que dizer adeus − disse Marcos retirando o revólver da cintura e o apontou para o Carlos.
Carlos olhou para o revólver apontado para si, sentiu que a morte estava próxima. Não havia mais esperanças. Eles estavam no meio do nada e ninguém poderia ajuda-lo. Os dedos de Marcos começaram a pressionar o gatilho, mas um barulho que vinha da mata tirou sua atenção de Carlos.
Tudo aconteceu tão rápido que o Carlos nem teve a chance de pensar no que ocorreu. Marcos olhou para a mata e imediatamente Carlos, com todas as forças, se levantou e bateu seu corpo em Marcos, que apanhado de surpresa, caiu no chão. Calos rapidamente correu em direcção as mangueiras, sem olhar para traz. Enquanto adentrava cada vez mais em meio às árvores, pode ouvir o grito de raiva dado por Marcos.
Ele sabia que Marcos viria atrás dele.
Então apenas continuou a correr, mas, o terreno irregular e o facto de as mãos estarem amarradas dificultavam o seu avanço. Depois de alguns minutos de correria, escutou os passos de Marcos ao seu encausto e vendo que seria pego a qualquer momento se escondeu atrás de uma grande e grossa árvore. Sua respiração estava ofegante e seu rosto coberto pelo suor. Ao pé do tronco em que estava havia uma grande rocha, no qual, utilizou suas pontas afiadas para serrar a corda que prendia seus braços.
O processo para serrar as cordas estava lento e em poucos minutos escutou a chegada do Marcos ao local.
− Não adianta se esconder. Para que fugir do inevitável? Aceite seu destino e apareça. Você não pode lutar comigo com as mãos amarradas e nem adianta correr... Estamos muito longe de casa. Você vai acabar por se perder.
Carlos continuava a serrar a corda na pedra. Estava preparado para a qualquer momento ser descoberto. Suas chances eram quase nulas, mas não podia desistir, tinha que lutar até o final, tinha que lutar pela sua mãe e pai, pelo seu amigo Edmilson, e pela memória do investigador Fábio e, claro, pela Nádir.
Enquanto Marcos falava, conseguiu serrar a corda, porém, não poderia correr. Estava encurralado. Não havia como sair de traz daquela árvore sem ser visto e muito menos sem levar um tiro. Portanto, não havia outra alternativa a não ser, se mostrar ao Marcos, que estava bem próximo da árvore.
Saiu de traz da árvore, ficou de frente para o Marcos, que a princípio pareceu um pouco surpreso com o ocorrido.
− Ainda bem que você entendeu. Não se culpe por se entregar, eu te garanto que foi a melhor escolha – disse Marcos, apontando a arma para o Carlos.
− Para você é muito fácil, não é mesmo? Me enfrentar com uma arma na mão. Por que você não a larga e resolvemos isso de homem para homem? − perguntou Carlos sendo essa sua última cartada.
− De homem para homem? − Perguntou Marcos, sorrindo − Você não sabe de nada.
− Se eu não sei de nada então não precisa se preocupar em me enfrentar, Ou você está com medo? – Carlos conhecia bem o tipo de pessoa que era o Marcos e sabia que não aguentaria ser confrontado daquela forma.
− É claro que eu não tenho medo de você. Você não é nada e sinto te informar que não teria a mínima chance contra mim.
− Então por que não fazemos um teste?
Marcos observava o Carlos tentando identificar alguma armadilha, mas como esperado, colocou o revólver calmamente no chão, sem tirar os olhos do Carlos.
− Então, pode vir − disse Carlos tentando parecer o mais confiante possível.
Marcos não esperou nem mais um segundo para esmagar o Carlos, que apenas ficou esperando para receber o impacto, que realmente aconteceu quando Marcos atirou-se contra o Carlos, levando os dois ao chão.
Carlos conseguiu deferir alguns socos em Marcos, mas quase que imediatamente foi imobilizado pela força do seu adversário. Marcos colocou as duas mãos no pescoço do Carlos e com toda sua força começou a enforca-lo e o Carlos sentiu toda a pressão de suas mãos envolta de seu pescoço, que lhe roubava aos poucos todo seu ar.
