Fazia três semanas que Harry estava me dando aula. E era impossível olhar para seu rosto sem desejar que ele se aproximasse.
-Inacreditável como você passa apertado em matemática e comete pouquíssimos erros em cálculo estequiométrico... - Ele dizia com a voz rouca, analisando meus exercícios.
-Por incrível que pareça, eu não tive tanta dificuldade assim com isso. Talvez seja meu novo professor - Soltei com naturalidade vendo-o rir enquanto olhava para mim.
-Que isso, seu raciocínio não é tão lento quanto você diz.
-Mas seu jeito de explicar ajuda demais... Sei lá, você tem uma empolgação que contagia, prende a gente... E olha que eu nunca escondi meu desprezo por isso aqui - Apontei para os livros em cima da mesa olhando-os com um desprezo teatral e fazendo Harry soltar uma risada gostosa.
-Eu fico feliz que você esteja entendendo e gostando do meu... Método - Ele concluiu depois de pensar, e eu sorri. - Mas e as provas, como foram?
-Boas, para falar a verdade. Consegui uma nota boa nas de função e a de química também não foi nada ruim... Só física que foi tenso - Fiz uma expressão conformada e Harry deu um sorriso de lado que me fez perder a linha de raciocínio por um momento - Hã... Hm... E o resto foi bom também, acho que estou conseguindo me recuperar.
-Isso é muito bom, Duda - Ele exclamou, arqueando as sobrancelhas em sinal de empolgação - Você vai conseguir passar de ano - Harry brincou na maior inocência, mal sabendo que eu realmente estava correndo esse risco. Minha mãe não havia entrado nesse assunto com a mãe dele, e muito menos eu com ele. Senti um pouco de vergonha e tratei logo de rir, fazendo de conta que isso tudo era apenas uma dificuldadezinha, como ele pensava. Mas no segundo seguinte eu estava rindo do barulho razoavelmente alto que o estômago dele fizera.
-Ops... - Harry disse meio constrangido, passando os dedos por trás da orelha.
-Vem, vou fazer alguma coisa pra gente comer. - Fechei os livros e ele protestou.
-Não se incomode, Duda, eu como quando chegar em casa. - Eu terminei de arrumar minhas coisas, já que tínhamos terminado mesmo, e o olhei, levantando levemente os ombros.
-Eu vou comer, de qualquer jeito, então você não estará incomodando. Na verdade, seria até agradável ter alguém para me fazer companhia. Sempre como sozinha. - Terminei com um pequeno sorriso, vendo-o fazer o mesmo e hesitar um pouco antes de responder.
-Bom, sendo assim, acho que um pedaço de qualquer coisa cairia bem agora - Ele soltou pensativamente e nós rimos. Levei-o até a cozinha e indiquei-lhe uma cadeira enquanto abria a geladeira.
-Gosta de panqueca? - Me virei para ele, que assentiu com uma expressão satisfeita. Eu sempre deixava um pouco de massa guardada dentro de um recipiente por motivo de praticidade, então o tirei de lá e peguei uma frigideira, deixando-a esquentar.
-No que eu posso te ajudar? - A voz dele soou próxima a mim. Senti um pequeno choque percorrer meu corpo ao deparar-me com seus olhos olhando nos meus. Tratei logo de baixá-los para o fogão quando o sangue começou a esquentar minhas bochechas, soltando uma risadinha sem graça.
-Imagina, pode deixar que eu faço tudo.
-Por favor, quero me sentir útil. - Meu rosto virou-se automaticamente para o dele, o que não foi nada bom, pois seu sorriso torto levou minha respiração embora. Meu cérebro procurava o mais rápido que podia por uma resposta, mas ele parecia ter congelado. Meu Deus, e agora?
-É... Não sei... Pegue... Pegue...
-Pegue... - Ele imitou meu jeito pensativo de falar, me fazendo rir.
-Pegue um prato ali na pia, então. - Apontei e ele logo o fez.
-O quê mais?
-O quê mais? Vejamos... Pegue... - Comecei a pensar novamente.
-Colher? - Ele sugeriu e eu o olhei - Copos? Garfo? Morango? Chocolate? - Styles dizia rapidamente, deixando minha cabeça ainda mais confusa do que já estava. Por que ele tinha de usar um perfume tão bom?
-AAAI! - Gritei ao sentir minha mão encostar o aço quente. E bota quente nisso. Agitei-a freneticamente no ar como se aquilo fosse parar a dor, sentindo meus olhos darem uma leve marejada. Harry a pegou, abrindo a torneira da pia e colocando-a debaixo da água fria. A sensação de alívio foi imediata.
-Está melhor? - Ele indagou com um ar preocupado.
-Está sim, obrigada - Sorri, respirando fundo. - Nossa, como fui fazer isso?
-Foi minha culpa, eu te distraí. Me desculpe - Harry tinha uma expressão arrependida e seus olhos continham culpa.
