Mais uma vez

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Após fazer a primeira prova teórica de química analítica eu tive certeza absoluta que não passaria na matéria. Segui em silêncio para fora da sala e sentei no corredor, apoiando minha cabeça nos joelhos. Era minha matéria com maior número de créditos, seria um caos se eu não passasse. Ah como eu odiava química!

Esperei o Leo sair da sala e ele ostentava um semblante talvez pior que o meu. Estávamos ferrados.

— Como foi? — Questionei e ele apenas negou com a cabeça em silêncio.

Sim, estávamos mesmo ferrados nessa matéria.

Ele estendeu a mão e me ajudou a levantar do chão. Seguimos desolados para a lanchonete.

— O que você vai querer? — Questionou quando passamos pela porta.

— Nada.

— Mas hoje você não tomou café. — Argumentou e eu toquei minha barriga.

— Hoje finalmente vou pegar o resultado e resolver toda essa questão. — Avisei e ele me olhou pensativo.

— Não quer nem uma vitamina?

— Não, obrigada.

Mesmo contrariado ele seguiu para a fila do caixa e eu sentei, tirei meu notebook da mochila e coloquei sobre a mesa. Comecei a digitar freneticamente e por um instante me desconectei da realidade.

— Ei, Juliana! Está me ouvindo? — Leo perguntou e eu o olhei intrigada. — Aposto que está escrevendo uma nova história. Qual o enredo dessa vez?

— Um casamento arranjado egípcio entre uma doce e sonhadora moça e um homem com uma vida um pouco complicada.

— Você adora escrever sobre outras culturas, não é mesmo?

— Sim. Eu gosto de contar sobre o amor em cada canto do mundo, em cada cultura diferente. Afinal o amor é cosmopolita, está presente em toda parte.

— Você fala isso com um brilho nos olhos, Ju. Quem te vê assim até acha que está apaixonada.

— Eu tenho esse grave defeito, meu amigo. Falo muito sobre amor sem nunca ter tido um.

— Você ainda terá. E será muito feliz com ele. — Desejou tocando a minha mão sobre a mesa e eu sorri em agradecimento. — Me conta mais sobre essa história de amor egípcia que está escrevendo.

— Provavelmente eu não irei terminar. Vai ficar junto com as outras inúmeras histórias que comecei e desanimei no meio do caminho. Mas ela é sobre Ísis...

Contei todos os detalhes e ele me ouviu atentamente enquanto comia seu sanduíche natural.

Pouco depois seguimos juntos para o hospital para levar os resultados dos exames para a médica. Optei por não abrir, pois estava psicologicamente exausta pela prova fracassada de química.

Doutora Ana olhou as imagens da endoscopia minuciosamente parecendo ficar mais séria a cada instante.

— E então? — Questionei preocupada.

Sabe como todos reclamam que sempre que vão ao médico com qualquer sintoma eles dizem que é uma virose? Então, eu queira muito que esse fosse o caso.

— Vamos precisar fazer uma ultrassonografia endoscópica. — Avisou e eu franzi a testa. Ela tirou os óculos de armação quadrada retrô e me olhou séria. — Esse procedimento combina endoscopia digestiva e ecografia de alta resolução. Também vou pedir o colhimento de tecido para biópsia.

— Não é úlcera? — Questionei confusa e ela largou o exame sobre a mesa.

— Não vamos nos precipitar quanto ao diagnóstico. Quando foi sua última refeição?

— Ontem à noite. Passei o dia todo com náusea.

— Sabe o horário específico?

— Onze horas. — Respondi e ela olhou para o relógio e então anotou alguma coisa.

— Tempo suficiente de jejum. Vamos fazer isso agora mesmo. Precisamos do resultado logo.

Leo me olhou desconfiado. Talvez também estivesse pensando no porquê de tamanha urgência.

As coisas aconteceram muito rápido. A recepção atendeu o pedido da médica e eu fui encaminhada para a sala de exame. Todo o procedimento fora repetido como o anterior e ao acordar eu senti enorme dificuldade para deglutir, além de dor na garganta.

Cumpri o período de observação e fui liberada para voltar para casa. Com o pedido de urgência da médica o resultado sairia em dois dias. Só me restava esperar.

***

— Vamos fazer o GD de fisiologia? — Leo questionou e eu me joguei no sofá.

— Vamos. — Aceitei pegando meu computador da mochila e colocando sobre o meu colo.

— Queridos, cheguei! — Arthur anunciou animado entrando na sala. — Ju, já foi medicada?

— Que nada, tive que fazer mais exames. — Respondi e ele sentou ao meu lado me olhando sério.

— Que tipo de exames?

— Ultrassonografia endoscópica e biópsia. — Respondi e ele franziu a testa.

— Tem ideia do que ela está desconfiando?

— Pode ser muitas coisas, mas sinceramente não quero pensar em nenhuma hipótese. Estou com receio de que seja algo... Grave.

— Não deve ser. — Leo se adiantou me apoiando. — Pensamento positivo.

— Está certo, pensamento positivo! — Arthur incentivou ainda sério. — Vou estourar pipoca para nós.

— Amor, não é bom a Ju comer nada por agora. — Leo comentou. — Deixa para mais tarde.

Arthur concordou e eu suspirei pesarosa. Senti um frio na minha barriga me atingir. O receio do resultado. O medo de saber o que estávamos procurando. Meu lado estudante de medicina simplesmente desapareceu dando lugar para uma paciente assustada.

Se eu estivesse com algo sério como eu contaria para os meus pais? Eles eram super protetores ao extremo. Foi um sacrifício fazê-los aceitar a minha mudança para outro estado, mesmo sabendo que era uma chance única na minha vida ter conseguido bolsa na melhor universidade do Brasil. Eles trabalhavam duro para me ajudar, minha mãe como copeira e meu pai como porteiro. Se orgulhavam de mim mesmo quando eu não sentia orgulho nenhum. Eu não poderia dar uma notícia dura para eles. Talvez fosse melhor não contar nada. Talvez fosse melhor lidar sozinha com tudo. O único problema era imaginar o que estava por vir.

Eu preferia ignorar a situação até que ela se revelasse completamente. Era melhor do que sofrer por antecipação.

As Últimas Flores De SetembroOnde histórias criam vida. Descubra agora