A escuridão

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O desespero era total. A Sra. Mayer começou a chorar descontroladamente enquanto Nádir tentava acalma-la e a mãe do Carlos, que ainda segurava o telefone na mão parecia ainda não ter notado a situação em que estavam.
Carlos, que também estava com medo, correu até a entrada da casa e trancou a porta rapidamente. Mal havia girado a chave, quando algo bateu na porta com muita força. Todos que estavam na sala ficaram no mais completo silêncio.
− Querida, eu vim buscar você é a nossa filha. Por favor, abra a porta − disse o Marcos do lado de fora − Não precisa complicar as coisas, eu só quero ir para casa. Tive uma noite terrível.
Carlos voltou à sala e baixinho chamou a todos para subir para seu quarto. Então, todos seguindo Carlos, subirão as escadas tentando fazer o menor barulho possível. A escuridão era imensa e todos tomavam cuidado para não tropeçarem nos degraus. Já se encontravam no segundo andar quando ouviram uma nova pancada na porta, porém, desta vez o barulho não foi de algo batendo e sim o barulho de um machado quebrando a porta.
O pouco de calma que ainda possuíam se foi. Todos pararam de se preocupar em não fazer barulho e saíram correndo e tropeçando até chegarem ao quarto. Quando todos estavam dentro do quarto, Carlos trancou a porta e arrastou, com a ajuda da Nádir, o guarda-roupa, ocultando totalmente a porta. Em seguida correu até a cabeceira e acendeu a vela, utilizando um isqueiro que também estava sobre a cabeceira.
− Meu Deus, esse homem é louco − disse a Sra. Daniel − o que nós vamos fazer? Alguém tem um telemóvel?
Carlos sabia que a Nádir e sua mãe não teriam um telemóvel e ele também não, pois, Marcos provavelmente havia pego o seu quanto lhe deu uma pancada na cabeça. Portanto, todos ficaram em silêncio diante da pergunta da Sra. Daniel.
− Não temos outra alternativa − disse a Nádir diante da falta de alternativas.
− Como assim? − Perguntou Carlos.
− Marcos quer a mim. Se eu for até ele, talvez deixe você e sua mãe em paz. Eu sinto muito por ter trazido todos esses problemas para vocês. Eu sinto muito, por ter aparecido em seu quarto naquela noite e ter te envolvido em toda essa confusão.
− Nádir, não diga mais nada. É como você disse, "talvez ele deixe eu e minha mãe em paz", mas você sabe que ele não fará isso, ainda mais depois do encontro que tivemos. Ele me odeia e sei que não descansará até pôr as mãos em mim.
Nádir ficou calada. Ela sabia que tudo que foi dito por Carlos, era verdade.
− Tu tens razão Carlos, mas eu tive uma idéia − disse a Sra. Mayer, que apresentava olhos vermelhos, devido ao de choro há poucos minutos atrás.
− E qual seria? − perguntou Nádir, apresentando uma pequena esperança.
− Eu vou descer e atrasar o meu marido para que vocês possam sair daqui e ir até a polícia. Talvez ele me ouça e pare com essa loucura.
− Sra. Mayer, você acha mesmo que ele vai parar? O Ronin foi longe de mais e acho que não tem mais volta. Ele matou o investigador. Ele será capaz de qualquer coisa, será que não entende isso? – disse o Carlos, tentando colocar um pouco de juízo na cabeça da Sra. Mayer.
− Ele matou o investigador Fábio? Meu Deus, sobre o que você está dizer, Carlos? − A Sra. Daniel desabou sentada sobre a cama − Essa foi uma péssima hora para Bruno viajar.
− Mãe, espero que realmente não esteja pensando em fazer isso − disse a Nádir, se aproximando da mãe, que estava pensativa.
− Filha, é a única alternativa. Eu permiti que aquele homem fizesse isso a você. Não vou permite que faça novamente.
− Eu já disse que você não tem culpa pelo que me aconteceu. Por favor, não faça isso − disse a Nádir com lagrimas no olhar.
