Temporal

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Leão tentava rememorar as palavras da canção na língua que não costumava falar com frequência, apesar de muito nervoso, ele não se acovardaria. Mesmo que suas pernas estivessem bambas, Leão seguiria até o fim. O grandão olhava para a janela não sabendo se queria que o jovem Conselheiro aparecesse por entre as cortinas ou talvez fosse melhor que ele nem estivesse em casa. Leão estava certo que assim que seus olhos encarassem os de Augusto teria uma síncope ou no mínimo perderia a voz. Toda sua desenvoltura tinha ido dar uma volta e perdido o caminho de casa.
Madu, em seu esconderijo de quatro rodas, dividia-se entre compadecimento pelo estado de nervos de Leão e vontade de rir pela cara de enfado de Robin que não parecia muito animado com a apresentação. Por mais que continuasse tocando divinamente, para que seu amigo desse início a cantoria, era visível que Robin não se sentia a vontade naquele papel.

Te extraño
Como se extrañan las noches sin estrellas
Como se extrañan las mañanas bellas
No estar contigo, por dios que me hace daño

Por mais que a primeira frase tivesse saindo um tanto desafinada, as seguintes foram melhores e qualquer pessoa que assistisse poderia perceber o empenho que Leão cantava. O rapaz queria realmente impressionar.
A rua em que ficava a casa de Augusto não era muito movimentada, o que destoava totalmente da quantidade de pessoas que aos poucos se aglomerava na rua. A música já estava na segunda estrofe, algumas pessoas se aproximavam dos dois e nada de Augusto aparecer. Talvez ele realmente não estivesse em casa.
Leão suava frio, Robin revirava os olhos e Madu continuava assistindo toda a cena, com o sorriso no rosto, se divertia a valer com o show que assistia, a Rainha não imaginava que o dia terminaria de forma tão imprevisível e divertida. A feição contrariada de Robin era impagável.

- Vamos lá, Augusto, apareça... – Por mais que Madu estivesse se divertindo, não queria que seu amigo Leão passasse vergonha em vão ou que voltasse para casa triste, torcia para o possível casal e esperava que o Conselheiro recebesse Leão da melhor forma possível.

Te extraño
Cuando camino, cuando lloro, cuando río
Cuando el sol brilla, cuando hace mucho frío
Porque te siento como algo muy mío

Como que atendendo ao pedido sussurrado da Rainha, Augusto apareceu na janela apenas de pijama. No primeiro momento o jovem se assustou por ter tanta gente em frente à sua casa e, pela maioria das pessoas estarem olhando diretamente para sua janela. Sem saber o que fazer, puxou a cortina mais que de pressa para cobrir seu corpo vestido. Por mais que estivesse de calça e camisa, ainda eram roupas de dormir e o jovem, que costumava sempre estar apresentável, não costumava aparecer com vestimentas tão pessoais em público.

Te extraño
Como los arboles extrañan el otoño
En esas noches que no concilio el sueño
No te imaginas amor, como te extraño.

Enquanto Augusto não sabia o que fazer diante da situação, Leão continuava com sua cantoria, agora entusiasmada, notas altas e meio desafinadas eram lançadas pelo ar cheia de paixão. Contrariando toda expectativa ao ver o jovem Conselheiro, o jornalista derramou-se em emoção e coragem. Cantaria a noite toda, se Augusto se dispusesse a ouvir.
No final da canção Madu pôs a cabeça para fora do carro e sorriu para Robin, quando seus olhos se encontraram, por sorte o carro estava embaixo de uma frondosa árvore que oferecia a discrição necessária para que a Rainha se mantivesse ali. A mesma troca de olhares aconteceu entre Leão e Augusto, fazendo com que ambos ignorassem todos ao redor, assim Augusto soltou a cortina e Leão se aproximou mais da casa em que seu pretendente estava. Aparentemente a ideia louca de Leão tinha realmente dado certo.
O barbudo havia elaborado uma lista de músicas para cantar, escolhendo com esmero cada uma que poderia vir a significar algo para os dois, mas o mal tempo não permitiu que seu plano se concretizasse até o fim. Assim que os primeiros pingos de chuvas ameaçaram cair Augusto se afastou da janela e sumiu pela casa, a música já havia acabado e Leão por um instante ficou desolado ao pensar que o Conselheiro havia se escondido ou simplesmente o ignorado, mas a porta aberta do andar de baixo indicava outra coisa, assim como o sorriso sincero que Augusto entregou a Leão assim que seus olhos se encontraram mais uma vez naquela noite.
Além de ignorar os curiosos que agora corriam em direção as suas casas, o casal enamorado fechou-se em uma bolha tão particular que não perceberam a médica parada com o violão nas mãos os observando entrar na casa do Conselheiro. E assim Robin recebeu as primeiras gostas de chuva que começou fina, mas logo engrossou ensopando toda a roupa da jovem medica.