Esse era o fim. Como poderia escapar daquela situação se nem conseguia pensar em algo, tudo que seu corpo pedia era por oxigênio e ele sabia que nunca viria.
Porém, no meio daquela confusão, Carlos conseguiu virar um pouco a cabeça e viu ao seu lado uma pedra. Levou sua mão calmamente para o lado sem que Marcos percebesse e agarrando a pedra, deferiu um golpe certeiro que atingiu o temporal de Marcos, o que fez com que com que o homem caísse na mesma hora para o lado.
Carlos puxou rapidamente o ar para os pulmões e logo em seguida estava em pé olhando o corpo de Oliver, estirado no chão. De início Carlos pensou que o tivesse morto, mas percebeu que ainda respirava e que estava apenas inconsciente.
Com medo de ficar ali e Marcos recobrar a consciência, Carlos voltou rapidamente na direção onde estava o carro de Marcos. Não demorou muito e avistou o carro, porém não foi diretamente em sua direcção, primeiro tinha que fazer algo.
Aproximou-se do túmulo onde estava o corpo do investigadoe Fábio, e procurando não olhar muito para seu rosto, disse:
− Me desculpe Fábio. Eu realmente sinto muito pelo que aconteceu a você. Mesmo não te conhecendo muito bem, pude perceber que era um bom homem. Mas... Mas... – as lágrimas começaram a escorrer pelo rosto de Carlos, que com muita dificuldade para falar, devido a grande dor no pescoço, reuniu forças e disse − Mas eu prometo que vou resolver este caso... Em sua memória. Sua morte não será em vão. Eu... Eu... Te prometo.
Carlos se virou em direcção ao carro, porém uma forte dor de cabeça o tomou, parecida com aquela que sentiu no balneário, caiu no chão e levou as mãos a cabeça. No momento a dor atingiu uma força quase insuportável que afectava sua visão, que começava a ficar turva. Com muita dificuldade, conseguiu abrir a porta do carro e se sentar no banco do motorista. A chave felizmente estava na inguinição e pode assim ligar o carro.
Carlos tinha medo que desmaiasse, como aconteceu na outra vez, então procurou se manter calmo. Sem perder tempo, e respirando fundo, acelerou o carro, porém nesse momento escutou um grande barulho de tiro, seguido pelo vidro do carro sendo estilhaçado. Olhou para o retrovisor e viu Marcos, meio cambaleando. Pisou fundo no acelerador e pode ver uma grande massa de poeira se levantar no ar.
Marcos disparou mais dois tiros, no qual nenhum acertou no carro. À medida que o carro pegou distância daquele local, Carlos percebeu o desespero de Marcos tentando correr atrás do carro. Em poucos segundo já não era possível vê-lo pelo retrovisor e Carlos conseguiu relaxar.
A estrada de terra era longa e estreita e mesmo com a pequena dor na cabeça, conseguiu sair facilmente dela, encontrando em seu final um asfalto . O asfalto era conhecida de Carlos e se pegasse para a esquerda seguiria em direcção ao Luanda Sul . Carlos ficou aliviado em saber que não estava tão longe assim de casa, pois temia que estivesse em algum bairro distante.
Carlos seguiu a 140 km por hora por toda a estrada, sem desacelerar um só momento. Durante toda sua extensão, a estrada era pouco iluminada, o que dificultou Carlos.
Depois de avistar as luzes não demorou muito para entrar no perímetro urbano do Luanda Sul. Dirigindo rapidamente pelas ruas, pode ver que estava quieto, uma vez que todos seus habitantes provavelmente estavam dormindo. A rua em que ficava a casa da Nádir não estava diferente, com suas casas mergulhadas na completa escuridão da noite.
Estacionando o carro de Marcos em frente à casa da Nádir, Carlos correu até a porta e tocou a campainha. Não demorou muito e a Sra. Mayer abriu a porta.
− Você? Desculpe mas está muito tarde e eu não posso falar agora − disse a mulher tentando fechar rapidamente a porta, porém Carlos a impediu, empurrado a porta com as mãos.
− Eu sei que a Nádir está aí! − gritou Carlos.