− Nádir, por favor, entenda que eu tenho que fazer isso. Só assim para eu me perdoar − disse a Sra. Mayer abraçando à filha − Não se preocupe, eu ficarei bem, eu sei como conversar com Marcos.
A porta da entrada certamente não aguentaria mais uma pancada como aquela e todos sabiam disso. Era uma questão de tempo até Marcos conseguir entrar na casa. A Sra. Mayer abraçou a filha, dando um beijo em sua testa, ao mesmo tempo em que a Nádir começou a chorar. Carlos e a sua mãe apenas ficaram a observar a cena e nada disseram.
Em seguida a Sra. Mayer pediu que o Carlos retirasse o guarda-roupa da frente da porta e saiu do quarto. A Sra. Daniel ajudou o filho a colocar o guarda-roupa novamente para bloquear a porta do quarto. Nádir apenas chorava, sentada na cama do Carlos. Os momentos seguintes foram de puro silêncio, onde todos se calaram para tentar ouvir algo que estivesse ocorrendo lá em baixo. A conversa entre os dois podia ser ouvida aos sussurros, não sendo possível entender o que diziam. Porém, a conversa que antes parecia calma, mudou completamente para gritos de dor vindos da Sra. Mayer. Era possível ouvir o barulho das pancadas levadas pela mulher.
Nádir imediatamente levantou-se da cama e foi em direção ao quarda roupa. Carlos a segurou pelo braço, mas ela apenas se desvencilhou.
− Me solte Carlos. Tenho que ajudar minha mãe. Não posso ficar aqui parada esperando aquele psicopata matar a minha mãe – disse Nádir, empurrando o guarda-roupa.
− Nádir, por favor, não faça isso. Sua mãe desceu para te proteger e agora você vai descer lá. Sua mãe não iria querer que você fizesse isso − disse o Carlos.
− Carlos, você não entende. Tudo isso é culpa minha.
Minha mãe precisa de mim e eu vou... − As palavras ditas pela Nádir foram abafadas por um barulho ensurdecedor. Um barulho de tiro.
Carlos puxou Aela para perto de si. Ela  apenas se debatia, tentando se livrar dos braços do Carlos. Porém, Carlos usou toda sua força para não permitir que ela fosse até lá em baixo.
− Ele matou minha mãe... Você não ouviu o barulho... Ele... Ele deve ter matado minha mãe... E... E eu apenas fiqueiaqui parada − gritava ela.
− Calma, Nádir. Por favor, você precisa se acalmar. Nós não sabemos se ele matou sua mãe −  você precisa se acalmar...
O Carlos se calou, pois foi possível ouvir o barulho de passos subindo as escadas. Em poucos segundos o barulho de passos foi abafado por um assobio lento com a melodia da música "Grummy sanday". Nesse momento Carlos percebeu que se tratava do Marcos, pois no dia em que esteve na casa da Nádir, Marcos ouvia está mesma canção.
O assobio foi crescendo até se aproximar da porta do quarto. Era possível perceber que o Marcos estava parado no corredor, em frente a porta do quarto do Carlos. O assobio parou e tudo ficou no mais completo silêncio.
− Seu assassino − gritou Nádir − Psicopata.
− O Que é isso Nádir. Isso é jeito de falar com seu padrasto?
− perguntou Marcos.
− Você não é nada meu, seu doente.
− Tudo bem. Eu vou ser bem claro, ou vocês abrem a porta ou vou arromba-la. Eu não quero fazer mal a ninguém, só quero minha querida filha.
− Nos não vamos te dar nada. Acho melhor você ir embora porque a polícia já está a caminho − disse o Carlos.
− Carlos, que saudade da sua voz. Hoje mais cedo você teve muita sorte. Acho que não terá de novo. Então não complique mais as coisas, abra essa porta e vamos terminar logo com isso. Não queremos ter mais mortes essa noite ou queremos? − Marcos falava calmamente.
− Você matou minha mãe, seu desgraçado? – perguntou Nádir com uma voz de choro.
− Não tive outra opção. Me desculpe, minha querida, ela simplesmente veio para cima de mim... Eu apenas me defendi – disse Marcos − Mas veja pelo lado positivo... Ninguém poderá mais atrapalhar nós os dois.
