Capitulo 3

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Eu terminei de assistir a um filme qualquer e passei na cozinha para tomar um copo de água antes de subir para meu quarto. Eram nove horas da noite e eu ainda tinha de terminar uns exercícios de química. E falar em química, essa semana havia sido a pior da minha vida. O terror psicológico ao qual meu pai me submetia indiretamente através de sua expressão sempre sem vida estava me deixando neurótica. Estava estudando cerca de seis horas por dia, não contando com as aulas de manhã e as duas ou três horas extras nas madrugadas. Me sentia exausta, tinha dificuldade de concentração e o desespero era uma constante em mim, pois só agora eu percebera a quantidade de informação que ignorara durante sabe-se lá quantos anos. Por causa disso, esse seria meu primeiro final de semana com a cara nos livros.
-Entra - Disse com uma voz cansada ao ouvir alguém bater à porta. Meu pai lançou-me um sorriso ao entrar e caminhou até mim, sentando-se na beira da cama.
-Cansada?
-Muito...
-E como está indo? - Indagou jogando brevemente o olhar sobre os livros em minha escrivaninha.
-Devagar... Tem sido difícil - Ele soltou uma leve risada, o que me fez estranhar um pouco não apenas a reação, mas também a visita.
-Tudo na vida é difícil, Duda, tudo, mas a gente tem que saber lidar com isso. Como vai a matemática? - Eu abri a boca, mas não consegui dizer nada, então apenas fiz uma careta, que se refletiu no rosto dele - Tudo bem. Precisa de alguma coisa?
-Se alguma coisa for um professor, então eu diria que sim - Dei um meio sorriso e ele assentiu.
-Vou atrás disso.
Nós ficamos em silêncio por algum tempo e durante esse tempo eu me senti mal por fazer meu pai gastar mais dinheiro comigo do que ele já gastava. Não podia negar, eu havia sido extremamente estúpida e egoísta. Ele finalmente segurou uma de minhas mãos e olhou em meus olhos.
-É entediante, não é? - Fiquei um pouco confusa, então ele prosseguiu - Ficar trancada dentro de um quarto sendo obrigada a fazer o que não gosta.
-É... É sim - Sussurrei.
-E é gostoso, não é? - Ele riu quando uma expressão de deboche passou pelo meu rosto - Quando você está por aí traduzindo as coisas para quem não sabe uma palavra de inglês, ou falando com seus amigos da conversação como se fosse uma nativa.
-Sim - Um sorriso largo formou-se em meu rosto quando entendi e me lembrei das aulas de inglês. As únicas no mundo capazes de me transformar em uma aluna nota dez.
-Aí, olha esse sorriso! Essa é a diferença entre fazer o que não gosta hoje e o que gosta amanhã, e não fazer o que não gosta hoje e continuar a não gostar do que faz amanhã. Entende o que quero dizer, Duda? - Eu apenas o encarei enquanto as palavras dele ecoavam em minha mente. A ideia de passar o resto da vida trabalhando por pura obrigação me assustou, pois era o que eu estava fazendo exatamente agora, e não era nada bom. De repente as coisas começaram a ficar mais claras para mim e senti como se minha ficha estivesse finalmente caindo.
-Sim.
-Ótimo. Boa noite, filha. - Ele me deu um leve beijo na testa e se levantou, saindo do quarto. Eu me voltei para o livro à minha frente, lendo pela quinta vez o enunciado, sem entender muita coisa.

