Setembro

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Após uma semana de quimioterapia e radioterapia intensiva eu me tornei apenas uma capa humana do que um dia eu fui de verdade. Eu dormia mais do que ficava acordada. Até as minhas mãos estavam esqueléticas. Tudo doía, tudo incomodava, tudo me enfraquecia.

Minha mãe estava um pouco mais forte e recuperada de sua cirurgia. Ela à todo momento passava a mão pelo lençol, como se quisesse deixar impecável o tecido sobre mim. Meu pai estava sentado na poltrona ao meu lado. Havia bolsas escuras ao redor de seus olhos. Os dois praticamente não dormiam vigiando meu sono.

Tentei sentar, mas minha coluna toda doeu me impedindo de insistir na ação. Sentia meus lábios ressecados. Sentia sede, mas não podia beber água.

— Estou com sede. — Murmurei e minha mãe rapidamente buscou o algodão e a água. Ela o embebeu no líquido e passou suavemente nos meus lábios.

— Melhor?

— Eu queria beber um copo de água gelada. — Respondi e ela sorriu pesarosa.

— Logo vai poder beber. Vamos comemorar bebendo litros de água. — Comentou e eu sorri também.

— Bom dia! Como estamos aqui? — Bernardo perguntou entrando no quarto e se aproximando da maca.

Desde a chegada dos meus pais não tivemos oportunidade de ficarmos juntos. E isso me fazia muito mal.

— Estou bem. — Respondi tentando me sentar novamente. — Posso conversar com você? Em particular.

— Como em particular? Não senhora! Pode falar tudo na nossa frente. — Minha mãe se intrometeu nervosa.

— Mãe, por favor...

— Eu disse que não. — Me cortou irritada. — Eu quero saber de tudo que está acontecendo. Não vou mais aceitar que me esconda nada.

— É só uma conversa. Eu juro que depois te explico tudo. Eu queria muito ir no jardim.

— No jardim? Não é perigoso? — Meu pai perguntou alarmado.

— Não, na verdade pode ser até bom ela tomar um pouco de sol. — Bernardo respondeu e meus pais se entreolharam.

— Pode me levar por favor? — Pedi e Bernardo assentiu prontamente

— Imagina! Nós a levamos. Você deve ter outros pacientes para atender. — Minha mãe se prontificou e eu suspirei.

— Mãe, por favor! — Insisti e ela me olhou intrigada.

— Não será nenhum sacrifício isso, senhora. — Bernardo garantiu e ela ponderou um instante.

Parecia desconfiada, mas no final das contas aceitou.

Meu pai me pegou no colo e me transferiu para a cadeira de rodas. Minha mãe passou protetor solar em mim e colocou um lenço azul claro que me deu de presente.

— Obrigada! — Murmurei e ela sorriu dando um nó na ponta do tecido.

— Pelo presente ou por colocar ele em você?

— Por ser a minha mãe. — Respondi e ela me olhou surpresa. Me abraçou delicadamente e depositou um beijo na minha bochecha.

Bernardo me olhou nos olhos em silêncio e então se posicinou atrás de mim empurrando a minha cadeira.

Seguimos devagar pelo corredor. Cumprimentamos todo mundo pelo caminho e então saímos pela lateral do prédio. Chegamos ao belíssimo e bem cuidado jardim. Havia flores de todos os tipos e cores. E junto as belas borboletas salpicavam a cena como pequenos arco-íris.

Senti a brisa refrescante acariciar suavemente o meu rosto e os raios dourados e fracos de sol aquecerem levemente a minha pele.

Bernado parou a minha cadeira próximo do canteiro de rosas e eu inspirei fundo sentindo o perfume suave delas. Fechei os olhos por um instante enchendo meu pulmão com a grandeza da natureza. Quando abri os olhos notei Bernardo ajoelhado na minha frente.

— Fico tão feliz por estar aqui hoje. — Contei e ele me olhou com curiosidade.

— Tem algo de especial nessa data?

— Sim. É o último dia do mês. É também a primeira semana da primavera e eu tive a chance de ver as últimas flores de setembro desabrocharem. — Respondi olhando à nossa volta.

Senti a mão dele tocando na minha e o encarei novamente. Ele estava visivelmente exausto também. Todos estávamos vivendo nos nossos limites. Era exatamente isso que eu tentei evitar, que as pessoas definhassem junto comigo.

— Eu senti muito a sua falta nessa semana que passou. — Confessou e eu senti meu coração aquecer.

— Eu também senti a sua. Muita mesmo.

— Nós nem tivemos oportunidade para conversar sobre o que aconteceu entre nós. — Ele disse sem jeito. — Eu queria muito ter feito aquela noite especial para você.

— Você fez a noite ser perfeita. Me apresentou o amor antes que eu fosse arremessada de vez na dor.

Ele tocou meu rosto suavemente. Fechei meus olhos sentindo seu toque deslizar pelo meu rosto.

— Eu estou apaixonado por você, minha menina! — Admitiu e eu abri os olhos, em choque. Pisquei confusa e ele permaneceu me olhando sério. — Perdidamente apaixonado. Eu sei o quanto está sofrendo agora, mas eu sinceramente não quero mais ficar afastado de você. Gostaria de contar para os seus pais sobre a nossa situação.

— O quê? Não... Não acho que seja uma boa ideia isso.

— Pois eu acho uma ótima ideia. Eu não estou mais conseguindo esconder o que sinto. Nem o que quero.

— O que você quer?

— Namorar com você. Oficialmente. — Respondeu me deixando boquiaberta. — Aceita?

— Eu... Sinceramente não esperava por isso. — Comentei nervosa e ele sorriu com expectativas visíveis. — É claro que aceito namorar com você.

Os olhos dele se iluminaram e ele me abraçou cauteloso. Sentir seus braços ao redor do meu corpo me trouxe uma tranquilidade sem igual. Nos afastamos um pouco e ele me olhou nos olhos antes de me beijar suavemente. Era um beijo dolorido, porém eu não o interrompi. Era a dor mais maravilhosa da minha vida.

Ele então colocou a mão no bolso da calça e tirou uma aliança de prata, me surpreendendo ainda mais. Sorri admirada com seu gesto e ele me incentivou a ler a frase gravada nela.

— Hoje e sempre. — Li em voz alta me emocionando ainda mais.

Ele pegou a aliança da minha mão e colocou no meu dedo, depois depositou um beijo nela. Em seguida me entregou a dele e eu fiz a mesma coisa.

— Somos namorados e enamorados hoje e sempre, minha menina. — Murmurou e eu segurei o rosto dele o beijando novamente.

— Mas o que está acontecendo aqui? — Ouvi minha mãe gritar próximo de nós e nos afastamos.

Me virei com dificuldade e a vi de braços cruzados, nos encarando em completo choque.

As Últimas Flores De SetembroOnde histórias criam vida. Descubra agora