-Não foi culpa sua, Hazza, foi desastre meu. Não se preocupe. - Soltei uma leve risada na tentativa de relaxá-lo, embora ele realmente tivesse me distraído. O vi fechar a torneira e só então percebi que sua mão ainda segurava a minha. Tirei-a delicadamente, pegando um pano para enxugá-la. Oh, céus.
-Teria sido mais útil se tivesse ficado quieto - Ele passou novamente os dedos por trás da orelha e eu comecei a rir.
-Pare de se torturar, acidentes acontecem - Peguei o recipiente com a massa, mas ele o tirou de minhas mãos.
-Não, não, deixe que eu termino.
-Qual é, senta lá, vai - Fiz menção em pegar de volta, mas ele desviou.
-Não, você está em processo de recuperação. - Ele disse em tom sério, apontando a cadeira com a cabeça. Olhei bem para a cara dele e gargalhei.
-Ok, doutor, quem sou eu para saber mais de medicina que o senhor... - Tirei sarro e ele riu. Como ele roubou meu posto, coloquei pratos, talheres, leite, copos e chocolate derretido à mesa. Sentei-me e esperei que ele terminasse com as panquecas. E estaria mentindo se dissesse que não escorreguei o olhar vez ou outra para sua bunda.
-Prontinho - Harry disse depois de certo tempo, tirando minha concentração de meu machucado - Como está?
-Vermelho, mas talvez nem forme bolha. - Ele sorriu, servindo primeiro a mim, o que eu achei muito fofo. - Obrigada.
-Já sabe o que quer cursar?
-Ainda não, estou meio perdida. E você?
-Engenharia aeronáutica.
-Uau - Soltei com espanto, fazendo-o rir - É mega concorrido, não é?
-Infelizmente, é.
-E... - Eu olhei para ele, fazendo uma pequena pausa - Eu não te atrapalho com os estudos, não? Esse curso é o mais procurado e eu tiro uma hora e meia do seu tempo quase todos os dias... Digo, o vestibular está quase aí...
-Se atrapalhasse, não teria aceitado te dar aulas, concorda? - Ele riu - Eu estudo durante a manhã, na escola, e à tarde. À noite eu também tenho estudado bastante. E você não tira meu tempo, eu acabo o aproveitando para fazer uma revisão.
-É, concordo - Disse pensativamente - Bom, boa sorte - Desejei antes de despejar mais chocolate.
-Vou precisar. Nossa, que panqueca gostosa. - Harry falou mais para si do que para mim.
-Receita da mamãe - Disse rindo.
-Guarde-a o resto da sua vida - Ele franziu a testa e soltou as palavras como se estivesse me pedindo uma coisa de extrema importância, o que me fez rir alto - Mas então, não faz nem ideia do que quer? - Eu havia acabado de colocar um pedaço na boca e dei graças a Deus por isso quando percebi que nunca tinha pensado sobre faculdade. Não gostava de matéria nenhuma e nenhuma profissão realmente me interessava. Desviei o olhar do dele por um momento, fingindo pensar, e só parei de mastigar quando não tinha mais nada a ser mastigado.
-Na verdade, não - Optei pela sinceridade.
-É difícil mesmo ter que decidir agora o que a gente vai fazer pelo resto da vida. Gosta de qual matéria?
-Inglês.
-Você faz curso?
-Fiz, me formei ano passado. Mas ainda continuo com a conversação.
-Legal - Ele exclamou - Por que não faz alguma coisa voltada para isso? - Eu o olhei com interesse, sentindo certa empolgação ou algo parecido nascer dentro de mim.
-Não é má ideia, na verdade... Nunca tinha pensado nisso...
-Pense, as oportunidades são muitas. Muita gente fala o inglês meia boca, mas pouquíssimas são fluentes.
-Isso é verdade... Obrigada, Harry - Abri um sorriso sincero, apreciando a sugestão. Ele sorriu de volta, ajeitando os óculos.
Depois disso, nós terminamos de comer e continuamos conversando por um bom tempo. Ele realmente era aquele típico nerd que colecionava história em quadrinhos, adorava Star Wars, lia revistas científicas, falava o português correto durante a maior parte do tempo - o que me fazia rir discretamente de vez em quando -, e tinha The Big Bang Theory como seriado favorito. Se tivesse de compará-lo a algum dos personagens, seria a Leonard: demasiadamente inteligente, porém sociável. Eu, obviamente, seria a Penny: uma porta. Às vezes ele se tornava científico demais. Era quando eu o encarava com a maior cara de interrogação, o que o fazia se tocar e pedir desculpas consecutivas por explicar tanto. Mas confesso que gostava quando isso acontecia, porque não tinha nada mais encantador do que seu rostinho concentrado enquanto ele discursava animadamente, e envergonhado quando ele percebia minha completa alienação. Eu nunca havia conhecido alguém como ele. E, nossa, como eu desejava conhecê-lo melhor.
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Geek - H.S
FanfictionEu era uma pessoa normal, uma aluna com boas notas. Ano novo, pessoas novas, e se posso dizer, más companhias, com isso eu fui para o pior lado, minhas notas caíram. Iria reprovar, iria repetir o maldito ano, se não fosse por ele