Capítulo III

5.5K 624 27
                                    

— Pela manhã após a oração matinal levei o café para servir para o forasteiro. — Continuei contando após tomar um pouco de água sob o olhar atento de Anthony e Jimmy. — Segui para o quarto e ao abrir a porta me deparei com ele tentando levantar. — Você não deveria estar de pé ainda! — O repreendi deixando o prato com pão e o copo de café sobre a cômoda. Ele fez uma careta contraindo o abdômen e só então notei a camisa entreaberta. Desviei o olhar sem jeito e ajudei ele a deitar na cama.

— Por que ficou vermelha de repente? — Questionou com um sorriso fraco tentando abotoar os botões. — Nunca viu um homem sem camisa?

— Claro que não. — Respondi ofendida e me levantei indo buscar o café. — Está sentindo dores? — Ele negou com a cabeça pegando o pão e mordiscando devagar. Os lábios feridos pareciam repuxar e ele largou o pão. Toquei na testa dele conferindo a temperatura ainda alta.

— Você precisa se alimentar.

— Tudo dói. — Respondeu e eu terminei de fechar cuidadosamente a camisa dele. Recolhi novamente o prato com o pão e despedacei colocando um pedaço menor na boca dele. 

— Consegue mastigar? — Perguntei e ele fechou a boca devagar. — Eu que fiz esse pão. A madre me mandou cozinhar para meu hóspede.

— Ela não gosta muito de mim. — Ele concluiu engolindo o pedaço e eu sorri servindo mais. 

— Ela não gosta muito de ninguém.

— Está muito saboroso! — Elogiou e eu peguei o copo servindo cautelosamente o café. — Você não é muito jovem para ser freira?

— Eu não sou uma freira. Sou uma noviça.

— Qual a diferença? Digo, além das roupas. — Perguntou observando meu hábito branco. 

— As freiras fazem votos de castidade, de obediência e de pobreza. E bem... Graças a sua chegada ontem eu não pude fazer os meus votos.

— Desculpa! Te atrapalhei?

— Na verdade você me salvou. — Respondi e ele arqueou a sobrancelha. — Eu ainda não me decidi se quero ser uma freira. 

— Por que está aqui então?

— Sou uma promessa. — Respondi colocando mais pão na boca dele. — O casamento da minha mãe estava por um fio, então ela prometeu que se tudo voltasse a ficar bem, a única filha seria entregue ao convento.

— Eu não sou adepto de promessas, mas creio que quem faz que deveria cumpri-las. — Respondeu e eu suspirei pesarosa. Terminei de alimentá-lo e levantei abrindo uma das janelas de madeira. O sol entrou preguiçoso iluminando o pequeno quarto. — Por que não vai embora daqui?

— Porque não tenho para onde ir.

— Para onde você queria ir? — Questionou bocejando.

— Para o mundo.

— O mundo é bem grande. — Comentou ironicamente e eu o olhei. 

— Qual o seu nome?

— É melhor você não saber, Angeline. — Respondeu misterioso e eu peguei o prato e o copo. — Quanto menos souber sobre mim, melhor.

— Te chamamos de forasteiro. 

— A sua madre me chama de diabo. — Comentou divertido.

— Ela não é minha madre. É a madre superior, responsável por todas nós.

— Mesmo você não sendo uma freira, se comporta mais como uma do que ela. — Brincou me fazendo sorrir.

— Angeline! — A madre superior me chamou séria entrando no quarto e eu parei de sorrir imediatamente. — Está na sua hora de ir lavar os lençóis! — Assenti me preparando para sair do quarto. — Quanto à você, meu rapaz, já parece bem melhor que ontem, já pode ir embora.

— Ele ainda está febril e sentindo dores. — Me intrometi e ela me olhou severa.

Caminhei para fora do quarto e parei atrás da porta com receio dela dar algum sermão nele. Porém para minha surpresa ela seguiu no meu encalço.

— O que ainda faz aqui?

— Já estou indo, madre. — Respondi seguindo praticamente em fuga para a lavanderia.

Encontrei Marry Ann já colocando de molho os lençóis nas dezenas de bacias.

— Como o forasteiro está? — Murmurou e eu me ajoelhei próximo da bacia para esfregar os tecidos com a escova.

— Um pouco melhor. Ele se recusa a dizer o nome. Disse que é melhor não saber muito sobre ele.

— Deve ser mesmo um fora da lei.

— Eu não acho que seja. Ele tem algo nos olhos. Uma luz boa.

— Para você todos são bons, Angeline. — Me repreendeu e eu dei de ombros.

— E não é o que somos ensinadas desde cedo? A acreditar na bondade alheia?

— Sim, mas também somos ensinadas a distinguir o mal e reprimir a força dele. — Assenti e ela me olhou séria. —  Você não pode deixar o seu coração se enganar. É assim que o mal entra. Pelas brechas que damos.

O Caso HarleyOnde histórias criam vida. Descubra agora