A VERDADE

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Corri o mais que pude, estava escuro, chovendo e meio nublado por causa da nevoa e quando pensei que ele tinha desistido, ele aparece do nada e me pega.
- Bianca?
- Me solta.
- O que você tá fazendo rondando a casa? Por que pegou a correntinha da Nick?
- Eu? Eu devolvi a correntinha.
- Onde estava?
- Pergunte a sua namorada. Agora vai ou não vai me soltar?
- A Ana?
Estava muito frio e a gente parado ali me fez tremer.
- Vem pra dentro de casa.
- Vai me soltar quando? Eu não vou correr.
Nem podia estava travada de frio e se corresse com certeza ele me pegaria novamente.
- É bom mesmo não fugir, a gente precisa conversar e muito.
- Lá não é o melhor lugar, aquela mulher pode atrapalhar.
- Não fale assim, com desprezo da minha namorada. Se tem alguma errada aqui é você.
- Desse jeito a gente não vai ter uma boa conversa.
Luan olha para os lados.
- Como chegou aqui?
- Não deixo rastros.
- Já percebi, só não entendo como, nem o porquê.
- O que importa é que voltei e pra ficar.
- Por que apareceu no meio da noite? Essa não é a primeira vez, é?
- Você tá fazendo tudo errado, confiei Nick a você e agora você quer tirar ela de mim.
- Por que será, né?
Ficamos nos encarando, molhados, congelados, ali na varanda.
Não tinha como continuar daquele jeito, eu comecei a tremer até o queixo.
- Eu vou pegar uma roupa pra você, num sai daqui.
- Aqui tem algo quente pra tomar?
- Nada pronto. Se quiser pode ir na cozinha. Eu tô congelando.
Fiz um chocolate quente, por enquanto ele aparecia com uma roupa pra mim, fiquei pensando no que falar pra ele.
- Demorei?
- Um pouco.
Mas eu entendi ele tinha trocado de roupa também.
- Achei isso no quarto da minha irmã e toma esse meu casaco.
- Obrigada. Fiz chocolate.
Depois de um tempinho voltei e a hora da verdade tinha chegado.
- Ana tá dormindo, não vai atrapalhar a gente. Agora me conta tudo, tudo mesmo.
- Eu vou falar do início.
- É bom.
- Não me interrompe, deixa as perguntas pra depois.
Luan concorda com a cabeça.
- É muito difícil pra mim falar sobre minha vida. Eu sempre fui na minha. Bem, meus pais brigavam muito, eu sempre pensei em sair de casa, viver minha vida, nunca fui emotiva e sonhadora, isso eu deixava pra minha irmã. Clara foi um presente pra mim. Eu me distraia das brigas deles, cuidando dela. Mas logo me veio a oportunidade de sair de casa, fazer faculdade longe dali, não pensei duas vezes e fui, só ligava mesmo pra saber como Clara estava, mas depois de um tempo nem isso. Eu tinha muito trabalho, tinha que me dedicar se quisesse chegar a minha meta. Quando voltei a falar com Clara, ela estava namorando um playboyzinho ignorante, andava com um grupinho da pesada. Peguei minhas férias e fui falar com ela, ver tudo de perto. De cara não nos demos bem e aconselhei Clara a acabar o namoro e disse que ela podia ir morar comigo, sabia que não ia ser fácil porque eu ainda estudava e ela era só uma menina. Entre idas e vindas, um dia ela cansou e acabou tudo com ele.
- Então Felipe não mentiu. Ele achava mesmo que era o pai e você fugiu com Nick.
- Não foi bem assim. Deixa eu terminar.