Tive séria dificuldade em sair da cama. Se o cheiro da comida não tivesse invadido minhas narinas, eu provavelmente não o teria feito. Saí do banheiro com passos preguiçosos e coloquei uma roupa qualquer, descendo a escada e entrando na cozinha. O almoço já estava sendo servido e só então tive a curiosidade de olhar em meu relógio de pulso: uma da tarde. Não me surpreendeu, já que se passavam das três quando fui dormir noite passada. Minha mãe estava um pouco mais carinhosa comigo e me cumprimentou com um beijo e um sorriso. Papai fez o mesmo. Eu então me sentei e coloquei um pouco de comida no prato, sem muitas forças para pronunciar alguma palavra.
-Dormiu bem, filha? - Minha mãe começou.
-Sim.
-Você está com olheiras. - Meu pai reparou.
-Ah... Estou? - Eu mal havia prestado atenção em meu reflexo no espelho. - Fui dormir tarde.
-Como andam os estudos?
-Indo, mãe...
-Seu pai me falou que você pediu um professor. - Eu a olhei, assentindo. - Bom, acho que já resolvemos isso.
-Já? - Cessei o movimento de meu braço, deixando o garfo frente à boca enquanto minha expressão se tornava confusa.
-O filho de uma amiga minha. É um rapaz muito inteligente e estudioso.
-Ah, tudo bem, então. Ligue para ele e veja se ele tem um horário - Disse normalmente. Percebi uma troca de olhar entre meus pais e isso me fez encará-los com o cenho levemente franzido. Meu pai sorriu e se pronunciou.
-Nós já fizemos isso, filha. Ele marcou uma aula hoje, às três e meia.
-Ok... - Foi a única coisa que consegui falar. Para ser bem sincera, essa disposição toda deles me dava um frio na barriga e só fazia o peso da responsabilidade em passar de ano aumentar. Muito.
Depois de terminar de almoçar, dei um tempinho para fazer a digestão e me tranquei no quarto novamente. Essa nova vida não estava sendo nada fácil e Deus sabia muito bem disso. Minha atenção se desviava com facilidade e eu adotara o método de ler em voz alta para ver se isso ajudava, e realmente ajudou. Tentava ao máximo fingir interesse onde não tinha nenhum e controlar minha vontade louca de jogar tudo pela janela. A inquietação, pelo menos, se tornara menor, pois eu sentia culpa toda vez que me levantava para fazer qualquer outra coisa que não fosse um exercício. Às vezes eu sentia como se fosse ficar louca, ou como se não fosse conseguir - era quando o desespero vinha à tona e as lágrimas rolavam -, mas aí eu me lembrava da conversa com meu pai sobre o inglês e as coisas se acalmavam. Aquilo me dava certa força para tentar, porque a coisa que eu menos queria no mundo era passar o resto da vida trabalhando com algo que não me proporcionasse satisfação pessoal, mesmo que eu ainda não tivesse ideia de que curso prestar.

Eram quinze para as duas quando peguei meu livro de história. Resolvi fazer uma revisão do que tinha visto durante a semana para fixar melhor o conteúdo. Fixar o conteúdo, já estou até falando bonito. A matéria era a Segunda Guerra e confesso que somente agora fui descobrir verdadeiramente por que Hitler invadiu a Polônia. Li o resumo que havia feito em meu caderno e fechei os olhos, repassando-o mentalmente. Não me dei por satisfeita enquanto não me lembrei de todos os fatos importantes. Reescrevi-os e procurei por alguns exercícios na internet, sempre dando uma olhadinha discreta em meu Facebook. Ninguém é de ferro.
Quando meu relógio marcou três horas, fechei os livros e fui colocar uma roupa melhor. Eu teria aula de exatas e achei que um descanso para meus neurônios seria bem vindo. Comi alguma coisa e voltei para o quarto, colocando os fones de ouvido enquanto esperava pacientemente pelo meu mais novo teacher. E pouco tempo depois ele estava lá, à minha frente, com um sorriso tímido no rosto. Ele estendeu a mão e, depois de hesitar, eu a apertei. Então aqueles olhos Verdes me encararam antes da sua voz rouca ser absorvida por meus ouvidos.
-Muito prazer, Maria Eduarda . Meu nome é Harry Styles.

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Por favor respondam-me!!
Xoxo Duda

Geek - H.SOnde histórias criam vida. Descubra agora