Separações

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Bairro Central de West City, num sábado qualquer no do verão de 2017

Goku abriu os olhos e deu um profundo suspiro. Ele estava no centro de um colchão tamanho queen e pensou "que bom que ainda é sábado". O sol entrava fortemente pelas janelas, agora sem as cortinas e ele estranhou o ângulo pelo qual via o quarto e então lembrou-se que ela havia levado a cama.

"Deus do céu. Ela levou a porra da cama!" – ele pensou, lembrando da discussão da antevéspera. Esticou o braço e pegou o CD dos Stones que ele havia resgatado no meio de outros, que ela levara. Ninguém mais no mundo escutava cds, mas os dois haviam brigado por vários deles, e, no fim, ele cedera Pearl da Janis Joplin, A Kind of Magic do Queen e todos os do Linkin Park, que ele adorava, mas se aferrara a Aftermath, dos Stones e alguns do Van Hallen. Se Vados quisesse ouvir Paint it black ou Love walks in que baixasse pelo spotify.

Sentou-se no colchão. Havia dormido nu, um dos hábitos que ela adorava criticar. Agora ele estava livre para cultivar todos eles, inclusive comer biscoitos na cama, andar de cuecas pela casa de janelas abertas e por os pratos na lava-louça sem "passar um papel ou jogar uma aguinha" antes, como ela gostava de fazer.

- Foda-se – ele disse em voz alta, e sua voz saiu cheia de raiva. Nenhum dos amigos sabia ainda da separação, ele pensou, antes de sentir um arrepio de desconfiança e pegar o celular para verificar o Facebook.

Olhou o próprio status de relacionamento e viu "casado" assinalado. Isso não mudaria enquanto ele não mudasse, mas antes, dizia casado e com quem. Deu busca em "Vados Daishinkan" e para sua absoluta surpresa, ela não era mais sequer sua amiga no aplicativo. Olhou o perfil dela. Havia passado de "Casada" para "em um relacionamento sério", relacionamento este que, obviamente, não era com ele.

Uma onda de raiva subiu pelo seu estômago e ele chegou a erguer o smartphone para tacar na parede, mas então pensou "eu também tenho parte nisso" e, então, apenas voltou ao próprio perfil e mudou seu status para "solteiro" que era o que ele era agora. Levantou-se, carregando o celular e foi até a cozinha. O escritório dele ainda tinha mobília, mas o closet, luxo que Vados amava, e a sala estavam completamente vazios.

"Vou fazer uma sala de jogo no lugar do closet. Comprar um Xbox One. Um Playstation. Fazer tudo que eu gosto e ela odiava..." – ele pensou. Precisava mesmo de uma TV, já que ela havia levado a deles. Chegou à cozinha e deu um sorriso satisfeito. Ali ela não havia mexido. A geladeira, o top cook, a lava-louças... nada disso era possível de retirar e havia ficado de fora da limpa que ela fizera. Que cozinhasse agora num fogareiro a álcool, a cretina. Mas ela não cozinhava. O máximo que fizera, a vida toda, fora esquentar coisas no micro-ondas, que ela deixara porque não estava funcionando muito bem.

Goku abriu a geladeira, pegou uma caixa de leite e foi procurar os seus cereais matinais favoritos. Mas os armários estavam vazios, claro. Não bastava ter ido embora, tinha que levar toda comida, menos o leite, que ela detestava. Ele começou a beber o leite direto da caixa e pensou: "Mas fiquei com o apartamento e o colchão" depois de um minuto disse em voz alta:

- Grandes merdas, Goku, você ficou com a porra do apartamento enorme e vazio, mas pelo menos o colchão é seu... seu babaca.

Ele havia comprado o colchão novo há menos de dois meses, depois que ela lera uma reportagem sobre ácaros e reclamara da rinite. Ele havia feito muitas piadas sobre um colchão novo ser um investimento e tanto na relação, mas ela apenas sorrira, sem jeito e de má vontade. Devia ter desconfiado, ele pensou. E na véspera, quando ela dissera "fique com apartamento, mas os móveis não embutidos são meus" e ele gritara: "Menos o colchão. Paguei caro por ele!".

Quando Goku conheceu ChichiOnde histórias criam vida. Descubra agora