Capítulo V

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— Então desde essa conversa você decidiu o que iria fazer? — Anthony questionou e eu neguei com a cabeça.

— Não. Eu fiquei apenas pensativa sobre a situação. A situação com a madre estava insustentável. Eu não queria passar o resto da minha vida cumprindo a promessa de uma outra pessoa. Mas minha decisão veio somente no final daquela semana. — Respondi e Anthony me avaliou silencioso.

— O que aconteceu no final daquela semana? — Questionou.

— A madre estava me pressionando para eu fazer os votos. Eu estava varrendo os quartos enquanto Marry Ann tirava a poeira, quando ela apareceu.

— Angeline! — Ela chamou de repente, nos assustando. — Padre Gregory vem hoje novamente. Aproveite a presença dele para fazer o que tem que ser feito. — Lançou um olhar severo para mim e depois para Marry Ann. Em seguida saiu do cômodo.

— Eu não vou fazer os votos. — Contei sem que ela pudesse me ouvir e minha amiga arregalou os olhos.

— Não tem como escapar disso, Angeline. Ela não vai aceitar que adie mais. — Aconselhou preocupada. — Como vai fazer?

— Ainda não sei. Entretanto darei um jeito. Reze por mim, querida!

— Sempre. — Ela me abraçou ternamente. — Você seria uma ótima freira pelo seu coração bondoso e generoso. Porém você pode continuar sendo bondosa e generosa lá fora também.

— Obrigada! — Respondi me afastando. — Tome um presente! — Estiquei a mão lhe entregando um bilhete.

— "Assim como os perfumes alegram a vida, a amizade sincera dá ânimo para viver. Provérbios 27:9." — Leu em voz alta com um sorriso no rosto. — Obrigada!

— O que isso significa? — Anthony questionou confuso.

— Marry Ann amava provérbios. E eu os salmos. Nossa amizade sempre se baseou em presentear uma à outra com aquilo que sentíamos, desejamos ou achávamos que a outra deveria ler no momento. E ali meu coração como uma premonição do que iria acontecer, quis demonstrar o quanto a minha amizade por ela era sincera. — Respondi tomando mais um pouco de água. — Então eu segui para ver se o forasteiro precisava de alguma coisa. Quando entrei no quarto o encontrei olhando pela janela. — Não devia estar de pé! — Recriminei e ele me observou parecendo preocupado com algo. — O que houve?

— Tenho que ir embora. — Respondeu simplesmente me deixando alarmada.

— Mas por quê?

— Tenho que resolver umas coisas fora daqui. Preciso ir e preciso ir agora.

— A madre não permitirá que saia daqui sem que o padre Gregory lhe veja.

— Não posso esperar. Eu vou fugir.

— Como? É impossível. Só há dois portões e ambos são vigiados pelas guardiãs. Para sair necessita de autorização da madre. — Expliquei e ele fez sinal para eu me aproximar dele na outra janela do quarto. Mesmo hesitante segui até ele.

— O que são aquelas construções ali?

— São os nossos fornos. Usamos para assar os pães.

— Com eles dá para alcançar os muros. — Comentou pensativo.

— Mesmo assim, a distância do muro para o chão do outro lado é bem grande. Você vai se machucar mais do que já está machucado agora.

— Do outro lado deve haver relva ou as flores brancas. Pode amortecer a queda.

— Mas não o suficiente para você não se ferir.

— Não importa, eu preciso ir. — Respondeu voltando a olhar pela janela principal. — Obrigado por ter cuidado de mim.

— Espere! — Pedi e ele deteve os passos me olhando. — Posso eu ir com você?

— O quê? Não. Eu preciso resolver assuntos importantes. Não poderei ter você ao meu lado.

— Eu só quero sair daqui, por favor! Lá fora eu dou um jeito. — Avisei e ele pensou por um instante. Um longo instante.

— OK, mas vamos logo! Você vai vestida assim?

— Eu não tenho outra roupa a não ser de noviça. Qual o problema?

— Todos, entretanto não temos tempo para isso agora, vamos! — Chamou me puxando pela mão. Após passar pela porta eu segui na frente dele o guiando pelos enormes, labirínticos e escuros corredores de pedras até a saída lateral onde havia os fornos. 

— Ali! — Apontei e nós corremos até o local. Ele subiu sem a miníma dificuldade e me estendeu a mão. Já para mim a escalada não foi tão fácil. Mas mesmo assim consegui.

— Pulamos no três. — Avisou e eu quase tive uma vertigem ao notar a altura que estávamos no muro. Ele percebeu minha apreensão e segurou minha mão. — Um, dois, três! — Pulou me puxando e caímos duramente um sobre o outro.

— Machucou? — Perguntei caída em cima do peito dele. O forasteiro puxou ar pela boca e me olhou nos olhos.

— Eu já estou acostumado com a dor. E você?

— Apenas ralei os braços e as pernas. — Constatei levantando e sacudindo a poeira.

— Ótimo. — Disse fazendo uma careta ao se levantar. — Vamos logo! — Chamou e descemos apressados a colina, deixando o convento e minhas promessas de votos para trás.

O Caso HarleyOnde histórias criam vida. Descubra agora