Luzes claras e escuridão

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"— Mãe?" — Falei assim que ela atendeu a ligação.

"— Oi, meu amor! Como está? Estou morrendo de saudades. Nem parece que passou as férias toda aqui." — Ela falou emotiva e eu pisquei sentindo as lágrimas deslizarem pelo meu rosto.

"— Eu também estou sentindo muito sua falta, mãe. Muito mesmo."

"— É a Jujuba?" — Ouvi meu pai perguntar distante e abracei minha boneca Duda ao peito. Era um presente deles, era como tê-los por perto. "— Quero falar com ela."

"— Espera a sua vez chegar." — Minha mãe ironizou e eu sorri fraco. "— Está tudo bem, meu amor? Como estão as aulas? E você, tem se alimentado direitinho?"

"— Tudo certo." — Menti com a voz embargada. "— E como estão as coisas aí?"

"— Tudo igual. Seu pai ainda vai me deixar louca com tanta bagunça."

"— Tudo calúnia!" — Ele gritou ao fundo me fazendo rir.

"— Além do mais, Bob aprendeu a destruir as minhas samambaias. Eu vou acabar fazendo cachorro quente dele." — Reclamou rindo.

Ela não conseguia ficar brava com nosso vira-lata travesso. Apertei os lábios lembrando dele, sentindo falta de seu jeito carinhoso e estabanado de me receber em casa.

"— Eu amo vocês!" — Murmurei entre lágrimas.

"— Também te amamos, querida! Mas que vozinha é essa? Está acontecendo alguma coisa?"

"— Não, é só que amanhã..." — Parei de falar subitamente, um nó se formando na minha garganta ao olhar para as recomendações anotadas na minha frente para a preparação da cirurgia.

Com o resultado dos exames Bernardo optou pela cirurgia onde seria removido parte do tumor. O resto trataria com radioterapia e quimioterapia. Entretanto havia um sério risco nessa cirurgia. Mesmo prometendo para mim mesmo que não iria dizer nada aos meus pais, eu precisava pelo menos ouvir a voz deles. Nem que fosse pela última vez.

"— Amanhã o quê? Pelo amor de Deus, Juliana, está me deixando nervosa. Ai meu coração!" — Reclamou agitada do outro lado.

"— Calma, mãe! Não é nada demais. É só uma prova difícil que terei amanhã." — Respondi e ela suspirou aliviada.

"— Vai dar tudo certo, meu amor. Você é brilhante! Vai tirar de letra."

"— Obrigada, mãe. Obrigada por tudo!"

"— Imagina." — Disse desconcertada e ouvi meu pai insistir ao lado. "— Agora vou passar para o seu pai antes que ele me deixe louca de vez. Até mais, filha."

"— Até mais, mãe!" — Me despedi com meu coração em frangalhos.

"— Oi, Jujuba! Você não sabe o que achei. Aquele doce que você adorava na infância. Depois vou comprar vários pacotes para quando você vir nas férias de dezembro." — Contou empolgado.

Eu não sei se até dezembro ainda estarei aqui...

"— Obrigada, pai! Como está?"

"— Estou ótimo. O médico até me liberou para trabalhar novamente."

"— Olha olha, nada de pegar peso. Sabe que problema de coluna não é brincadeira."

"— Não se preocupe, futura doutora Juliana! Eu vou me cuidar direitinho." — Zombou rindo e eu chorei ainda mais ao ouvir sua doce risada.

Por que é tão difícil dizer adeus?

"— Agora eu preciso ir... Tenho... Que estudar. Eu te amo, tá?"

"— Eu te amo mais, minha Jujuba!"

Desligamos a ligação e eu me entreguei de vez ao choro apertando a minha boneca. Eu precisava voltar viva da cirurgia pelos meus pais.

***

Eu tremia por inteiro. O nervosismo à flor da pele. Bernardo percebeu, pois no momento em que me ajudaram a deitar na maca na sala de cirurgia ele segurou a minha mão.

— Juliana, fica calma!

— Eu... Não consigo. Os riscos... São tão grandes...

— Ei! Calma! Olha para mim, menina! — Pediu baixinho e eu o olhei vendo ele além das minhas lágrimas. — Eu prometo fazer o meu melhor para que você acorde.

— Promete mesmo? — Pedi angustiada e ele sorriu ainda mais lindo.

— Prometo de dedinho. — Falou fechando a mão e deixando apenas o mindinho para cima. Eu ri ao enroscar o meu dedo no dele. — Pronto, agora fizemos o trato mais sério do mundo. Nem algo lavrado em cartório é mais legítimo que isso.

Eu ri ainda mais e ele soltou a minha mão e abaixou próximo do meu rosto fazendo meu coração inexplicavelmente acelerar.

— Você fica linda sorrindo! Enfrente tudo isso com esse sorriso maravilhoso e perceberá que tudo será melhor. — Aconselhou e eu assenti.

— Só lembrando que a lenda do juramento de dedinho diz que se uma pessoa quebrar a promessa o dedo dela deve ser cortado. — Brinquei e ele sorriu com os lábios e com os olhos.

— Não se preocupe, agora mais do que nunca eu vou cumprir minha promessa. Porém também quero te pedir uma coisa.

— O quê? — Perguntei curiosa e ele ficou sério me olhando nos olhos.

— Promete voltar?

— Prometo. — Respondi ficando séria também.

— Ótimo, não quebre a promessa, hein? — Falou e apontou para um rapaz ao meu lado. — Esse é o Jean, nosso anestesista. Ele vai colocar isso no seu nariz e você vai contar até dez para mim, OK?

Assenti e senti o processo sendo inciado. Comecei a contar e vi Bernardo sendo preparado para a cirurgia. Quando cheguei no número sete, as luzes claras despareceram dando lugar a escuridão.

As Últimas Flores De SetembroOnde histórias criam vida. Descubra agora