- Tinham coisas em Clara que eu não entendia, uma era o amor dela pelo Felipe e outra era o amor incondicional por um anjo que ela nem conhecia, você. Ela estava vivendo a vida dela, mas Felipe continuava no pé dela e eles acabavam tendo uma recaída, mas não voltaram. Certa noite ela saiu com amigas para um show em outra cidade e Felipe morreu de raiva. Ela estava revoltada e acabou saindo com os amigos depois do show - senti meus olhos encherem - ela viu aquele anjo que tanto amava e foi falar com ele. Ela era uma menina, apenas uma menina, mas muito bonita e sem experiência. Os amigos dele e dela misturaram bebidas... os dois beberam demais, ela não lembrava de muito detalhe quando me contou, só sabe que apesar de tudo, apesar de estarem bêbados, apesar de saber que ele não ia querer saber dela no outro dia, ela se entregou apaixonadamente. No outro dia ela acordou e ficou com medo da reação dele e fugiu, ela também estava envergonhada por ter sido tão fácil, mas ela amava ele, porém como explicar isso pra ele já que tinham acabado de se conhecer. Como explicar pra ele, se eu que era sua confidente não entendia tanto encantamento. Quando ela voltou pra nossa cidade Felipe já estava sabendo que ela tinha passado a noite com alguém. Com medo dele, ela fugiu pra minha casa. Ninguém sabia onde eu morava com certeza Felipe nunca iria encontra-la e se encontrasse iria demorar muito tempo. Nesse meio tempo ela descobriu que estava grávida e eu quase pirei, pirei mais ainda ao vê-la feliz porque estava grávida daquele anjo. Eu odiava aquele anjo. Ele tinha usado minha irmã.
Luan nem sabia o que falar. Eu o vi vermelho, parecia que ia chorar e que queria me pedir desculpa por tudo. Respiramos fundo e eu continuei a minha história.
- Aquela noite em que foi dos sonhos pra minha irmã, eu senti que algo ia acontecer por causa daquele vendaval que me angustiava e ninguém atendia em casa, ela estava com você.
- Eu queria te pedir desculpas. Como você contou, parece que eu usei ela, mas num foi assim.
- Você lembra dessa noite? Lembra dela? Acho que não, né? Senão teria lembrado ao me ver, ao ver a Nick.
- Lembro pouco daquela noite, agora que falou é que lembrei da bebida. Geralmente não bebo tanto assim, mas era uma comemoração e misturei o que não conhecia. Eu não lembrava dela, até Felipe levar uma foto, depois de um tempo eu achei que a conhecia mesmo e por isso resolvi fazer o dna. Agora me fala por que deixou Nick comigo? Cadê a Clara? Por que não disse que Nick era minha filha? E onde estava?
- Bem, como havia falado desde cedo eu pensei em sair de casa, não me via sendo mãe e tendo uma família, então resolvi entrar pra uma carreira meio secreta. Não conta pra ninguém. Promete?
Luan só me olha.
- Promete, caso contrário não falo.
- Prometo.
- Eu trabalho com uma pesquisa cientifica, não posso entrar em detalhes, mas é para o governo e por isso eles me protegem. Se pudesse falar tudo ia pensar que eu sai de um filme, mas é real.
Ele me olhava como se eu tivesse gozando da cara dele, mas era tudo verdade.
- Enfim por isso eu morava em um lugar de difícil acesso. Quando Clara chegou lá em casa, eu mantive minha rotina, até que nossos pais morreram e ela sofreu muito com isso, não pudemos ir lá nos despedir porque Felipe poderia estar lá. A gente soube que Felipe procurava Clara e com a promessa de vingança. Queria saber quem era o carinha daquela noite. Clara achou que se ele soubesse que tinha sido você, iria matar os dois e se soubesse do bebê só iria piorar a situação. Ela se sentiu muito perdida, sei lá, confusa por não ter mais nossos pais, não ter o pai da filha ao lado. Ela era muito sensível, escrevia cartas pra Nick e tentava me mostrar que você era mesmo um anjo. O parto dela foi muito difícil e lá mesmo no hospital ela ficou - travei com um nó na garganta - mas antes, ela me pediu pra cuidar da Nick, pra que fizesse dela minha filha. Era mais fácil cuidar da Nick sendo mãe dela do que tutora.