- Leão! – Robin se manifestou. – Você não está esquecendo de nada?
- É verdade... Leão, que gafe... – Augusto se aproximou de Robin. – Lindo show, doutor! Obrigado!
- Valeu, Robinzinho!

Sem pensar duas vezes, o grandalhão deixou um beijo no rosto de Robin e correu de mãos dadas com Augusto para dentro da casa deixando uma apatetada Robin para trás.
     Dessa vez, Madu não se aguentou riu com vontade. Robin era uma figura, plantanda feito uma árvore no mesmo lugar, talvez ainda não tivesse percebido que sua missão já havia sido concluída. A Rainha continuou esperando alguma reação de Robin, mas a médica parecia estar apreciando o banho de chuva. Com a pouca paciência que tinha, o tempo de espera não durou um minuto para que Mara Eduarda saísse do carro e fosse buscar Robin antes que ela pegasse um resfriado ou algo parecido.

- Meu Deus, Robin, como você é lerdo! Vamos antes que essa chuva lhe faça mal, magrelo desse jeito, corre o risco de pegar uma pneumonia. – Não querendo explicitar sua preocupação, Madu puxou a médica pela mão sem olhar para trás, com receio que seus olhos denunciassem algo.
- Meu violão molhou todinho. – Constatou a médica assim que entraram no carro.
- Está ensopado, igual você. Será que pode dar algum defeito?
- Provavelmente sim. Droga! Leão só me mete em roubada....Poderiam ter me convidado para entrar. - A médica deu partida no carro ainda emburrada por ter sido abandonada pelo amigo.
- Você é um médico brilhante, mas saindo consultório você é um asno, sabia?
- Porque você só me xinga? Estou molhado e talvez eu morra e você não tem o mínimo de piedade de mim!
- Ó Meu deus, você poderia ter feito artes cênicas, o teatro perdeu um grande talento!! –  Madu rebateu de forma irônica.
- Você acha?

Apesar do frio pelo temporal que se intensificava do lado de fora do carro, o clima entre os dois era aconchegante. Uma coisa era fato, as duas mulheres se sentiam imensamente confortável em conversar, mesmo que vez ou outra trocassem farpas.

- Absolutamente, um talento nato! Gosta de um drama...
- Acho que vou pedir umas aulas particulares para Gabi, ela é uma ótima professora. – Robin debochou. Ela já havia notado que, embora Madu estivesse mais discreta, ela sentia enciumada com a cantora/atriz brasileira. – Ela é uma artista de excelência!

Maria Eduarda deu um sorriso forçado com as últimas palavras de Robin, o rumo da conversa estava desviando para uma direção perigosa para a Rainha que não queria admitir, mas se incomodou com as palavras ouvido. Afinal, Gabriela era uma mulher muito bonita.
“Robin é solteiro e Gabi também, podem ter aulas particulares a hora que quiserem. Pare com isso Madu”, vez ou outra a rainha se repreendia.
O Trajeto final foi feito em silencio, a brincadeira de Robin em respeito as aulas particulares fez com que a animação no interior do carro esmorecesse.

- Estamos quase chegando...
- Que bom...

E mais uma vez o silencio se fez presente, com Robin sem saber como quebrar o gelo e Madu amuada, mesmo que não soubesse o porquê. Ambos torciam para que chegassem logo, o frio intensificava e as roupas molhadas só contribuía para aumentar a sensação de frio, Madu tremia um pouco, mas tentava disfarçar da melhor maneira possível. Naquele momento a Rainha se deu conta que ao lado de Robin tinha que disfarçar muitas coisas que sentia. E andava cansada de atuar. Ao contrário de Gabi, ela não nasceu com esse dom em seu sangue.

- Eu...

Robin tentou dizer algo assim que o carro estacionou em frente ao palácio, mas nada coerente vinha a sua cabeça para ser pronunciado, Madu costumava ter esse efeito sobre a médica. Sempre a deixava sem palavras. Mesmo que não se desse conta disso, a Rainha tinha muito mais poder que sua posição monárquica abrangia.

- Nós chegamos, Madu.
- Obrigada pela carona. – Madu estendeu a mão direita afim de se despedir de modo formal. – Espero que a chuva não tenha estragado tanto seu violão, é uma bela peça.

A mão estendia foi prontamente acolhida pela mão da médica, fazendo que que Robin percebesse o quanto estava gelada e tremia levemente. O que seria um simples aperto de mão tonou-se um carinho entre os dedos das duas, Robin negava-se soltar a mão da Rainha e Madu não fazia questão de afastar. A noite fria e a leve caricia pareciam ser um conjunto perfeito para ser aproveitado.
Supreendentemente, mais uma vez naquela noite o clima no interior do carro modificou. Naquele momento, uma aura envolvente fazia companhia as duas mulheres que se olhavam com interesse, interesse que antes era camuflado pelas incertezas e orgulho aos poucos se despiam. Nenhuma atrevia-se a falar algo ou até se mover, a troca de olhares era o suficiente para explicitar as vontades que gritavam através da retina. Madu já conhecia aquele olhar de Robin, mas parecia não estar no rosto do “doutorzinho” quando apreciou da primeira vez. As lembranças de seu beijo com Peste Rubra visitaram sua mente e algo estalou no cérebro de Madu. A verdade tão cristalina e ela demorou tanto para enxergar o óbvio. Mais uma vez mirou nas vistas de Robin e encontrou o olhar de Peste Rubra. O verde no castanho beijavam-se muito antes que as bocas se encostassem.
Um suspiro leve da Rainha pode ser ouvido pela médica que mal podia acreditar no que estava acontecendo. As mãos de Madu repousavam sobre a cintura de Robin enquanto sua mão esquerda pousava suavemente no rosto da outra, não era penas um beijo, era um reconhecimento através dos lábios macios e da pele que se tocavam. 
A centímetros  de se separem os olhos voltaram se procurar e em um flash, um raio caia ao Norte da ilha e a memória de Madu despertava em acontecimentos recentes, por mais que o beijo tivesse a embriagada, ainda estava lucida o suficiente para se lembrar dos acontecimentos e do beijo, que não era o primeiro, jamais esqueceria daquele beijo.

- Peste Rubra! – Robin arregalou os olhos. - Você, era você o tempo todo... Peste Rubra...

A médica não conseguia dizer nada, mas seu olhar assustado entregava mais um de seus segredos. Madu havia descoberto uma de suas identidades secretas. Sim, “o pacato e certinho doutor Robin" era o famigerado Peste Rubra que saqueava o Palácio nas escaldantes noites da Ilha.

- Madu... – Robin conseguiu balbuciar.

Sem esperar por respostas, a Rainha abriu a porta do carro e correu no meio da chuva. A jovem monarca não entendia como permitiu ser enganada por todo aquele tempo, encaixando os fatos em sua cabeça, percebia o quão obvio era, os mesmos olhos, o mesmo beijo, uma mulher. Uma mulher... Sim, Fátima havia afirmado que se tratava de uma mulher. Madu parou de correr e se pôs a pensar.
     Certa vez, em meio a uma discussão, Robin afirmou a Madu que era uma homem diferente de todos os homens que a rodeavam. E Madu havia notado mesmo. Então era isso... “O doutorzinho na verdade era uma doutorazinha... Porque ela se escondia?”
     Dessa vez, Robin que encontrou Madu parada sob a forte chuva. A médica percebeu que Madu havia descoberto um, ou talvez vários, de seus segredos. Amedrontou-se por uma possível rejeição, mas não poderia permitir que Madu interpretasse tudo sem saber os seus motivos. Do pouco que julgava conhecer a Rainha acreditava que ela no mínimo lhe ouviria, acreditava ter esse direito. Tentaria. Encontrou Madu parada. Ela parecia mais calma. Talvez a chuva tivesse esfriado os ânimos.
Sem saber que Robin estava logo atrás, Madu resolveu voltar até o carro da médica, precisava entender. Não poderia simplesmente fugir como se tivesse descoberto um grande pecado. Apesar da mentira, o motivo da ocultação deveria ter uma explicação plausível, acreditava na idoneidade de Robin. Virou-se e Robin estava materializada diante dela.
A chuva havia se intensificado. Por um segundo a médica sentiu seu coração falhar. A ansiedade se fazia presente dentro de Robin. A última pessoa que chegou perto de seu segredo, Anahí, comportou-se pessimamente. Robin não julgava que Anahí fosse agir de uma maneira tão cruel. E se Madu agisse de maneira parecida?
Contrariando toda e qualquer perspectiva de Robin, a Rainha se aproximou com um semblante suave, sem julgamentos ou reprovação. Seus olhos ainda mostravam confusão que logo se dissiparia, pois Robin contaria tudo, mesmo o que ela não perguntasse. Apesar da insegurança ainda se instalar no interior da medica, a expressão de Madu deixava claro que ela era mais do que merecedora para receber toda a verdade de Robin.


