Cruel Sumer [Projeto Lover]

Capítulo 1

As cores.
Aos poucos elas estão me ajudando a entendê-lo melhor. Observo Snow, o meu camaleão, em seu aquário e ele me observa de volta. Um de seus olhos está fixo em mim, e o outro analisa estranhamente a tigela com flocos de banana e maçã que dei a ele em uma oferta de paz. A primeira vez que me viu desde que tudo aconteceu, Snow ficou vermelho. Uau!, eu pensei no mesmo instante, ele me ama. Mas então Christopher, meu irmão mais velho e roqueiro, disse que a mudança de cor nos camaleões tem função na sinalização social. E que vermelho não deve ser associado ao amor nessas circunstâncias, pois nada mais é do que a maneira deles manifestarem a sua irritação em relação a algo, em tentativa de assustar ou intimidar alguém. Eu fiquei triste naquela noite. Enquanto me remexia embaixo das cobertas, olhando para o teto e esperando as horas passarem, cheguei até a seguinte conclusão: Snow sentia que algo estava errado. Mamãe disse que eu não costumava ser a pessoa mais generosa do mundo antes do acidente, mas quando se tratava do meu bichinho exótico de estimação morria de ciúmes. Ela disse também que o único amigo com quem eu costumava desabafar era Snow. Faz sentido, pensei. Independente do que eu dissesse ele certamente não me julgaria.
Snow é o único que me desperta a sensação de familiaridade nesta casa. E mesmo que pareça aborrecido comigo, sinto que nossa amizade ainda está aqui, perdida em algum lugar. Snow encara a tigela de frutas com um olhar enjoado. É quase como se ele estivesse revirando os olhos para mim. Mas ao mesmo tempo é bonitinho.

Faz três dias que me esforço para atrair sua atenção. Tentei conversar, mas ele se virou de costas e afundou em uma pilha de folhas frescas. Experimentei colocar o CD de uma banda incrível chamada Imagine Dragons para tocar no aparelho de som enquanto fazia caretas engraçadas e ele simplesmente esticou a língua (que tinha quase um metro de comprimento, juro!), grudou-a no vidro e ficou me observando com olhos cheios de tédio. Cheguei ao ponto de levá-lo ao pet shop e perguntar se havia algo de errado, mas o veterinário disse que ele precisava de um tempo para se acostumar com minha nova personalidade, pois camaleões são animais que possuem um humor peculiar e se irritam facilmente. Ele também sugeriu que eu trocasse a ração por uma especialmente de grilos (que eu deveria polvilhar com cálcio), mas Snow mordeu o meu dedo e derrubou a tigela quando aproximei a minha mão do aquário.

E então eu chorei. Por Snow. Por mim. Pelo acidente. Por meus pais. Por Christian, que repete o tempo todo sobre o quanto estou estranha. E pelo meu retorno iminente ao colégio.

Olho uma última vez para Snow antes de pegar o maiô azul-claro da Track&Field. Tenho exatamente trinta minutos para afogar meus dramas e praticar a respiração. Nadar é o meu hobbie. Descobri isso quando coloquei os olhos pela primeira vez na piscina aquecida a céu aberto (com bordas invisíveis, que fazem a água parecer cair no horizonte) que há em meu quintal. E não para por aí. Segundo os tablóides que mamãe deixou sob a minha penteadeira esta manhã, descobri que sou uma nadadora de 17 anos profissional, dessas que viajam pra participar de campeonatos e tem o próprio técnico particular. O Treinador Richard. Isso explica t a imprensa fazendo ronda em frente à minha casa. Eu devia ser famosa.

Olha, ninguém merece.

Respiro fundo algumas vezes antes de afundar na água azul cristalina e puxar os joelhos até o peito. Permaneço assim, contando mentalmente até o meu limite. Um limite de três minutos que não consigo quebrar. Quando o meu alarme mental soa, subo até a superfície e recupero o fôlego.

Um pensamento inusitado de que talvez fosse divertido fazer topless numa das espreguiçadeiras passa como um lampejo pela minha mente, mas eu o afasto. Será que esse é o tipo de coisa que a Antiga Celestine faria?

Ouço o som de Christopher na bateria, completamente envolvido pela música. Assim como eu, ele deve estar curtindo seus últimos instantes de paz. Mergulho uma última vez e quando subo até a superfície mamãe está me observando.