- O governo te ajudou.
- Uns amigos. Foi isso. Ah! Quando Nick chegou foi uma surpresa porque não tinha planejado cuidar de uma criança, mas ela me ensinou a amar. Pra cuidar dela eu precisei parar com as pesquisas. Pensei não mais voltar, mas eles não deixaram abandonar tudo, me deram um tempo. Eu tive que voltar e onde deixaria Nick? Num orfanato? Com uma babá? Não sabia quanto tempo eu ia passar fora. Nick é muito inteligente, eu não podia ficar fazendo visitas, ela ia acabar contando pra alguém. De início eu não pensei em você, mas eu queria uma família e um lugar seguro, sabia que com você, Felipe não seria um problema.
- Por que não contou tudo quando me entregou ela?
- Porque eu não queria que soubesse.
Luan franze a testa.
- Agora eu não tenho meu nome no registro dela. Você quer tirar a minha filha de mim.
- Ela é minha, minha filha.
- Agora a gente vai bater de frente.
- E sua pesquisa?
- Acabou. Eu sabia que vocês estavam aqui e vim pra cá, mas escutei você falando que não ia me devolver a Nick, também achei que a Ana não era confiável, resolvi só ficar de olho.
- Falou com a Nick, num foi?
- É claro, aquela mulher quer me afastar da minha filha.
- Não é assim.
- Por que ela escondeu a corrente?
- Não sei. Ela não fez isso.
- Vamos fazer assim, não fala sobre mim, deixa ela ver a corrente, ela vai se assustar e irá até onde guardou e ai você pega ela.
- Não preciso disso. Ela não mente pra mim.
- Você que acha. Se você pensa que vou deixar minha filha ser criada por essa mulher tá muito enganado.
- Só que Nick é minha filha e eu vou me casar com a Ana.
- Você não pensa em Nick, é melhor deixar ela comigo.
- Você que não queria ela, não gosta de mim e quer me tirar ela.
- Se eu não gostasse um pouco de você, não teria deixado a Nick. Falo em gostar no sentindo desse tal de anjo. Eu entendi muita coisa e te respeito. Mas te entregar ela de bandeja, eu não vou.
Quando percebemos já estava claro.
- Daqui a pouco Nick acorda.
- Eu vou esperar.
- Não. Eu preciso falar com ela antes.
- Com a Nick ou com a Ana?
- Com as duas.
- Eu vou pro quarto da minha princesa e nem tente me impedir.
Luan sabia que não adiantava bater de frente comigo. Abri a porta e ela acordou, ela me olhou como se tivesse sonhando, mas quem estava sonhando era eu, agora eu estava de volta pra sempre na vida da minha princesinha.
- Mamãe!
- Oi, meu amor.
Ela se levantou rápido e correu pros meus braços.
- A mamãe agora veio pra ficar.
Nick estava tão feliz, feliz como eu.
- Vamos deitar um pouquinho? Mamãe tá morrendo de sono. A gente fica bem abraçadinha.
Nick tinha medo que eu partisse novamente, então nem fechou os olhos por enquanto eu dormir.
Já Luan não conseguiu ir pro quarto e acabou adormecendo na sala mesmo.
Nick fica impaciente, com fome e decide levantar. Nessa mesma hora Ana já estava saindo do quarto e indo procurar Luan.
- Luaaan! Por que dormiu aqui?
Luan mal conseguia abrir os olhos, quando Nick foi chegando hiper feliz.
- Papai! Papai! A mamãe voltou.
- Quê? – Ana fala visivelmente surpresa.
Ela olha pra Nick e vê a correntinha e fica sem entender nada.
- Acorda papai, levanta, vem ver a mamãe.
- Aonde ela tá?
- No meu quarto.
- Então foi ela quem pegou a correntinha. Mas como? – Ana pensa.