− Não existe nós os dois, seu doente. Tudo que sinto por você é pena e nojo − disse Nádir com raiva.
− Tudo bem, se é assim que vocês querem – disse Marcos.
Várias pancadas foram deferidas na porta. A cada golpe dado aumentava a tensão das pessoas que se encontrava dentro do quarto. Em poucos minutos Marcos arrombou a porta e com uma das mãos empurrou o guarda-roupa, que fez um estrondo ao cair no chão.
A figura de Marcos segurando um machado na mão esquerda e uma arma na mão direita se formou no buraco da porta. Ele apresentava um sorriso no rosto e lentamente entrou no quarto.
− Bem, essa reunião promete ser interessante – disse Marcos passando por cima do guarda-roupa − Oi, Nádir, minha querida filha. Como você está?
− Seu desgraçado! − gritou Nádir indo em direção ao padrastor − Eu vou te matar!
Carlos segurou a Nádir bem a tempo e o Marcos apenas olhava a cena da Nádir tentando se livrar dos braços do Carlos.
− Por que você está fazendo isso? − perguntou a Sra. Daniel ao Marcos
− Antes de te responder, eu gostaria de dizer que é um prazer conhecer a mãe do Carlos. Seu filho é um bom jovem, um pouco intrometido, mas, com certeza, um bom moço – Marcos fez uma pequena pausa, mostrando um grande sorriso para a mãe do Carlos − e respondendo a sua pergunta, eu estou fazendo isso em nome do grande amor que sinto pela Nádir.
− Desculpe te falar, mas isso não é amor − disse a Sra. Daniel levantando da cama e pondo-se na frente de Carlos.
− E o que seria? − Perguntou Marcos.
− Isso é loucura. Você está fora de si, não vê isso? Você acaba de matar sua mulher e está apaixonado pela filha dela e...− disse a Sra. Daniel tentando achar as palavras certas.
− Você não entenderia. Você não viveu com aquela mulher, ela era um peso na minha vida... Eu... Simplesmente não aguentava mais viver ao seu lado. A única coisa que me deu forças foi a Nádir. − enquanto falava Marcos se aproximou mais da Sra. Daniel, que se manteve firme em seu lugar.
− Marcos, por favor, pense no que você fez e pare com essa loucura − a Sra. Daniel falava com uma voz desesperada, tentando convence-lo.
− Desculpe, mas já fui longe demais para pensar. Eu não sei se você sabe, mas eu matei um homem e agora a pouco matei minha querida esposa. Acho que não posso simplesmente parar.
Marcos estava bem próximo da Sra. Daniel, que mantinha uma postura firme diante de um homem que estava completamente desequilibrado.
− Agora, se vocês me permitem, eu estou um pouco com pressa. Os vizinhos devem ter ouvido o barulho do tiro e a qualquer momento a polícia estará aqui e nesse momento eu quero estar bem longe daqui com a Nádir − disse Marcos.
levantando a arma e apontando em direção a Sra. Daniel – Me desculpe, senhora, mas será a primeira. Quero que o Carlos veja tudo para saber que não se deve brincar comigo.
Marcos mal terminou de falar e a Sra. Daniel foi contra ele. Os dois caíram no chão.
− Carlos, pegue a Nádir e corram!! − gritou a Sra. Daniel, enquanto se debatia com Marcos − Rápido filho!!
Carlos não sabia o que fazer, uma vez que se encontrava em um dilema. Uma parte de si queria ajudar a mãe e a outra queria sair dali e proteger a Nádir. Porém, antes de se decidir um novo barulho de tiro invadiu o quarto. Marcos se levantou, com o tórax coberto de sangue. A Sra. Daniel estava imóvel no chão. Marcos havia matado friamente a mãe de Will.
− Não!! – gritou o Carlos, indo para cima de Marcos, que apenas se moveu para dar uma coronhada na cabeça do Carlos, que caiu no chão.
− Nádir, venha, precisamos ir − disse Marcos estendendo a mão em direção a ela.
