CURTINDO A TEMPESTADE

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"Seus medos são suas piores criações.

Então, pare de criá-los."

Eu devia ter uns 15 anos. Idade em que já se deixava de fazer algumas coisas que fazemos quando criança. Bom, estava eu voltando do colégio, por volta das 18:00h, quando o céu já estava acinzentado. Começou a escurecer muito rápido armando-se para uma forte chuva. Resolvi correr tentando chegar em casa antes mesmo do primeiro pingo. Corri, mas de certa forma, sabia que aquela corrida seria em vão a não ser que a tempestade se desfizesse. Corri muito, muito rápido até que os pingos começaram a cair. Lembro do sentimento de cansaço, pavor por estar molhando a roupa do uniforme e frustração por não ter conseguido chegar em casa a tempo. Mas cobro-me quando todos esses sentimentos se esvaíram junto a chuva e me vi completamente encharcado, restando somente fazer a escolha de curtir a chuva como fazia quando era menor. Curtir os pingos, as cascatas que desciam dos grandes muros de pedra, os pequenos riachos formados ao lado das calçadas e todo aquele sentimento de quebra por não estar entocado em algum lugar esperando a chuva passar. Hoje sentado aqui em minha cama, tento trazer aquela mesma chuva e usá-la também como ensinamento para tudo isso que estou passando.

Momentos depois, adormeço e em um sono profundo vivencio um momento mágico de estar voando. Não tenho muito controle de meu vôo. É como se estivesse deslizando sobre um chão ensaboado ou com uma bicicleta sobre um lago congelado. A sensação é boa mas não ter controle da situação me deixa um pouco tenso. Sinto que faço escolhas mas ao mesmo tempo sou levado por uma força. Como se esta força atendesse um pouco a meus comandos mentais, mas não completamente. Eu voava por caminhos desconhecidos. Interiores de casas, lugares abertos, topos de cidades e junto a copas de árvores. Lugares que havia visitado e outro não. Às vezes sentia-me intruso estando ali, outras não incomodava em nada.

A grande magia de toda esta vivência foi a sensação de estar voando. A sensação de perder toneladas de minhas costas, de despregar meus pés do chão, de conseguir desgrudar de tudo. Como se toda a carga de que havia passado naquele dia não existisse mais. Acordo, 2 horas depois com a sensação de ter sido presenteado não só com a experiência mas também com a visão de que tudo pode ser mais leve. Que não ter o controle de tudo não é o fim do mundo. Que isso é possível e saudável. Me sinto mais forte e feliz. Com fome, vou a cozinha com vontade de comer frutas. Vontade de ingerir coisas saudáveis. De cuidar de mim. Lá encontro maçãs e lembro do exercício feito para sorrir. Será que foi isso que deu início ao que acabei de passar? Em minha mente agradeço a Tim por estar por perto fazendo a diferença e às maçãs por suas cores, sabores e pela palavra que faz sorrir.

São cerca de 4 horas da tarde. O Sol agora mais fraco, me permite ir para fora de casa. Fico na calçada frente ao prédio, sentado sobre um pequeno muro. Este muro é também frente ao apartamento de Homero. Viro para trás mas só o que vejo é a janela fechada e as cortinas impedindo de avistar o que está lá dentro. Volto a lembrar do meu último sonho. E as possibilidades de voar e de atravessar sólidos. Isso faz imaginar-me entrando naquele apartamento e conhecendo todos os detalhes. O que há lá dentro? Vendo Homero em sua rotina e tentando entender seus porquês. Desperto desta "viagem" com um barulho de trinco de porta. Num primeiro momento pensei ter ouvido a trava da porta de Homero destrancando-se e com isso "gelei". Uma sensação de medo e hesitação mas agora misturados com frustração por não ser nada mais que alguns ruídos. Como fazemos das dúvidas imensos dragões? E a cada dia que alimentamos estas dúvidas maiores elas vão ficando. Maiores que tudo. Acabamos perdendo a noção e de pequenas coisas mal resolvidas transformamos em grandes conflitos. Neste momento minha curiosidade havia se transformado em objetivo, ou melhor, em missão. Descobrir algo sobre Homero, conhecê-lo e até entendê-lo teriam se transformado em coisas importantes para mim. Algo que antes era uma pequena curiosidade sem importância, tornara-se nisso. O que me aflige é todo este peso sobre um simples conhecer. O meu medo da não aceitação e do desconhecido. Homero não parece ser do mau, não parece ser nem perigoso, nem bonzinho mas são apenas suposições.

Tempestade do euOnde histórias criam vida. Descubra agora