- Tá feliz, né princesa?
- E você fala assim tranquilo? Você sabia? Ela é uma - Luan interrompe.

- Olha o que vai falar na frente de Nick.
- Tá com raiva de mim?
- A gente precisa conversar.
- Com certeza.
- Quero comer – Nick interrompe Ana e Luan.
- Por que não pede a sua mãe - vira as costas e sai.
Nick olha pra Luan.
- Ai princesa, papai tá caindo de sono - boceja- mas vamos lá.
Luan arruma umas coisas para o café da manhã.
- Eu vou chamar a mamãe.
Luan achou melhor não proporcionar um encontro entre eu e Ana.
- Que tal a gente levar café na cama pra mamãe?
Nick achou um máximo.
O dia estava começando e tantas coisas já tinham acontecido e ainda iam acontecer. Hoje era o último dia de folga de Luan, ele precisava voltar pra São Paulo.
Luan chega no quarto e para um curto tempo pra apreciar aquela cena. Aquela mulher que pela primeira vez ele via tão serena, ali ele pode admirar a sua beleza. Mas tudo foi muito rápido, pois como sempre Nick estava afoita.
- Mamãe! Mamãe! Acorda!
Acordei meio atordoada, mas feliz por estar ouvindo aquela vozinha. Olhei só pra ela e nem percebi que tinha mais alguém lá.
- Princesaaaa! Saudades dessa vozinha gostosa - fiz bico e ela veio me beijar, nessa hora escutei um barulho que denunciou a presença de Luan.
- Desculpa, eu não quis atrapalhar, estava tão bonitinho.
- Eu não tinha te visto - falei envergonhada.
- Tá com fome? - mostrando abandeja.
- Nossa, acho que nunca ganhei café na cama.
- É um nicpic, mamãe.
- Ãh? ... ah! Piquenique, você quis dizer.
- Sim.
Olhei pra Luan e ele estava segurando o riso.
- Coloca aqui.
Me sentei na cama pra que ele colocasse a bandeja lá também.
Comemos sem falar muita coisa, deixamos Nick por conta das histórias,ela queria me falar tudo o que tinha acontecido quando estive fora. Era nítida a felicidade dela por estar ali com os pais juntos e mais ninguém.
- Você disse que estava com fome mocinha e não tá comendo nada.
- Coma um pouquinho que vai ter muito tempo pra você me falar tudo.
- Papai a mamãe vai pra casa com agente, né?
Luan olha pra mim sem saber o que dizer, mas querendo que eu disse não pra Nick.
- Assim amor, a mamãe vai morar pertinho do papai.
- Já tem pra onde ir? – Luan fala surpreso.
- Ainda não. Vou ficar em um hotel, até arrumar uma casa em São Paulo. Não quero separar você da Nick.
- Nem vai.
Nos encaramos mais uma vez sabendo que aquela conversa ia ser difícil.
- Num é hora de falar sobre isso – falo antes que comece uma briga na frente dela.
- O papai vai se mudar e na casanova cabe você, né papai?
- Num é bem assim amor.
Achei tão lindo a forma que ele falava com ela, olhava para os olhinhos dela com muita atenção e amor.
- Fica aqui comendo com a mamãe,eu tenho umas coisas pra resolver.
Eu sabia que essas coisas era Ana.
- Ah princesa, a gente vai embora hoje.
- Vou apresentar a mamãe pra titia Bubu, pra vovó e pro vovô e pro Puff. Mamãe eu posso ter um cachorro?
- Deixa eu ver se você já tá grandona?
- Tô sim, tô sim, eu sei cuidar de cachorro, né papai?
Tudo me admirava, como ela tinha crescido e estava mais que nunca entendida de tudo.
- Então a gente pode pensar no assunto.
Luan não gostou da conversa porque deu a entender que Nick queria morar comigo, mas ele precisava ir e falar com Ana.

O GUARDIÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora