Capítulo IX

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— Vira! — Harley pediu e eu dei uma meia volta na sua frente. Ele analisou minuciosamente com a mão no queixo. — Sim, leva esse também!

— Já é o terceiro vestido. Onde vou guardar tudo isso? — Questionei voltando a me olhar no espelho. O tecido era justo e acima dos joelhos. Eu me sentia nua com ele. 

— Vou comprar uma bolsa para carregar nossas novas roupas, não se preocupe. E escolha roupas íntimas também. — Avisou se levantando do banco onde estava me olhando. — Agora tire esse véu!

Respirei fundo tomando coragem, foram muitos anos cobrindo meus cabelos. Era estranho como me sentia fazendo algo muito errado ao largar todo o hábito de noviça. Soltei meus cabelos e Harley sorriu me observando.

— Seus cabelos são lindos! Aliás, você é inteiramente linda, Angeline! — Disse me observando com atenção. Senti minhas bochechas queimarem e ele pareceu notar meu constrangimento. — Vou procurar algumas coisas para mim agora. — Avisou saindo de perto.

— Eu tenho esses modelos. — A vendedora surgiu do nada me mostrando minúsculas peças.

— O que é isso?

— Calcinhas. — Ela respondeu e eu arregalei os olhos ao notar que uma se tratava de apenas um fio de largura.

— Misericórdia! Não tem outro modelo? Com tecido! — Pedi e ela riu alto como se eu tivesse contado alguma coisa muito engraçada. Após ela me mostrar coisas mais decentes segui para o outro lado da loja e encontrei Harley experimentando uma camisa de botões. Notei um ferimento na costela dele. Toquei suavemente e ele suspirou se afastando.

— O que está fazendo?

— A cicatrização desse ferimento não é da mesma época que os seus outros hematomas. — Respondi e ele piscou confuso. — Você já estava machucado antes. Onde se machucou tanto?

— Não vem ao caso.

— Claro que vem. Tem mais algum ferimento além desse?

— Não. — Respondeu vacilante e eu puxei a camisa dele, ao tentar fugir virou de costas e eu acabei notando inúmeras cicatrizes em sua pele. Era como um mapa da dor.

— O que aconteceu com você? — Questionei preocupada e ele permaneceu de costas para mim, com a cabeça baixa. Toquei suavemente nas cicatrizes antigas e ele enrijeceu a postura, virou para mim imediatamente, segurando a minha mão.

— Não me toque assim! — Pediu me olhando nos olhos.

— Desculpe, não imaginei que ainda doessem.

— Não dói. O problema é outro. Mas você é inocente demais para entender isso. — Respondeu soltando a minha mão e se afastando repentinamente. Permaneci parada no mesmo lugar e ele entrou atrás das cortinas para trocar de roupa. Após comprar uma bolsa guardamos tudo dentro e seguimos para outro lugar estranho com espelho no teto, onde ele pagou apenas uma hora. Tomei banho e vesti a roupa nova deixando meu hábito de vez para trás. Era difícil me desfazer da roupa que fazia parte de mim. Olhei no espelho o tecido com cor rosa claro da minha blusa e a calça azul que ficava muito próxima da pele marcando as minhas curvas. Era tudo muito esquisito. Estava secando meus longos cabelos com a toalha quando Harley saiu do banheiro já vestido e me olhou com atenção.

— Algum problema? — Questionei intrigada e ele engoliu em seco.

— Nã... Não. Vamos... Logo! — Chamou parecendo nervoso. Larguei a toalha no banheiro e penteei meus cabelos com os dedos. Coloquei meu crucifixo no pescoço e segui atrás de Harley que carregava a nossa bolsa. Ao passar pelo homem da recepção para entregar a chave, ele me olhou com curiosidade e Harley o encarou sério, fazendo o homem abaixar a cabeça. Seguimos para o estacionamento onde ele montou e voltou a olhar minha roupa.

— Por que todos estão me encarando assim? Primeiro você, depois o rapaz e agora você novamente.

— Porque sua beleza chama atenção, Angeline. — Respondeu e eu o olhei surpresa. — Atenção demais.

— Então a sua troca de visual não foi planejada por você? — Anthony questionou ao me ouvir.

— Não, foi necessidade mesmo. Eu fugi do convento sem carregar nenhum dos meus hábitos brancos. E já que estava fora do convento fazia mais sentido me vestir como todas as pessoas se vestiam. Apesar de eu não conseguir compreender como as mulheres usavam peças tão desconfortáveis e apertadas, não tive opção. — Respondi e ele assentiu. — Bom, eu montei na moto e seguimos viagem por um longo tempo até chegarmos​ em um posto, onde paramos para abastecer. Enquanto Harley colocava gasolina, me deu dinheiro para ir comprar um lanche na loja de conveniência. Entrei, peguei uns salgados e refrigerantes, paguei e quando fui pegar o troco, ouvi um estrondo muito alto na porta de vidro, espatifando cacos por toda parte.

— Abaixa! Abaixa! — O vendedor mandou nervoso. Porém eu peguei o troco, a sacola e corri para fora da loja. Foi quando notei a polícia atirando contra a moto de Harley. Ele deu uma meia curva e parou ao meu lado, sem pensar direito eu subi na garupa e nós fugimos ao som de vários disparos. Abracei ele apertado com medo de cair devido a rápida velocidade, e também com medo de ser baleada por conta dos tiros. Após correr muito ele finalmente parou ao entrar numa rua tranquila e despistar os policiais.

— O que foi isso? Por que estamos fugindo da polícia? — Perguntei assustada e ele passou as mãos pelos cabelos de forma exasperada. — Me diz, Harley! — Exigi uma explicação e ele ponderou um instante.

— Porque eu estou sendo acusado de assassinato. — Respondeu me deixando completamente sem chão.

O Caso HarleyOnde histórias criam vida. Descubra agora