PENSAMENTOS DE LÉO

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"Resgate sua criança interior

                                                               para que seu adulto não o sufoque."

É fim de semana e mesmo não tendo que acordar cedo, sou o primeiro a estar de pé. Minha mãe sempre fala que tenho bicho carpinteiro no rabo, por não parar sossegado. Com 8 anos de idade eu sequer conheço esse bicho e espero nunca conhecer. Nos dias de Sol gosto muito de andar de bicicleta mas como hoje está chovendo, vou brincar com meus amigos de escorregar na grama com minha prancha feita de tampa de privada. Não que não gostássemos de andar de bicicleta na chuva, mas aproveitamos os dias de chuva e a grama molhada para as derrapagens.

Gosto muito de já ser grande, com quase nove anos completos posso fazer muitas coisas sozinho. Sou considerado quase independente. Um copo de leite quente e 2 fatias de pão seguidos de uma rápida escovada nos dentes são o suficiente para poder sair de casa em direção a praça onde o pessoal se reúne com a tampa embaixo do braço. Todos os dias, quando saio de casa em direção aos meus amigos, sinto-me muito feliz por estar vivendo aquilo tudo. Parece a mesma sensação das noites em que a família está reunida para jantar ou dias de festas especiais como natal, páscoa ou aniversários. Me sinto completo estando com amigos em situações divertidas, o que não é raro em minha vida.

Ao contrário disso tudo, são os dias das provas de história ou ciências. Estas duas matérias me deslocam por completo do meu real mundo. Medo e um grande incômodo tomam conta de mim, mas ao final das provas, antes mesmo de chegar em casa, tudo já está resolvido em minha cabeça.

A praça está vazia ainda. Somente Rogério e Renato estão embaixo de uma árvore sentados sobre tijolos e conversando. Gostamos de conversar coisas importantes como o futuro: crescer para dirigir o carro do pai. Sobre coragem: nosso pavor de injeção. Sobre mulheres: o quanto são chatas e metidas. Sobre cultura: o grande golpe final de karatê kid. Ou esporte: sou o grande campeão de bola de gude da praça.

Não era para menos que Rogério e Renato estavam planejando suas manobras na descida da grama molhada. Nossa maior descoberta teria sido conseguir manobrar nossas "máquinas" escolhendo em que direção ir, assim podíamos fazer zig-zag e até mesmo empurrar o colega do lado com uma trombada.

Sentamos um ao lado do outro, sobre nossas tampas. Nós três sempre fomos amigos, desde quando nos conhecemos bem pequenos. As vezes horas e horas se passam e nem percebemos quando estamos juntos.

Renato é filho de mãe solteira e não conhece seu pai. Nos dias dos pais já é tradição que ele almoce com sua mãe lá em casa. É um dia muito divertido e Renato, com a minha permissão é claro, também dá um presente a meu pai dizendo ser o melhor pai de amigo que ele tem. Já Rogério tem seu pai, mas melhor que não tivesse pois, bate nele e em sua mãe. Mas isso já é outra história que me faz valorizar ainda mais o meu pai.

Como ninguém mais apareceu e a vontade de brincar é grande, fomos correndo para a descida de grama há duas quadras da praça e ao chegar tivemos uma grande decepção. Nosso local de maior adrenalina em dias de chuva havia sido destruído por um grande monstro amarelo, feito de metal e patas de borracha. Meu pai diz que é o progresso chegando. Que no futuro tudo isso serão apenas prédios e esse era o motivo de existir as praças.

Ora, então quer dizer que estávamos obrigados a brincar no único local onde ainda permitirão? E logo a praça que é toda delimitada e certinha. Árvores podadas, grama aparada, bancos de verdade, parquinho perfeitinho. Não precisa imaginar nada pois, já está tudo ali. Isso é muito chato. Fora saber que nossas mães saberão exatamente onde estamos e o que estamos fazendo. Não, não e não!

Garotos como eu gostam das coisas fora do controle dos pais e às vezes até mesmo fora de nosso próprio controle. Acho que nunca em minha vida terei as coisas premeditadas. Minha vida será um dia diferente do outro, um melhor que o outro. Não sei como meu pai consegue, todos os dias, fazer sempre a mesma coisa. Acorda, toma banho, faz a barba, toma o café ao som do jornal da manhã e após beijar eu e meus irmãos se vai para mais um dia inteiro de sala gelada, pouco sol e muitas incomodações. Ou seja, um escritório.

Adaptação, a palavra é essa. Sem nosso gramado inclinado, o jeito é nos adaptar a realidade. Como é fácil ser flexível. Achar opções, se reposicionar, criar e recriar. Dançar conforme a música procurando o melhor do salão. Dar o melhor de nós pela nossa felicidade. Mudar sem deixar a essência. Essa é nossa principal característica. Claro que não sabemos disso no nosso consciente. É tudo muito sutil. É algo tão nosso que não enxergamos mais. É assim como não precisamos pensar para respirar ou bater o coração. É algo vital.

Fico vendo as pessoas mais velhas. Até alguns não muito velhos já chamam minha atenção. São duros, cristalizados. Para mudar, é como se tivessem que quebrar algo. Às vezes são tão duros que nem quebrar conseguem e assim não mudam nada.

Eu, volta e meia, estou mudando. Minhas vontades, as garotas que gosto, os amigos mais visitados, as brincadeiras. Não é à toa que sei tantas coisas. Tudo em mim sempre está mudando.

Tenho um amigo - muito mais velho que eu - que vejo que está mudando. É cômico de ver o caos que ele está vivendo em virtude dessas mudanças.

Essa quebra, essa virada, foi colocada toda dentro de uma tempestade ao invés de tê-la embaixo de um arco-íris. Outro dia o encontrei caminhando a beira-mar e por alguns instantes consegui vê-lo fora de tudo isso e simplesmente vivendo assim como eu vivo. O que temo é que ele se transforme num velho daqueles que dá medo de se ver. Dos tipos daquele vizinho dele. Aquele sim me dá calafrios. Todos os meus colegas dizem que estou sendo exagerado mas algo nele me apavora, como se eu tivesse alguma ligação.

O sol começa a se abrir, o que nos deixa ainda mais felizes e assim o dia, semanas e meses passam sem nem nos importarmos com que velocidade. Sem nos importarmos com o futuro ou ruminarmos o passado. Simplesmente presentes no presente. Aqui e agora.

Bom, mas agora voltando a ter pensamentos mais compatíveis com os de um garoto de 8 anos é hora de criar e brincar junto a meus colegas. Afinal não é sempre que temos uma obra inteira só pra nós.


CONTINUE LENDO MAS ANTES ...

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Tempestade do euOnde histórias criam vida. Descubra agora