− Você está completamente maluco − disse a Sra. Mayer aumentando ainda mais a força aplicada sobre a porta − Vai embora, se não terei que chamar a polícia.
Carlos desistindo de tentar abrir a porta, apenas a soltou, vendo-a se fechar com força.
− Escute, Sra. Mayer, eu sei que o Marcos está mantendo a Nádir presa aí dentro, então, por favor, me deixe entrar para tira-la daí.
Carlos sabia que a mulher estava próxima à porta devido estar ouvindo a sua respiração ofegante.
− Nádir é sua filha. Como pode deixar alguém fazer isso com ela? Você deveria protegê-la.
− Você não sabe de nada. Você nem me conhece e não sabe nada da minha vida. − Disse a Sra. com voz afogada em lágrimas.
− Eu sei que deve ter algum motivo para tudo isso ter chegado a esse ponto... Que você ficou com medo de enfrentar o Marcos e acabar vendo sua filha e você machucada... Mas... Mas você sabe que isso não pode continuar. Marcos está completamente fora de si, ele matou o detetive Fábio e a pouco tentou me matar. Então, por favor, me deixa ajudar Nádir.
Carlos não sabia mais o que dizer, então simplesmente esperou para ver o que aconteceria em seguida. A Sra. Mayer não disse nada e apenas abriu a porta. O Carlos entrou na casa, chegou até ao alçapão onde a Nádir está presa, mas o cadeado estava novamente fechado.
− Você poderia me dar à chave? − perguntou Carlos a Sra. Mayer, que ainda estava próxima à porta, com os olhos cheios de lágrimas.
− O que você está fazendo com o carro do Marcos? Ele... Ele está morto? Você o matou? − a Sra. Mayer assumiu uma postura de defesa.
− Não se preocupe. Marcos está bem. Agora se você puder me dar à chave.
A mulher foi até próximo a TV onde havia uma pequena caixa de madeira, no qual do seu interior retirou a chave, entregando-a para o Carlos, que rapidamente abriu o cadeado, seguido pelo alçapão e se surpreendeu ao ver a Nádir, em pé, parada próxima ao final da escada. Carlos desceu as escadas e se aproximou da Nádir.
− Quem é você? − perguntou Nádir. − Espere um pouco, você é o moço daquela noite... Eu estive no seu quarto pedindo por ajuda.
− Sim, sou eu mesmo. − disse Carlos sorrindo − Mas agora não temos muito tempo, eu tenho que te tirar daqui.
Nádir não disse mais nada, apenas subiu as escadas, acompanhada por Carlos. Ao chegarem à sala, Nádir foi surpreendida pela mãe com um grande abraço, e disse chorando:
− Me desculpe, minha filha... Eu sou um monstro. Como pude permitir que aquele homem fizesse algo assim com você?
− Não se preocupe mãe, o importante é que agora ficará tudo bem − disse Nádir, também abraçando forte a mãe.
− Desculpe atrapalhar o momento mãe e filha, mas realmente precisamos ir − disse Carlos se dirigindo à saída. – E Sra. Mayer você também tem que vir. A qualquer momento Marcos estará de volta e quando não encontrar a Nádir... Eu nem quero imaginar do que ele seria capaz.
− É... Você tem razão... Mas para onde iremos? − perguntou a Sra. Mayer, enquanto acompanhava o Carlos e a Nádir para fora da casa.
− Primeiro vamos para minha casa. É o local mais próximo daqui. E depois que chegarmos lá, nós ligamos para a polícia e ela saberá o que fazer.
Mãe e filha apenas escutavam o Carlos em silêncio, enquanto entravam no carro de Marcos.
− Cuidado ao sentar no banco de trás − disse o Carlos à Sra. Mayer − está cheio de cacos de vidro.
Carlos se viu rapidamente chegando na frente a sua casa. As luzes da sala estavam acessas, indicando que sua mãe ainda o esperava acordada.
Antes de abrir a porta de casa pediu a Nádir e a Sra. Mayer que esperassem do lado de fora, para que pudesse conversar com a mãe antes. Mal entrou pela porta e a Sra. Daniel veio ao seu encontro.