- Essa chuva ainda vai te deixar você resfriado, Robin... – Madu disse em um tom calmo, embora estivesse realmente preocupada. Olhou para Robin um tanto confusa. – Aliás... Resfriado ou resfriada? Como você prefere que eu te chame?

Robin abriu um sorriso um tanto admirada. “Como você prefere que eu te chame?”, uma simples pergunta como aquela demonstrava tanto respeito por sua pessoa. Madu lhe dava provas reais que não era apenas nobre de sangue e de nome.
Como Robin parecia um tanto intrigada, Madu não esperou que ela lhe desse alguma resposta. Puxou-a pela mão e a guiou até o interior do Palácio. Entraram pela cozinha para fugirem dos guardas noturnos. Robin, trajada de Peste Rubra, já tinha invadido aquele Palácio diversas vezes, ela podia andar ali de olhos fechados, no entanto, a médica se encontrava em um semi estado de choque tão grande que deixou Madu guia-la. Ao chegarem nas escadarias que ligavam ao segundo andar da construção, Madu pediu que Robin subisse sem ela.


- Você sabe onde é meu quarto. Vá para lá e me espere...


Robin fez um gesto afirmativo e subiu ainda absorta. Felizmente o quarto real estava com a porta apenas encostada. Robin estava tão molhada de chuva que ficou até sem graça em entrar naquele recinto em um estado como aquele. Madu demorou alguns minutos e apareceu com um pijama masculino de flanela de estampa xadrez. Surpreendeu-se ao ver Robin parada no meio do quarto.

- Robin, no banheiro há toalhas limpas. Devia ter se secado. Parece que quer mesmo pegar uma pneumonia! – Deixou a bandeja sobre uma mesinha que utilizava quando queria tomar café no quarto. Entregou o pijama a Robin. – É de Inácio, eu acabei de retirar da lavanderia. Tome um banho quente e vista isso!
- Madu, é melhor eu ir e amanhã conversamos... Não fica bem...
-  Deixe de teima, Robin... Suas roupas estão encharcadas e você precisa esquentar o corpo... Não vou deixar você sair nessa chuva, nesse frio. – E o tranquilizou. – Tome um banho quente e depois conversámos... Vá...

Enquanto Robin se dirigia ao banheiro de seu aposento, Madu pegou uma camisola e seguiu até a cozinha do Palácio. Os empregados todos dormiam, seguiu para os aposentos dos funcionários. Entrou em um banheiro vazio e tomou um banho rápido. Já pronta para dormir, Madu voltou a cozinha, ferveu leite em poucos segundos fez chocolate quente e sanduíches de queijo e presunto. Ela não havia jantado e Robin também devia estar com fome. Com a bandeja em punho, Madu chegou ao quarto e encontrou Robin sentada em sua cama, já trocada. O pijama de Inácio caiu como uma luva no corpo franzino da médica. Robin se surpreendeu ao ver a bandeja.


- Madu, não quero dar trabalho a ninguém. Não devia ter acordado uma empregada para preparar um lanche.


Madu deixou a bandeja sobre a penteadeira e colocou as mãos na cintura em um ato de impetuosidade.

- Mas é muito atrevimento seu... Eu preocupada, me presto a preparar pessoalmente um lanche para você e você me julgando como uma mimada incapaz de fazer qualquer coisa sozinha. – Robin ficou sem graça. Não havia falado por mal. Madu se desarmou com um sorriso. – Não esqueça que eu já morei sozinha em outro país... – Entregou a xícara de chocolate quente a Robin e o sanduíche. – Tem muita coisa de mim que você não conhece, Robin... – As duas se entreolharam. – E eu também tenho muito o que aprender sobre você... – Fez uma pausa. – Você quer falar sobre?

Era muito difícil para Robin se abrir para qualquer pessoa. Ainda quando criança passou por um episódio na vida que o fez perder a confiança na maioria das pessoas, no entanto devia uma explicação a Madu. Enxergava em seus olhos que a Rainha tinha diversas interrogações a fazer e Robin não queria mais se esconder de Madu.
Há um bom tempo seus sentimentos pela jovem de olhos verdes havia se tornado algo muito mais que especial, apesar de diversos empecilhos que as separavam. Sentia que, apesar das implicâncias, de alguma forma, seus sentimentos podiam ser correspondidos. O beijo trocado dentro do carro era prova cabal de que  no mínimo uma forte atração sentia uma pela outra.
Não estava naquele barco só e Madu tinha o direito de saber em que chão estava pisando. Ela já sabia que Robin era Peste Rubra e que se tratava de uma mulher, boa parte de seus segredos. Não podia contar tudo, mas contaria o que pudesse. Queria ser honesta com a Rainha.

- Quero... – Respirou fundo. – É um assunto delicado... Eu nem sei por onde começar... Você quer fazer alguma pergunta?

Madu fez um gesto afirmativo.


- Nos Estados Unidos eu já vi usarem o nome Robin tanto para o masculino, quanto para o feminino... O seu nome é mesmo Robin?
- Sim... É como estou registrada.

- Registrada... No feminino, então você... Você se entende como uma mulher?
- Sim... Eu sou mulher que se sente mais confortável usando essas roupas que eu uso, que gosta de usar cabelos curtos, mas que se entende como uma mulher que gosta de outras mulheres. – Robin explicou. – Desde criança eu me sinto confortável assim...
- Você é nascida no Brasil ou aqui?
- Apesar de amar imensamente o Brasil e me sentir parte daquela terra, eu nasci aqui... – Robin explicou. – Tia Tônha me levou embora quando eu era criança. O irmão dela, meu pai, se meteu em uma confusão com uma mulher casada e acabou se encrencando com o marido dela... Ele pediu que tia Tonha me levasse embora e cuidasse de mim... Com medo de me identificarem como a filha de um traidor e fizerem alguma mal a mim para atingir meu pai, tia Tonha teve a ideia de me disfarçar como menino para que eu embarcasse para o Brasil protegida. Fomos embora de navio e desembarcamos em Salvador, na Bahia. Lá a tia conheceu Heloísa, recém viúva e com uma filha recém nascida. Formamos uma família... Tia Tonha, minha mãe, minha irmã Julinha e eu... Heloísa trabalhava como cozinheira na casa de uma médica viúva de um milionário. Essa médica empregou tia Tonha como sua jardineira e quando ela faleceu, deixou uma grande herança para as duas, o que possibilitou delas estudarem, se formarem e investirem na construtora.

A Rainha estava boquiaberta.

- Uau... E... E teu pai?
- Quando eu cheguei aqui, eu descobri que ele havia falecido há muitos anos. Meus avos também. Minha única família viva posso dizer que é minhas mães, minha irmã e Mari... – Madu abriu um sorriso curto. – Apesar de não ser uma grande família, eu me sinto bem feliz rodeada de mulheres fortes. – Disse um tanto emocionada. Madu segurou em sua mão de forma carinhosa. Entrelaçando seus dedos aos de Robin. A médica gostou daquele gesto. – Tenho muito orgulho de todas elas...

- Eu fico feliz por você, Robin... De verdade. Eu só não entendo algo... Você sempre fala do Brasil e da sua família com tanto carinho... Por que você largou do Brasil para vir pra cá? E porque você deixa todos pensar que é um homem já que você não se entende como um?

Robin respirou fundo.  Aquele era um assunto delicado.

- Mais uma vez por uma questão de proteção, Madu... Eu não sei se você acompanha de perto a situação política brasileira, mas desde 1964, o Brasil é comandado por um regime militar. Os militares derrubaram o presidente Jango, eleito democraticamente e tomaram o poder em caráter provisório e estão lá até hoje...

Madu suspirou.

- O sonho dourado de Juan Batista. Me dar um golpe e tomar o poder usando o paspalho do Juanito. Era o que estava prestes a acontecer caso Fátima e a população não se movesse a meu favor...
- Mais ou menos por aí... Os militares deram um golpe de Estado que perdura até hoje... e Em 68 endureceram muito com a população em uma medida chamada Ato Institucional 5. O Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas foram fechadas. Habeas Corpus por crimes, que eles consideravam políticos goram suspensos. A censura ao cinema, a música e a cultura em geral se tornou realidade... Direitos foram retirados. – Madu abriu a boca. – Resumindo bem genericamente, basta se posicionar contra os militares ou eles pensarem que você é contra eles para se tornar um inimigo nacional, um terrorista, um fora da lei... Muitos professores e estudantes foram presos, trabalhadores por se posicionarem contra um patrão... Basta eles suspeitarem de algo que pode ser verídico ou não para você se tornar alvo. E nessa muita gente foi torturada, muita gente morreu, muitas pessoas simplesmente desapareceram...

