— Vira! — Harley pediu e eu dei uma meia volta na sua frente. Ele analisou minuciosamente com a mão no queixo. — Sim, leva esse também!
— Já é o terceiro vestido. Onde vou guardar tudo isso? — Questionei voltando a me olhar no espelho. O tecido era justo e acima dos joelhos. Eu me sentia nua com ele.
— Vou comprar uma bolsa para carregar nossas novas roupas, não se preocupe. E escolha roupas íntimas também. — Avisou se levantando do banco onde estava me olhando. — Agora tire esse véu!
Respirei fundo tomando coragem, foram muitos anos cobrindo meus cabelos. Era estranho como me sentia fazendo algo muito errado ao largar todo o hábito de noviça. Soltei meus cabelos e Harley sorriu me observando.
— Seus cabelos são lindos! Aliás, você é inteiramente linda, Angeline! — Disse me observando com atenção. Senti minhas bochechas queimarem e ele pareceu notar meu constrangimento. — Vou procurar algumas coisas para mim agora. — Avisou saindo de perto.
— Eu tenho esses modelos. — A vendedora surgiu do nada me mostrando minúsculas peças.
— O que é isso?
— Calcinhas. — Ela respondeu e eu arregalei os olhos ao notar que uma se tratava de apenas um fio de largura.
— Misericórdia! Não tem outro modelo? Com tecido! — Pedi e ela riu alto como se eu tivesse contado alguma coisa muito engraçada. Após ela me mostrar coisas mais decentes segui para o outro lado da loja e encontrei Harley experimentando uma camisa de botões. Notei um ferimento na costela dele. Toquei suavemente e ele suspirou se afastando.
— O que está fazendo?
— A cicatrização desse ferimento não é da mesma época que os seus outros hematomas. — Respondi e ele piscou confuso. — Você já estava machucado antes. Onde se machucou tanto?
— Não vem ao caso.
— Claro que vem. Tem mais algum ferimento além desse?
— Não. — Respondeu vacilante e eu puxei a camisa dele, ao tentar fugir virou de costas e eu acabei notando inúmeras cicatrizes em sua pele. Era como um mapa da dor.
— O que aconteceu com você? — Questionei preocupada e ele permaneceu de costas para mim, com a cabeça baixa. Toquei suavemente nas cicatrizes antigas e ele enrijeceu a postura, virou para mim imediatamente, segurando a minha mão.
— Não me toque assim! — Pediu me olhando nos olhos.
— Desculpe, não imaginei que ainda doessem.
— Não dói. O problema é outro. Mas você é inocente demais para entender isso. — Respondeu soltando a minha mão e se afastando repentinamente. Permaneci parada no mesmo lugar e ele entrou atrás das cortinas para trocar de roupa. Após comprar uma bolsa guardamos tudo dentro e seguimos para outro lugar estranho com espelho no teto, onde ele pagou apenas uma hora. Tomei banho e vesti a roupa nova deixando meu hábito de vez para trás. Era difícil me desfazer da roupa que fazia parte de mim. Olhei no espelho o tecido com cor rosa claro da minha blusa e a calça azul que ficava muito próxima da pele marcando as minhas curvas. Era tudo muito esquisito. Estava secando meus longos cabelos com a toalha quando Harley saiu do banheiro já vestido e me olhou com atenção.
— Algum problema? — Questionei intrigada e ele engoliu em seco.
— Nã... Não. Vamos... Logo! — Chamou parecendo nervoso. Larguei a toalha no banheiro e penteei meus cabelos com os dedos. Coloquei meu crucifixo no pescoço e segui atrás de Harley que carregava a nossa bolsa. Ao passar pelo homem da recepção para entregar a chave, ele me olhou com curiosidade e Harley o encarou sério, fazendo o homem abaixar a cabeça. Seguimos para o estacionamento onde ele montou e voltou a olhar minha roupa.
— Por que todos estão me encarando assim? Primeiro você, depois o rapaz e agora você novamente.
— Porque sua beleza chama atenção, Angeline. — Respondeu e eu o olhei surpresa. — Atenção demais.
— Então a sua troca de visual não foi planejada por você? — Anthony questionou ao me ouvir.
— Não, foi necessidade mesmo. Eu fugi do convento sem carregar nenhum dos meus hábitos brancos. E já que estava fora do convento fazia mais sentido me vestir como todas as pessoas se vestiam. Apesar de eu não conseguir compreender como as mulheres usavam peças tão desconfortáveis e apertadas, não tive opção. — Respondi e ele assentiu. — Bom, eu montei na moto e seguimos viagem por um longo tempo até chegarmos em um posto, onde paramos para abastecer. Enquanto Harley colocava gasolina, me deu dinheiro para ir comprar um lanche na loja de conveniência. Entrei, peguei uns salgados e refrigerantes, paguei e quando fui pegar o troco, ouvi um estrondo muito alto na porta de vidro, espatifando cacos por toda parte.
— Abaixa! Abaixa! — O vendedor mandou nervoso. Porém eu peguei o troco, a sacola e corri para fora da loja. Foi quando notei a polícia atirando contra a moto de Harley. Ele deu uma meia curva e parou ao meu lado, sem pensar direito eu subi na garupa e nós fugimos ao som de vários disparos. Abracei ele apertado com medo de cair devido a rápida velocidade, e também com medo de ser baleada por conta dos tiros. Após correr muito ele finalmente parou ao entrar numa rua tranquila e despistar os policiais.
— O que foi isso? Por que estamos fugindo da polícia? — Perguntei assustada e ele passou as mãos pelos cabelos de forma exasperada. — Me diz, Harley! — Exigi uma explicação e ele ponderou um instante.
— Porque eu estou sendo acusado de assassinato. — Respondeu me deixando completamente sem chão.
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O Caso Harley
Short StoryAngeline Morgan foi entregue para o convento como pagamento de uma promessa feita pela sua mãe. Obrigada a ficar enclausurada dentro dos muros altos, vivendo uma disciplina rígida, cada vez mais ela deseja conhecer o mundo e abandonar a vida de reti...