— Pela manhã após a oração matinal levei o café para servir para o forasteiro. — Continuei contando após tomar um pouco de água sob o olhar atento de Anthony e Jimmy. — Segui para o quarto e ao abrir a porta me deparei com ele tentando levantar. — Você não deveria estar de pé ainda! — O repreendi deixando o prato com pão e o copo de café sobre a cômoda. Ele fez uma careta contraindo o abdômen e só então notei a camisa entreaberta. Desviei o olhar sem jeito e ajudei ele a deitar na cama.
— Por que ficou vermelha de repente? — Questionou com um sorriso fraco tentando abotoar os botões. — Nunca viu um homem sem camisa?
— Claro que não. — Respondi ofendida e me levantei indo buscar o café. — Está sentindo dores? — Ele negou com a cabeça pegando o pão e mordiscando devagar. Os lábios feridos pareciam repuxar e ele largou o pão. Toquei na testa dele conferindo a temperatura ainda alta.
— Você precisa se alimentar.
— Tudo dói. — Respondeu e eu terminei de fechar cuidadosamente a camisa dele. Recolhi novamente o prato com o pão e despedacei colocando um pedaço menor na boca dele.
— Consegue mastigar? — Perguntei e ele fechou a boca devagar. — Eu que fiz esse pão. A madre me mandou cozinhar para meu hóspede.
— Ela não gosta muito de mim. — Ele concluiu engolindo o pedaço e eu sorri servindo mais.
— Ela não gosta muito de ninguém.
— Está muito saboroso! — Elogiou e eu peguei o copo servindo cautelosamente o café. — Você não é muito jovem para ser freira?
— Eu não sou uma freira. Sou uma noviça.
— Qual a diferença? Digo, além das roupas. — Perguntou observando meu hábito branco.
— As freiras fazem votos de castidade, de obediência e de pobreza. E bem... Graças a sua chegada ontem eu não pude fazer os meus votos.
— Desculpa! Te atrapalhei?
— Na verdade você me salvou. — Respondi e ele arqueou a sobrancelha. — Eu ainda não me decidi se quero ser uma freira.
— Por que está aqui então?
— Sou uma promessa. — Respondi colocando mais pão na boca dele. — O casamento da minha mãe estava por um fio, então ela prometeu que se tudo voltasse a ficar bem, a única filha seria entregue ao convento.
— Eu não sou adepto de promessas, mas creio que quem faz que deveria cumpri-las. — Respondeu e eu suspirei pesarosa. Terminei de alimentá-lo e levantei abrindo uma das janelas de madeira. O sol entrou preguiçoso iluminando o pequeno quarto. — Por que não vai embora daqui?
— Porque não tenho para onde ir.
— Para onde você queria ir? — Questionou bocejando.
— Para o mundo.
— O mundo é bem grande. — Comentou ironicamente e eu o olhei.
— Qual o seu nome?
— É melhor você não saber, Angeline. — Respondeu misterioso e eu peguei o prato e o copo. — Quanto menos souber sobre mim, melhor.
— Te chamamos de forasteiro.
— A sua madre me chama de diabo. — Comentou divertido.
— Ela não é minha madre. É a madre superior, responsável por todas nós.
— Mesmo você não sendo uma freira, se comporta mais como uma do que ela. — Brincou me fazendo sorrir.
— Angeline! — A madre superior me chamou séria entrando no quarto e eu parei de sorrir imediatamente. — Está na sua hora de ir lavar os lençóis! — Assenti me preparando para sair do quarto. — Quanto à você, meu rapaz, já parece bem melhor que ontem, já pode ir embora.
— Ele ainda está febril e sentindo dores. — Me intrometi e ela me olhou severa.
Caminhei para fora do quarto e parei atrás da porta com receio dela dar algum sermão nele. Porém para minha surpresa ela seguiu no meu encalço.
— O que ainda faz aqui?
— Já estou indo, madre. — Respondi seguindo praticamente em fuga para a lavanderia.
Encontrei Marry Ann já colocando de molho os lençóis nas dezenas de bacias.
— Como o forasteiro está? — Murmurou e eu me ajoelhei próximo da bacia para esfregar os tecidos com a escova.
— Um pouco melhor. Ele se recusa a dizer o nome. Disse que é melhor não saber muito sobre ele.
— Deve ser mesmo um fora da lei.
— Eu não acho que seja. Ele tem algo nos olhos. Uma luz boa.
— Para você todos são bons, Angeline. — Me repreendeu e eu dei de ombros.
— E não é o que somos ensinadas desde cedo? A acreditar na bondade alheia?
— Sim, mas também somos ensinadas a distinguir o mal e reprimir a força dele. — Assenti e ela me olhou séria. — Você não pode deixar o seu coração se enganar. É assim que o mal entra. Pelas brechas que damos.
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O Caso Harley
Short StoryAngeline Morgan foi entregue para o convento como pagamento de uma promessa feita pela sua mãe. Obrigada a ficar enclausurada dentro dos muros altos, vivendo uma disciplina rígida, cada vez mais ela deseja conhecer o mundo e abandonar a vida de reti...