− Eu não vou com você. Eu tenho nojo de você. Você não passa de um psicopata... Um assassino... Eu nunca ficaria com você. Você achou mesmo que um dia nós dois ficaríamos juntos? Isso só prova o quanto você é maluco − Nádir falava com raiva enquanto se aproximava de Marcos, que parecia transtornado com as palavras ditas pela jovem.
− Se é assim que você deseja... Mas sinto te informar que não posso deixar você ir... Se não quer ficar ao meu lado... Sinto muito − disse Marcos apontando a arma para Nádir e puxando o gatilho.
O tiro acertou em cheio no peito dela que caiu no chão. Carlos, que ainda estava meio tonto com a coronhada que acabara de receber, se arrastou até o corpo da Nádir.
− Nádir, por favor, resista, fica comigo... Por favor... Respira fundo... Tudo vai ficar bem − dizia ele enquanto pressionava o ferimento da Nádir.
O ferimento parecia ser grave. O sangue corria por entre os dedos do Carlos. Ele começou a chorar, não acreditando que a mãe e a Nádir estavam mortas. Tudo que fizera para protegê-la havia sido em vão.
Marcos observava a cena com frieza e manteve a arma levantada, porém, agora apontando para o Carlos, que se levantou, ficando cara a cara com Marcos.
− Eu te falei que não tinha como fugir, mas vocês,jovens, nunca escutam, não é mesmo? − enquanto falava, Marcos sorria.
− Eu vou te matar – disse Carlos
− O que você disse? Acho que ainda não entendeu a situação, acabou, eu estou com a arma e você tem poucos segundos de vida.
− Isso não importa... Eu vou te matar – disse Carlos dando um passo em direção ao Marcos.
− Rapaz, por que você simplesmente não aceita seu destino? − disse o Marcos segurando firmemente a arma na mão.
− Eu não tenho medo de você. Eu tenho é pena – disse O Carlos dando outro passo à frente
− Eu não preciso da sua pena. Eu não preciso de nada que venha de você. Agora fica parado e vamos acabar logo com isso.
− Eu não tenho medo de você − repetiu Carlos dando mais alguns passos em direção a ele, que ficou um pouco inquieto com a aproximação do Carlos − Você me tirou tudo, e mesmo assim eu tenho pena do que você é. Um homem sem amor que acaba de matar as únicas pessoas que estavam ao seu lado. Pode me matar, mas isso não mudará o facto que estará sozinho a partir de agora − disse o Carlos, estando agora a três passos de dele.
− Pare com isso! − gritou Marcos − Isso não é verdade.
Eu não vou ouvir mais isso. Pare... Pare... − Marcos largou a arma e o machado e tampou os ouvidos.
Nesse momento uma forte dor de cabeça tomou conta do Carlos e ele se viu ajoelhado no chão. De todas as dores de cabeça que sentirá nesses últimos dias, essa era a pior delas.Carlos sentia que sua cabeça iria explodir. Ao olhar para o quarto viu que tudo estava fora de foco.
Uma voz masculina invadiu sua mente, dizendo uma pequena frase: "Desculpe, mas ele está morto". Neste momento, mesmo com a visão afetada, Carlos pode perceber que tudo ao seu redor estava desaparecendo. O corpo da mãe e da Nádir desapareceram lentamente, juntamente com a mobília do seu quarto. Ao olhar para o Marcos, viu que o mesmo ocorria com o padrasto da Nádir. Em poucos segundo não havia mais nada e ninguém no quarto.
A dor era tamanha que era impossível pensar no quão estranho era o que acabou de acontecer.
Cerca de dez minutos depois a dor desapareceu subitamente e ele levantou-se. O seu quarto realmente estava vazio indicando que não se passava de um sonho. Porém, isso não era o mais estranho, pois ao caminhar até a janela do quarto, pode ver que toda sua rua também havia desaparecido, dando lugar a mais completa escuridão. O medo tomou conta de dele, que se perguntou o que estaria ocorrendo. Aquilo não podia ser real. Talvez o Marcos apertou o gatilho e aquilo seria uma vida pós morte.
Onde estariam a Nádir e a Sra. Daniel? Onde estaria o Marcos?
Essas e outras perguntas insistiam em invadir a mente do Carlos.

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