− Carlos, onde você estava? Eu já estava a ponto de ligar para a poli... − a Sra. Daniel parou abruptamente ao ver o estado em que o filho estava − Meu deus, o que aconteceu com você?
Seu rosto está ferido e sua roupa está suja de terra. Você foi assaltado?
− Calma mãe, eu vou te explicar tudo. Mas agora eu preciso que se acalme... Nós temos visita − disse ele, indo até a porta e chamando a Nádir e a mãe para dentro.
Quando as duas entraram pela porta, o pouco de calma que ainda restava para a Sra. Daniel foi embora.
− Meu Deus!! Essa é aquela menina que está desaparecida... Não posso acreditar... É a Nádir. Carlos, o que está acontecendo?
− Mãe, foi uma noite muito agitada e antes de conversar eu gostaria de tomar um banho e acho que a Nádir também.
Você poderia preparar algo para comermos?
O olhar da Sra. Daniel alternava do Carlos para Nádir, mas felizmente concordou em fazer a comida, indo para a cozinha.
Carlos pediu para que a Sra. Mayer esperasse sentada no cadeirão da sala e em seguida mostrou o banheiro para a Nádir, para que pudesse tirar aquele vestido sujo e tomar um banho. Carlos tomou a liberdade de ir ao quarto da mãe e pegar um vestido limpo para Nádir, que serviu muito bem. Em seguida foi a sua vez de tomar banho. O sangue em seu rosto estava seco, dificultando retira-lo. Após limpar bem o corte no rosto e os arranhões que tinha por todo o corpo, vestiu rapidamente uma roupa e voltou novamente para seu quarto, encontrando a Nádir sentada na sua cama, perdida em pensamentos.
− Nádir – chamou Carlos – Posso te perguntar algo?
− Sim, Carlos. Podes perguntar – respondeu Nádir com um sorriso de ternura no rosto.
− Naquela noite em que apareceu no meu quarto... Como você foi parar lá?
− Bem... Aquela noite foi bem confusa... Eu estava lá trancada... Estava com muito medo e aborrecida daquele lugar...
Então fechei meus olhos e desejei sair dali com todas as minhas forças e aconteceu algo incrível... De repente me senti leve e quando olhei para trás... Vai parecer uma loucura... Mas eu vi a mim mesma deitada no colchão e parecia que estava morta, o que me deixou com muito medo. Mas, eu sai daquela casa e andei pelas ruas próximas, mais todas as casas estavam escuras e todos pareciam dormir... Então, continuei a andar... Até que vi uma casa com luz em uma das janelas e eu fui ver se alguém podia me ajudar... Quando cheguei ao quarto, vi que a luz vinha de um abajur e que havia alguém dormindo e comecei a gritar... Até que você acordou.
− Enquanto você estava em meu quarto... Parece que viu algo que te assustou... Você se lembra o que era?
− ... Aquilo foi assustador – respondeu Nádir ficando incomodada com o assunto – Eu vi um ser que parecia um velho... Mas... Ele não tinha olhos e seus pulmões estavam a mostra... Ele me disse que tinha vindo me buscar para me levar novamente para o porão e... Assim ele fez.
Era claro que aquele ser visto pela Nádir no seu quarto era o mesmo visto por ele na casa de Marcos. Carlos, vendo como Nádir estava nervosa com a lembrança daquela noite, lhe abraçou e assim ficaram até que se acalmasse.
O jantar já estava sobre a mesa quando chegaram e Carlos foi até a sala chamar a mãe de Nádir para comer. Todos se sentaram a mesa e a princípio ninguém falou nada. Nádir parecia estar com fome, pois comia tudo rapidamente.
− Carlos, será que podemos conversar sobre o que está acontecendo aqui? − perguntou a Sra. Daniel enquanto observava Nádir a comer.
− Mãe a Nádir não estava desaparecida. Ela estava esse tempo todo na sua casa, sendo mantida presa pelo seu padrasto.
A Sra. Daniel levou a mão à boca, assustada com o que acabava de ouvir.
− O que você acabou de dizer? − perguntou a Sra. Daniel olhando para a Sra. Mayer.
Carlos fez menção de que iria falar, porém foi interrompido pela mãe da Nádir, que até o momento nem havia tocado em sua comida.
− É isso mesmo que você ouviu. Minha filha estava sendo mantida presa no porão da minha casa pelo meu marido, Marcos. − o silêncio tomou conta do local − O meu próprio marido fez isso com minha filha, e sabe o que eu fiz? Nada.
Eu... Eu apenas deixei ele fazer isso e agora sentada aqui, eu me pergunto por que eu deixei isso acontecer? Acho que a resposta seria amor e carência. Quando o pai de Nádir morreu, eu simplesmente perdi o chão e não sabia o que fazer. Eu não tinha emprego e ainda por cima tinha que cuidar da dela. Foi então que conheci o Marcos. Ele... Ele era tão gentil e atencioso e acho que me apaixonei rápido demais. Em poucos meses ele estava morando com a gente. No começo tudo estava bem, porém tudo mudou quando decidimos vir para este bairro, para recomeçar uma nova vida em um bairro calmo e pequeno, quem sabe até abriríamos um negócio próprio. Porém nada ocorreu como o planejado e desde o primeiro dia em que pisamos neste bairro, Marcos mudou. Começou a olhar para Nádir de uma forma diferente e pouco depois começou a me ameaçar e às vezes a bater, mas eu fui levando, achando que tudo iria passar, até que chegou ao ponto em que estamos hoje. Eu estava completamente presa nessa situação e por diversas vezes eu quis contar a polícia sobre o que acontecia, mas o medo do Marcos era maior. Se ele soubesse que eu contei tudo para a polícia mataria eu e a minha filha, como já prometera diversas vezes enquanto me batia. Se minha filha e eu estamos passando por tudo isso é com certeza por minha causa. Eu sou a única culpada por tudo isso. Eu...
− Mãe, por favor, não diga mais nada. Você não tem culpa de nada. E tão vítima daquele homem quanto eu. – Disse Nádir com os olhos cheios de lágrimas.
− A sua filha tem razão − começou a dizer a Sra. Daniel − Olha, eu sou formada em advocacia e no meu tempo de faculdade eu fiz alguns estágios em escritórios, e eu posso te dizer que esses casos de violência doméstica são mais comuns do que se imagina. Porém são muitos os casos que nunca vão para a justiça, pois geralmente a vítima tem medo do que o agressor é capaz de fazer. Portando não se culpe, você apenas queria defender sua filha e, além disso, você aguentou todas essas agressões para protege-la e isso foi muito corajoso na minha opinião.
A Sra. Mayer agradeceu e várias lágrimas desceram pelo seu rosto.
− E agora é a sua vez de me explicar por que chegou naquele estado, Carlos− disse a Sra. Daniel se virando para o Carlos.
− Bem, hoje quando todos foram organizar os grupos de busca pela Nádir, eu invadi a casa da Nádir, porém o Marcos chegou antes do previsto e me deu uma pancada na cabeça, fazendo com que eu perdesse a consciência... − O que? Aquele desgraçado teve a coragem de fazer isso com você? − A Sra. Daniel se levantou rapidamente com o rosto fervendo de raiva − Essa história já foi longe demais. Vou ligar imediatamente para a polícia. A Sra. Daniel se retirou da cozinha e foi até o telefone que ficava na sala. Carlos, Nádir e a Sra. Mayer a acompanhou.
A Sra. Daniel discou o número da polícia e esperou, até que uma voz feminina atendeu:
−Aló! Comando Municipal de Viana, em que posso ajudar?
− Boa noite. Meu nome é...
A frase nunca pode ser finalizada, pois todas as luzes da casa se apagaram, deixando-os na mais completa escuridão.
Todos ficaram em silêncio e Carlos foi até a janela e viu que nas casas dos vizinhos havia luz, o que indicava que alguém havia cortado a luz apenas de sua casa. Ao olhar para Nádir, apenas disse:
− Marcos está aqui. Temos que sair daqui imediatamente.
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Busca incansável
Mystery / ThrillerDepois de um dia longo, Carlos estava em seu quarto, sentia que estava em algum ponto entre o dormir e o acordar, mas quando seus olhos pareciam claramente fechados, algo trouxe de volta...De início era uma voz distante, no entanto quando foi acorda...