Madu estava chocada com aquelas informações. Como Chefe de Estado, Madu sabia que o Regime Militar estava em exercício no Brasil, mas não imaginava tanta truculência vinda dos militares.

- Que horror, Robin, mas a população não reage?
- Ela tenta, mas é uma luta muito difícil. As pessoas tem medo do que pode acontecer. Tem gente alienada e muita gente apoiava eles também...
- Apoiava? – Madu se assustou.
- Hoje minha mãe diz que há muitos inconformados, mas inicialmente apoiavam sim. Enfim... E tinha quem era contra os militares como era o caso da minha família e dos meus amigos...  Eu vim parar aqui em Ursal por causa disso. Gabi e Leão participavam de um grupo contrário aos militares que agia de uma forma mais ativa. Eles se meteram no sequestro de um Coronel.
- Sequestro?
- Sim. Esse grupo fez essa ação para tentar liberar uns presos políticos. Vou te confessar, eu procurava não me envolver de maneira ativa pois eu tinha medo de terminar em um porão de um DOPS qualquer, surrada, estuprada como muita gente terminou.
- Robin, estou...  Chocada! Eu não imaginava que esse tipo de coisa acontecesse no Brasil. Um país tão bonito como todo mundo diz... Já ouvi gente comparando o Brasil a um paraíso...
- Pra mim o Brasil só será feliz de verdade quando não tiver um militar como presidente. Mas como eu ia dizendo... Leão e Gabi participaram da ação envolvendo o tal Coronel e o Coronel acabou ferido. Eles precisavam de um médico e Leão me convenceu em ajudá-los. Eu ajudei e quando o Coronel foi liberto, ele me entregou para os militares e eu me tornei um procurado pela justiça. A saída que eu tive foi me exilar do Brasil junto de Gabi... Tempos depois Leão veio ao nosso encontro...

Madu tinha se mantido séria o tempo inteiro, mas no final não se aguentou e riu. Não dá história que Robin lhe contava que era demasiadamente triste, mas de um detalhe curioso.

- Leão sempre te botando em roubada, não é? E você besta sempre cai... Você não muda, não é, doutora Robin...

Robin sorriu. Apesar de Madu chamá-la de besta, ficou feliz com que ouviu.

- Doutora?
- Você não gostou? – Madu se preocupou. – Prefere que eu te chame de doutor...
- Não... Eu não me incomodo de você me chamar de doutor, eu me acostumei... Mas você se referindo a mim como doutora... – Sorriu. – Sei lá... Me enche de alegria, sabe... – Madu abriu um sorriso terno. – Não é todo mundo que entende assim tão facilmente.

Madu fitou Robin.

- Não faz sentido eu te julgar por isso... Seria te julgar por sua aparência, seria incoerente de minha parte... Eu te chamei de doutora, mas eu confesso que é um pouco estranho, pra mim,  saber que o doutor Robin não existe... Apesar de tudo, eu gostava daquele chato... – Robin baixou os olhos sem graça. – Mas por outro lado, eu fiquei feliz em conhecer a doutora Robin... Eu só preciso me acostumar com ela... E com o Peste Rubra de contrabando...

Robin sorriu.

- Eu gosto também do doutor Robin. – Robin disse. – Ele já me tirou de poucas e boas... Talvez eu não conseguisse sair do Brasil por causa dele... E ele te admira muito, Madu... De uma forma assustadora, assim como a doutora Robin e o Peste Rubra...

Madu riu.

- O Peste Rubra é um herói. Ele não devia ter medo de nada...
- Ele é só um sujeito mascarado por aí... Mas ele tem medo de... Atirar de um precipício e se machucar.

Madu fez um carinho no rosto da médica. Se aproximou da face as doutora.

- Eu também tenho medo. Mas isso faz parte da coragem. – Seus dedos tocaram o rosto de Robin. Com as digitais contornou os lábios carnudos da médica. – E covarde é uma coisa que você já me demonstrou que não é... – Os lábios da Rainha roçaram os da doutora de uma forma sensual. Robin sentia sua pele reagir em um arrepio escaldante. – Nem como Robin e nem como Peste Rubra...

Robin estava de olhos fechados. Abriu os olhos e ao encontrar as vistas esverdeadas de Madu, não se aguentou mais e a puxou para um beijo passional. O primeiro de muitos que trocariam a partir daquele instante.

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