"As melhores amizades são as que permitem que você cresça."
No dia seguinte, logo cedo, acordo com o ronco de uma moto. Algo grave e estridente. Aceleradas desnecessárias e desconfortantes para um ouvido de ressaca. Na boca, o gosto de "bebi demais" e o peso da cabeça multiplicado por 10 sobre o travesseiro. O ruído da moto acaba e segundos depois alguém bate em minha porta. Estou decidido a não atender mas as batidas são incansáveis e ouço a voz de Tim, irritantemente de bom humor. Com isso sou obrigado a levantar e abrir a porta com o aviso de que estou de ressaca. De capacete na mão e jaqueta de couro, Tim entra tagarelando, vai direto a geladeira pegar água gelada e se serve em grandes goladas.
— OK Augusto, vista-se e vamos passear em minha nova moto.
—Tenho certeza que não consigo. Minha cabeça dói e ainda estou com muito sono. - Respondo irritado.
— Ora, vamos caro colega. Hoje não há tempo pra isso. Tome um copo d'água e deixe suas dores neste apartamento pois em minha moto só há lugar para dois.
Agora mais acordado, clareio melhor minhas percepções e empolgo-me com a ideia de sair de moto. Pegar a estrada. E assim fica mais fácil de reagir ao meu estado lamentável de sono e mal estar. Me ajeito rapidamente e ao escovar os dentes lembro do meu último companheiro de batalha frente ao espelho, minhas luvas de couro, e coloco-as em meu bolso.
Tim apressa-me e saio do apartamento sem olhar para trás, deixando ali todo o desconforto que sentia. Fico realmente encantado com aquela máquina. Detalhes cromados, acessórios em couro, toda limpa e sem nenhum arranhão, brilhava ao sol. Seu modelo Custom é o que mais atrai. Me senti reanimado, forte e disposto perto dela. Sem medo de encarar dificuldades. E com vontade de acelerá-la. Tim nem pergunta se quero guiar e já me entrega a chave, com toda confiança do mundo, aliás esta é uma forte característica dele. Tim confia em quem nem mesmo conhece e, por sorte, nunca quebrou a cara.
Antes de ligar a moto, visto as luvas sob o olhar espantado de Tim.
— O que é isso? Outro sonho escondido? - pergunta Tim com um sorriso no canto de boca e sem precisar da resposta.
Ligo a moto e com leves aceleradas busco me distanciar dos apartamentos para não incomodar os vizinhos. Assim como eu, Homero também deveria estar dormindo e em estado de espírito duvidoso. A sensação de estar guiando aquela máquina é realmente demais. Seu ruído, sua potência, o contato que temos com o ar, com a velocidade, com o perigo, mesmo que politicamente correto, destravam as amarras. Tim ainda não satisfeito diz para que eu teste melhor a máquina e pede que eu acelere ainda mais, colocando aquela belezura acima dos 100 quilômetros por hora. Em direção a Lagoa dos Patos – um parque onde as pessoas vão para curtir a natureza e passar o tempo. Principalmente aos domingos encontram-se pessoas de todas as idades e tribos. Velhos e novos amigos além de lindas garotas. Encontros de todas as raças, pipocas de todas as cores, cheiros doces e salgados, gente chegando e saindo a toda hora. Pena ser um pouco afastado de onde moro, sorte ter a boa companhia de Tim e sua 600 cilindradas.
Como há muito tempo não procuro ter uma vida social, a maioria das pessoas naquele lugar são desconhecidas, ao contrário de Tim que, a cada passo, dava um cumprimento a pessoas diferentes.
A Lagoa dos Patos era assim chamada pela forma de duas rochas que estão quase a 100 metros dentro d'água e que tem a forma de 2 patos, um frente ao outro. É um local onde muitos casais se encontram para namorar e que muitos homens e mulheres se inspiravam para começar um namoro. A Lagoa dos Patos é o perfeito cenário de filmes românticos, e cenário também para a vida real. Um lindo cenário que somado a atmosfera da primavera, encanta a todos. E ali eu me recuperava da ressaca e da quantidade de informações que Homero havia despejado sobre mim.
Uma vida de muitas experiência, de amores e ódios, vitórias e derrotas, acertos e erros e que agora está tão escondida dentro de um escuro apartamento.
Tim, antes distraído com os arredores, agora chama minha atenção perguntando onde estou com meus pensamentos.
— Estava pensando sobre ontem. Passei a noite conversando com Homero, meu vizinho de baixo.
— O velho Homero? Você realmente esteve com ele? - pergunta-me Tim com ar de surpresa e intrigante felicidade.
— Sim. Quebrei a grande muralha que ele havia construído e consegui um espaço em sua agenda. - respondo com ar de vitorioso mas sabendo que não houve vitória alguma pois foi Homero quem permitiu, caso contrário, saberia como me desprezar com êxito.
— Então conte tudo? São verdades as histórias? Todas elas?
— Em partes são todas verdadeiras. Eu disse em partes. Homero é alguém muito vivido e que tem muito a me ensinar. Pra falar a verdade, depois de nossa conversa de ontem eu vi que tenho muito a aprender com muita gente. Com Homero, com você, com Léo e com tantos outros que passaram e passarão em minha vida.
— Não se esqueça de aprender com você mesmo, meu amigo. - aconselhou-me Tim. - Seus erros e acertos, vitórias e derrotas também fazem de ti alguém experiente. Quase que um jovem Homero. - diz sorrindo.
— Estou carregando demais minha vida. Deixando-a pesada sem precisar. Levando a sério demais. Acordando a cada dia como se estivesse começando uma tarefa e não um meio termo entre tarefa e recreio. Vejo Léo em uma leveza singular. Léo flutua, sai do chão para sorrir, inspirar profundo, enche-se de luz. Vejo Homero com o pé no chão. Mas em um profundo que não dá pra ver a luz. Por demais enraizado. Vivendo muito do ontem e pouco do agora. E vejo você, meu caro companheiro, desprovido de amarras, vivendo a felicidade e distribuindo a quem quiser. Um alguém que não usa relógios, que não fala em dinheiro, que não pensa no passado e que faz acontecer um belo presente. Que junta toda a sabedoria que pode em benefício do bem estar real sem prejudicar, sem julgar, de forma leve. E que sempre que preciso, está ao meu lado como um importante coadjuvante em minha vida.
Tim fica sem jeito quando recebe elogios de forma séria como acabei de falar. Seus olhos embaçam, sua postura se altera de forma a deixá-lo um pouco curvado e suas bochechas meio rosadas. Mas isso dura 2 segundos.
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Tempestade do eu
General Fiction"Reflita sobre seu caminho e redesenhe se assim for preciso" O personagem desta história sente que é hora de dar um basta no 'deixar rolar' de sua vida e resolve encarar a tempestade de frente para se reencontrar, resgatando sua criança interior e...